jul 252011
 

Santiago de Compostela

O cabo Finisterre, situado no litoral da Galiza, era o lugar no qual, para os antigos, terminava a terra conhecida e começava o misterioso e insondável Oceano Atlântico. Muito perto dali, encontra-se um dos centros de peregrinação mais visitados da Cristandade.

Santiago de Compostela é um dos raros exemplos de cidade que nasceu graças à devoção de dezenas de milhões de peregrinos. De fato, sua história confunde-se com a das peregrinações, desde que no Campus Stellae (Campo da Estrela), como é chamado o local, foi encontrado milagrosamente o sepulcro do Apóstolo São Tiago.
A vida do santo, uma das mais belas da hagiografia cristã, seria suficiente para explicar por si mesma a imensa atração que suas relíquias têm exercido sobre o mundo católico.

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Segundo a tradição, depois de Pentecostes os primeiros discípulos se dispersaram para pregar o Evangelho. São Tiago o Maior, primo de Nosso Senhor e irmão de São João, era chamado por Jesus de o “filho do trovão”, devido a seu temperamento fogoso. Talvez por isso lhe correspondera evangelizar a Península Ibérica, uma das regiões mais remotas do mundo daquele tempo.

Após conturbada travessia marítima, o apóstolo desembarcou na Ria de Arousa e passou sete anos levando a palavra do Divino Mestre àquelas regiões. No ano 44, voltou a Jerusalém, onde foi preso por ordem de Herodes, que mandou matá-lo à espada, tornando-se assim o primeiro mártir entre os apóstolos. Assim o narra o capítulo 12 dos Atos.

Logo após o glorioso martírio, o corpo do santo foi levado para a Espanha e colocado em um túmulo de mármore, no qual foi venerado até o século III. Posteriormente, com as invasões dos bárbaros no século IV, seguidas pelas dos árabes no século VIII, os habitantes do lugar acabaram perdendo a noção de onde se encontrava o sepulcro do Apóstolo.

Por volta de 820, ocorreu um fato milagroso que marcou o reinício da história que São Tiago continuaria a escrever da Eternidade. Nessa época, uma misteriosa estrela começou a aparecer acima de um campo por várias noites consecutivas. Um ermitão de nome Pelayo, habitante das redondezas, convencido do caráter sobrenatural do fenômeno, informou o bispo Teodomiro acerca do estranho acontecimento. Este dirigiu-se ao local com todos os seus fiéis e, seguindo o caminho indicado pela estrela, achou o sepulcro de mármore com os restos do Apóstolo. Sobre esse precioso tesouro, Afonso II o Casto, rei das Astúrias, edificou uma igreja e um mosteiro. A partir de então, a devoção ao santo e o culto a suas relíquias se propagou pelo país.

Porém, foi necessário outro acontecimento milagroso para que o Apóstolo se transformasse em padroeiro de toda a Espanha.
Conta a tradição que durante a batalha de Clavijo, em 844, o rei de Leão, Ramiro I, à frente de um punhado de cristãos, mantinha um combate desesperado contra 70 mil muçulmanos. De repente, apareceu um cavaleiro montado num cavalo branco, portando um estandarte com  uma cruz vermelha e, misturando-se aos combatentes, arrasou o inimigo. Todos o reconheceram. A partir dai, “São Tiago!” passou a ser o brado de guerra na grande luta da Reconquista, a qual recebeu um novo ímpeto espiritual, sob a proteção do insigne Apóstolo.

A fama de São Tiago transpôs os Pirineus no momento em que as nações da Europa rumavam para uma profunda unidade religiosa e cultural. A partir do século XI, devido especialmente ao incentivo dos Papas e ao apostolado dos monges de Cluny, as peregrinações a Compostela passaram a atrair cada vez mais as populações da Península Ibérica e de outros países.

No início do século XII, o Papa Calixto II concedeu ao lugar um singular privilégio, confirmado em 1179 por Alejandro III na bula Regis aeterni: todos os anos em que o dia 25 de julho, festa do Apóstolo, coincidir em domingo, podem-se ganhar nessa igreja todas as graças do Jubileu. Nascia assim o Caminho de São Tiago ou “rota jacobéia”.1 A Cristandade ganhava, ao lado de Jerusalém e de Roma, um novo centro de devoção.

Partia-se em peregrinação para cumprir um voto, pedir uma graça, implorar uma cura ou obter o perdão das próprias faltas. Era uma empresa cheia de riscos: as feras, os bandidos, o longo caminho a percorrer, o cansaço. Os peregrinos agrupavam-se em enormes colunas para se protegerem mutuamente. No decorrer do tempo, foram estabelecidas quatro vias principais, com hospedarias, hospitais, pontes, calçadas, cruzes e igrejas espaçosas — tudo quanto era necessário para o cuidado dos corpos e das almas durante as peregrinações. Cada ponto do percurso dava ao peregrino a oportunidade não só de descansar, mas de venerar uma relíquia, rezar diante de uma imagem, conhecer o relato de algum milagre, antes de ser acolhido por São Tiago, em Compostela.

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Naquela época, a Igreja, ao estender sua mão pacificadora e cheia de doçura no Caminho de São Tiago, povoou a Europa de maravilhas, erigindo edifícios com as belezas austeras da arte românica e a luminosidade radiante do gótico. O fervor religioso, servindo de ponto de contato espiritual entre os povos europeus, fez com que todos se sentissem solidários na mesma Fé.

Hoje, transcorridos vários séculos, peregrinos do mundo inteiro enchem cada verão as rotas jacobéias. E, chegados à imponente Basílica, acorrem logo a rezar ante as relíquias do Santo e a dar o tradicional “abraço” à imagem que se venera no altar-mor. N

1) O nome do Apóstolo em hebraico é Ya’akov  (Jacob). Na Idade Média, a forma latina Iacobus transformou-se em Jacomus. Desse vocábulo surgiram o italiano Giacomo, o francês Jacques, o espanhol Jaime e o catalão Jaume. Mas, na parte ocidental da Península, Jacomus deu origem a Yago ou Yagüe, de onde nasceria, posteriormente, o nome espanhol Santiago. O vocábulo que hoje usamos em português para nos referirmos ao santo tem origem num falso corte da expressão medieval Sant’Yago , que ficou convertida em São Tiago.


Mariana Arráiz de Morazzani. Revista Arautos do Evangelho. n.11. Novembro de 2002


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