out 052011
 

Milenarismo e Montanismo

Ensaio do Pe. José Arnóbio Glavan, EP

Houve, na primitiva Igreja, uma piedosa concepção sobre a segunda vinda gloriosa de Jesus Cristo, mas falseada pelo exagero, porque se a considerava iminente. Tal idéia, mais tarde, levou alguns a interpretações distorcidas de textos de São Paulo e de São João, especialmente do Apocalipse, fazendo-os imaginar uma próxima volta de Cristo para dar início a um reino terreno de paz, harmonia e delícias, que deveria durar mil anos. É o chamado Milenarismo. Afim com tais ideias, aparecem também doutrinas a respeito de uma era do Espírito Santo, na qual as comunidades cristãs, e mesmo os indivíduos enquanto tais, seriam agraciados por uma manifestação constante do Espírito Santo e governados diretamente pelo Espírito, de maneira que poderiam prescindir da organização e disciplina  eclesiásticas e do Magistério da Igreja. Surgia assim a primeira heresia —  ou quase heresia pois não se tratava propriamente da afirmação de uma falsa doutrina mas de exageros e fanatismos.

Basílica de São Pedro

Basílica de São Pedro

Pelo fim do segundo século, Montano —  sacerdote pagão originário da Frígia, e convertido ao cristianismo — pretendia ser o único depositário dos carismas do Espírito Santo — que floresceram no início da pregação apostólica, mas que vinham se tornando cada vez mais raros — especialmente do dom da profecia. Acompanhado por duas mulheres, Maximila e Priscila,  tão visionárias e fanáticas quanto ele, que tinham abandonado os maridos para segui-lo, lançou-se à propagação de suas doutrinas. Tal heresia se espalhou muito, sobretudo no Oriente e foi vigorosamente combatida pelos Padres e apologetas. Persistiu ainda  em alguns grupos de fanáticos até o século IV, quando foi condenada pelo Papa São Zeferino (199-217). Ressurgiu, entretanto, com  roupagens novas, séculos mais tarde em plena Idade Média, com  Joaquim de Fiore (1130-1202) e seus seguidores, como veremos oportunamente.

set 172011
 

Os Padres da Igreja e o combate às heresias

Ensaio da História da Igreja do Pe. José Glavan, EP

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Primeira comunhão de São Jerônimo, um dos padres da Igreja do ocidente, por Botticelli

Do período subapostólico (fins do primeiro século até primeira metade do segundo), até o VI século —  época denominada patrística ou dos Santos Padres — a Igreja foi servida por homens insignes em santidade, sabedoria ciência e ardor apostólico que, valorosamente a defenderam contra os ataques dos inimigos da fé, e das ameaças de divisões produzidas pelas heresias — a palavra grega haéresis indica, precisamente, ruptura ou divisão. Diligentemente eles recolheram na memória profunda da Igreja os tesouros do ensino oral de Jesus Cristo, transmitido pelos Apóstolos, e vigorosamente levantaram os fundamentos do maravilhoso edifício da espiritualidade, da exegese e da teologia. São eles, por este motivo, denominados Padres ou Pais da Igreja.

Foram estes também, em geral, grandes apologetas, (defensores da fé) que se distinguiram por sua exímia ortodoxia (reta doutrina) e santidade de vida. Houve também escritores de grande valor, que se destacaram pela brilhante defesa da liberdade da Igreja ou de verdades fundamentais de fé, mas que num ou noutro ponto se desviaram da reta doutrina. Não cabe propriamente a esses a designação de Padres, mas simplesmente a de apologetas. Entre eles estão Orígenes e Tertuliano.

Já no período apostólico, em que os Apóstolos viviam e agiam, falsificadores da verdadeira doutrina (cf. 2Cor 2, 17) se introduziram no meio de rebanho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas as tentativas de se desfigurar a mensagem evangélica aos neo-convertidos provenientes da gentilidade pela imposição de costumes e ritos do judaísmo — que tinham perdido seu sentido e sua vigência —  encontraram a vigorosa reação dos apóstolos reunidos no Concílio de Jerusalém (At 15, 4-35). Posteriormente, outras falsas doutrinas continuaram a ameaçar a jovem Igreja de Cristo, nas épocas que se seguiram.

No período subapostólico — que conheceu as testemunhas diretas daqueles que ouviram a pregação evangélica diretamente dos lábios de Jesus Cristo — e durante o transcorrer do segundo século, com efeito, novas heresias despontaram. Encontraram elas, entretanto, a fé o zelo e o amor a ortodoxia (verdade) daqueles homens valorosos, conhecidos como Padres Apostólicos, que souberam defender, valentemente, a verdadeira fé: apostólicos porque receberam o Evangelho de Cristo diretamente dos Apóstolos, e deles se poderia dizer com Santo Irineu: tinham ainda a voz dos apóstolos nos ouvidos e os seus exemplos diante dos olhos. Foram muitos dentre eles notáveis apologetas, pois se dedicavam especialmente à apologia (defesa) da  ortodoxia. Muitos deles, como São Justino Mártir, Santo Inácio de Antioquia e Santo Apolinário, discípulo este de São João Evangelista e seu sucessor na sede episcopal de Esmirna, selaram com o sangue seu testemunho de fé.