jun 222012
 
Imagem representando os cristãos dos primeiros tempos pertencente à Pinacoteca Vaticana

Imagem representando cristãos dos primeiros tempos da Igreja, Pinacoteca Vaticana

No estudo da História da Igreja é comum ouvir-se falar em em antipapas. A eleição de papas suscitou por vezes oposições movidas por divergências políticas ou ambições pessoais. Alguns descontentes acabavam por eleger um concorrente ao Papa. Houve época em que havia simultaneamente três “papas”, dos quais apenas um era legítimo.

Alguns historiadores costumam dizer sem precisão que o primeiro dos antipapas foi Santo Hipólito de Roma. Para entermos esse particular é necessário recordar que os primeiros cristãos tinham viva consciência de que deveriam dar o testemunho de uma vida pura. Esta consciência se manifestou por vezes de maneira extremamente rigorosa, como já dissemos acima, em alguns momentos da História. Para se ter ideia dessa exigência de pureza, estima-se que até o século VI só era concedida uma vez na vida o sacramento da Reconciliação. Os bispos julgavam que quem precisasse de mais de uma penitencia sacramental, não estava disposto a recebê-la. Tal pecador era confiado à misericórdia de Deus. Em vista disso, muitos catecúmenos adiavam o batismo, por vezes até à hora da morte, para que pudessem receber a absolvição dos pecados ao menos antes de morrer.

 Tertuliano (160-220) parece ter sido o primeiro a falar dos pecados irremissíveis, que seriam a apostasia, o adultério e o homicídio. No entanto, o papa Calixto I (217-220) concedia a reconciliação a todo pecador que fizesse a devida penitência. Esta praxe foi confirmada pelos sínodos de Roma e de Cartago que ocorreram na época do Papa Cornélio (251-253).

No entanto, contra este costume mais benévolo pautado nas recomendações do Divino Mestre, levantou-se o presbítero Novaciano, que acabou gerando um cisma na Igreja ao encabeçar uma facção de caráter rigorista. Novaciano negava a reconciliação aos apóstatas mesmo em perigo de morte; estendeu esta severidade aos dois outros pecados ditos capitais na época (homicídio e adultério). Queria constituir uma Igreja de puros e santos. Por isso rebatizava os católicos que entravam em suas fileiras.

A Igreja é assistida pela divina Sabedoria que supera e transcende os cálculos humanos e critérios de juízo pessoais. Não raras vezes ao longo da História ela se deparou com pessoas que, com base em seus próprios critérios de análise e juízo fundados em interpretação pessoal das Sagradas Escrituras, quiseram impor-lhe determinados modos de pensar e agir, tanto tendente ao rigorismo como ao laxismo.

Santo Hipólito de Roma parece ter assumido uma posição extremamente rigorista a respeito da Justiça de Deus aproximando-se à corrente novaciana, de tal forma que passou a censurar o papa São Zeferino pela indulgência para com os lapsi (os que diante das torturas acabavam por renegar a fé). Julgava que o Papa deveria negar o perdão a estes quando voltavam arrependidos, e não readmitir na Igreja os apóstatas, que por medo das torturas e da morte, tinham desertado do cristianismo.

Santo Hipólito, Padre da Igreja, sábio e zeloso defensor da fé, depois de contrariar a política de São Zeferino, ergueu-se  contra o papa Calixto censurando-lhe o que imaginava ser frouxidão no combate à heresia de Sabélio. Nesta posição acaba por romper com ele, arvorando-se numa espécie de antipapa. Continuou opondo-se à política de Santo Urbano I e de São Ponciano, sucessores de Calixto, quando, juntamente com São Ponciano foi preso exilado e submetido a trabalhos forçados no governo do imperador Maximiniano.

Nesta ocasião presenciou o nobre gesto do Papa renunciando ao pontificado a fim de permitir a eleição de outro Pontífice e evitar que a Igreja ficasse desgovernada. Este foi o fato do qual parece ter-se servido a divina Graça para tocar o coração de Hipólito. Tornou-se, a partir de então, um ardoroso devoto do Papa e quando seus partidários vinham a ele para pedir opinião neste ou naquele ponto, costumava dizer simplesmente: sigam o papa, é o único guia! Veio a morrer mártir no ano de 235. É impropriamente apresentado como o primeiro antipapa. De fato não o foi.

