Alcançada a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma Lei, a fim de remir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos [como filhos] a sua adoção(Gl 4, 4-5).
Roma no tempo de Jesus e Maria tinha expandido seu domínio por quase todo o mundo conhecido de então. Era um só e imenso império. Pelas armas das famosas legiões romanas, os povos iam sendo, sucessivamente, submetidos ao poderio dos césares, e se estabelecia, deste modo, a famosa Pax Romana (paz romana). Singular paz, imposta pela coação e pela força! O Mediterrâneo torna-se um mar romano, o Mare Nostrum (nosso mar). Três milhões de quilômetros quadrados e aproximadamente sessenta milhões de habitantes.
Ao nascer, a Igreja se encontrou dentro deste quadro político-social, e mais uma vez a Divina Providencia dispunha realidades temporais em benefício das espirituais; acontecimentos humanos em vista da edificação e missão da Igreja; meios contingentes e passageiros em função de fins eternos.
De fato, a Igreja, pequena semente de um “Reino que jamais será destruído” (1), de um “império” espiritual, uno e católico (universal) — incomparavelmente maior do que o império dos césares —, encontrou, preparado por Deus, um “canteiro”, também ele uno e universal, no qual deveria constituir-se, desenvolver-se e expandir sua missão.
Um grande pensador cristão dos primeiros tempos do cristianismo, Orígenes, assim se exprimiu: “Deus preparou os povos e fez com que o Império Romano dominasse o mundo inteiro […] porque a existência de muitos reinos teria sido um obstáculo à propagação da doutrina de Deus sobre a terra” (2). E o famoso teólogo e pregador do século XVII, Bossuet, escreveu: “Deus que, no mesmo tempo, tinha resolvido reunir o povo novo [cristão] de todas as nações, reuniu primeiramente as terras e os mares sob um imenso império” (3).
“Se eles fazem isto ao lenho verde , que acontecerá ao seco?” (LC 23,31) – Primeiras perseguições
Jesus Cristo Nosso Senhor prevenira seus apóstolos de que não propagariam o Evangelho sem sofrerem perseguições (4), e estas lhes vieram abundantemente. De fato, ao se lançarem à tarefa da evangelização ordenada pelo Divino Mestre, seus discípulos, que de início se moviam quase exclusivamente nos meios do judaísmo, encontraram sob o reinado de Herodes Agripa e da parte do Sinédrio, saduceus e fariseus, e das sinagogas, as primeiras perseguições.
Pedro e João são levados ao cárcere (5), violência que se repete com os apóstolos quando chegam a ser açoitados (6), e só foram salvos da morte pela intervenção do famoso rabino Gamaliel (7). O diácono Estevão é também objeto do ódio do Sinédrio. Supliciado pelo apedrejamento, recebeu a glória de ser o primeiro mártir cristão (8). Não tendo ainda a idade exigida pelas leis judaicas para participar de um apedrejamento, um jovem e fogoso fariseu, discípulo de Gamaliel, favorecia e estimulava os executores daquela iníqua sentença de morte, guardando-lhes os mantos. Chamava-se Saulo (9).
Pelos caminhos deste jovem fariseu, entretanto, passou Cristo Jesus, e de perseguidor que era fez-se fervoroso anunciador do Evangelho, de Saulo tornou-se Paulo, o grande Apóstolo das Gentes.
Não demorou para que o Império percebesse o poder de expansão da Igreja nascente, e pressentisse que as poderosas estruturas do paganismo viriam a estremecer em face da extraordinária atração que o Ressuscitado exercia sobre os povos, até então pacificamente submetidos aos falsos deuses.
Corria o ano 54dC, e sobre o trono imperial, sucedendo a Calígula que se fizera adorar como deus erigindo estátua em sua honra no próprio templo de Jerusalém, sentava-se Nero (54-68). No mês de julho de 64dC ocorreu o famoso incêndio de Roma: por seis dias e seis noites a cidade ardeu em chamas. Muito difundida foi, na ocasião — hipótese que não se pode descartar — a versão de que o próprio imperador, desejoso de alterar o urbanismo da cidade, não encontrou melhor modo do que destruí-la pelo fogo para depois reconstruí-la em padrões novos, alexandrinos. O sinistro espetáculo, o desespero de uma população com milhares de mortos, não era um “divertimento” indiferente ao imperador que passou para a História como lunático e sanguinário.
Crescia na opinião pública a convicção de que Nero era o causador do incêndio, o que fez com que este não recuasse diante da idéia de atribuir aos cristãos a autoria do crime. Para isso determinou a prisão em massa de seguidores de Jesus Cristo, que eram submetidos a atrozes torturas a fim de lhes arrancar falsas confissões. Alguns fraquejaram e se submeteram às imposições dos carrascos, e a partir disso desenvolveu-se uma das mais pavorosas carnificinas que o mundo tenha conhecido: os prisioneiros foram vestidos com peles de animais, conduzidos aos jardins imperiais, e submetidos a uma sinistra caçada, na qual muitos acabavam dilacerados pelos cães.
Ainda não satisfeito com essa barbárie, Nero dispôs que os corpos dos cristãos, vivos, mortos ou agonizantes, fossem transformados em archotes humanos para iluminar as alamedas de seus jardins, as quais, ele próprio, vestido de cocheiro e conduzindo seu carro, se divertia em percorrer. São Clemente Romano, futuro Papa, foi testemunha ocular desses tenebrosos acontecimentos (10). Segundo o historiador Tácito, foi levada à morte, nesta ocasião, uma multitudo ingens (enorme multidão) (1).
Conta a Tradição que, pelo ano 67dC, os apóstolos São Pedro e São Paulo, padeceram também sob Nero, sofrendo o martírio, sendo o primeiro crucificado de cabeça para baixo, e o segundo, decapitado pela espada, privilégio dos cidadãos romanos.
Pe. Arnobio José Glavam, EP
Bibliografia
(1) cf. Dn 2, 44; (2) cf. Origenes, in Contra Celso, II, 30); (3) Bossuet, Discours sur l’Histoire Universel, Flammarion, Paris, 1963, p.304); (4) cf. Jo 15, 1-20); (5) cf. At 4, 1-22; (6) cf. At 5, 17-42); (7) At 5, 34-39; (8) At 7, 54-60; (9) At 7, 58; 8, 1; ) (10) (cf .Daniel- Rops, A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, Loyola, 4ª edição, p.183; (11) Tácito, Annales, 15, 44.