Tinha ele uma genial capacidade de descrever o que via e sentia, bem como de mostrar as correlações das belezas da Liturgia com as da arquitetura, da escultura, da pintura, etc. E pôs esse precioso dom natural inteiramente a serviço da Fé, como o leitor pode constatar no texto abaixo, de sua autoria.
O que me parecia superior às mais elogiadas obras da música teatral ou mundana era o velho canto-chão, esta melodia plana e despida, ao mesmo tempo sublime e grave. Era este grito solene das tristezas e ufano das alegrias, eram estes hinos grandiosos da fé humana, os quais parecem jorrar nas catedrais, dos pés das colunas românicas, como gêiseres irresistíveis.
Qual música — por mais ampla, terna ou dolorosa que seja — vale um De Profundis cantado em falso-bordão, as solenidades do Magnificat, as verves augustas do Lauda Sion, os entusiasmos da Salve Regina, as soledades do Miserere e do Stabat Mater, as onipotentes majestades do Te Deum?
Artistas geniais haviam já se esforçado para exprimir em música os textos sagrados: Victoria, Josquim De Près, Palestrina, Orlando de Lassus, Haendel, Bach, Haydn — todos estes compuseram páginas maravilhosas. Contudo, suas obras contêm uma certa ostentação, mostram-se, apesar de tudo, orgulhosas, em comparação com a humilde magnificência e o sóbrio esplendor do canto gregoriano. (…)
Já o canto litúrgico, quase sempre composto anonimamente no fundo dos claustros, era uma fonte extraterrestre, sem marcas de pecado, sem pretensões artísticas. Era um surto de almas já liberadas da servidão da carne, uma explosão de ternuras sobrenaturalizadas e de alegrias puras. Era o idioma da Igreja, o Evangelho musical acessível, como o próprio Evangelho escrito, não só aos mais requintados, mas também aos mais humildes.
Ah! a verdadeira prova do Catolicismo é esta arte por ele fundada, esta arte que nada ainda foi capaz de superar! Na pintura e na escultura, os primitivos; os místicos, na poesia e na prosa; na música, o canto-chão; na arquitetura, o românico e o gótico. Tudo isto se conciliava num único tufo de pensamentos: reverenciar, adorar, servir o Divino Dispensador, mostrando-Lhe — refletido na alma de sua criatura, como num fiel espelho — o préstimo ainda imaculado de seus dons.
Quanto ao canto-chão, é patente a consonância de sua melodia com a arquitetura. Às vezes ele se inclina como os sombrios arcos românicos; outras, surge tenebroso e pensativo como o semi-círculo dos arcos. O De Profundis, por exemplo, curva-se para dentro, semelhante a esses grandes arcos que formam a ossatura escurecida das abóbadas. Ele é lento e noturno como elas, só se desdobra como elas, não se move senão na penumbra entristecida das criptas.
Às vezes, ao contrário, o canto gregoriano parece tomar emprestado do gótico suas nervuras floridas, suas flechas recortadas, suas rodas de gaze, seus triângulos de rendas leves e finas como vozes infantis. Ele passa, então, dum extremo ao outro, da amplidão das aflições ao infinito das alegrias.
Outras vezes, ele, como a escultura, dobra-se para o júbilo do povo, associando-se às alegrias inocentes, aos risos esculpidos nos velhos frontispícios. Ele toma — tanto no cântico natalino Adeste Fideles quanto no hino pascoal O Filii et Filiae — o ritmo popular das multidões. Tal como os Evangelhos, ele se torna pequeno e familiar, submete-se aos humildes desejos dos pobres e lhes proporciona uma melodia de festa fácil de reter na memória, que os eleva às puras regiões onde suas almas cândidas se prostram aos pés indulgentes de Cristo.
Criado pela Igreja, aprimorado por ela nos corais da Idade Média, o canto gregoriano é a paráfrase flutuante e movente da imóvel estrutura das catedrais. Ele é a interpretação imaterial e fluida das telas dos pintores primitivos. Ele é a tradução alada das prosas latinas compostas outrora pelos monges elevados, em seus claustros, fora do tempo.