Alguns anos mais tarde, em 250, Novaciano entendeu exigir da Igreja novos rigores contra os lapsi (lapsos). Formou um partido que se opôs tenazmente a eleição do Papa Cornélio (251-252), por causa da sua posição indulgente. Apesar desta oposição Cornélio foi aclamado Papa, o que despertou revolta em Novaciano. Fez-se ordenar bispo por três bispos partidários seus, e organizou um partido de oposição a Cornélio.

Estava constituído um Cisma (divisão) na Igreja, com  Novaciano, figurando como o segundo, mas este sim, verdadeiro antipapa. Novaciano agitou a Igreja promovendo perturbações contra o Papa Marcelino (290-304) e contra os breves pontificados de Marcelo (307-309) e Eusébio (309 -310). Somente a energia aliada à diplomacia do Papa  Melcíades (311- 314) pode conter o movimento.

Para entender

Qual é a diferença entre heresia e cisma?

Por heresia entende-se a negação de alguma verdade de fé formalmente definida pela Igreja como tal. Assim, por exemplo, os arianos eram hereges porque negavam a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por cisma entende-se uma ruptura com a Unidade da Santa Igreja em matéria de disciplina eclesiástica, ou seja, nega-se reconhecer autoridade e prestar obediência aos legítimos pastores.

abr 092012
 

Pe. José Arnóbio Glavan, EP

Bourges - Dscn0692-Bourges - Paulo MikioNos séculos que se seguiram ao Edito de Milão a Igreja encontrou-se numa delicada situação. Se de um lado podia mover-se em liberdade e à luz do dia, de outro teve que enfrentar a rápida e intensa propagação das heresias, que gozavam, também elas, da mesma situação de liberdade. Assim antigas doutrinas heterodoxas (falsas) sobre as quais a Igreja tinha triunfado em tempos de perseguição, renasciam em aspectos novos enquanto outras heresias novas surgiam. Entre os  séculos III e VII viu-se ela sacudida por grandes embates doutrinários nos quais, entretanto, a ortodoxia ia se afirmando com cada vez maior clareza e precisão.

Durante as antigas perseguições a Igreja de Deus enfrentou gloriosamente inimigos internos e externos. Mas vencidos estes últimos, concentrou-se ela nos primeiros: as heresias. Uma outra ordem de realidades, ainda, se somava a estas: se com Constantino a Igreja alcançara a liberdade, com Teodósio I o Grande tornou-se religião oficial do Império Romano. Com efeito, este imperador proibiu o culto pagão em todo o Império,  sem entretanto recorrer à força para reprimir seus adeptos, mas negando-lhes, simplesmente, cargos e regalias oficiais, transferindo-as para os cristãos. Os imperadores que se seguiram foram, aos poucos, fazendo recuar o culto pagão, o que aliás provocava contínuos protestos de seus seguidores, ainda numerosos na vida pública romana, sobretudo no Senado. Graciano (375-383) no Ocidente, por exemplo,  foi o primeiro a recusar o título de Pontifex Maximus (supremo pontífice), que os imperadores pagãos ostentavam, e que Constantino e seus sucessores, por política, conservaram.

Se tal situação fazia dos imperadores romanos, fiéis súditos da Santa Igreja, fazia-os também seus naturais protetores. E por isso, em muitas situações entenderam eles poder exercer sobre a Esposa de Cristo uma descabida tutela. Vê-se então imperadores —  sobretudo os do Oriente — intervirem, com pretensões de autoridade, em debates teológicos e mesmo disciplinares da Igreja. Mas também usarem do poder secular para reprimir os hereges e, não raras vezes, os ortodoxos. Constantino I (306-337), e Teodósio I (379-395) favoreceram a ortodoxia mas já seus sucessores Constâncio (337-361) e Valente(364-378), protegeram o Arianismo, destituindo e exilando Santo Atanásio, o grande herói da luta anti-ariana. Teodósio II, por sua vez, protegeu os hereges monofisitas.

Os sete primeiros concílios foram convocados pelos imperadores. Constantino convocou, em 325, o primeiro concílio ecumênico, o de Nicéia, e Teodósio II em 431 convocou o  Concílio de Éfeso, a fim de se pronunciar sobre a heresia nestoriana. O Imperador hesitou muito entre São Cirilo, representante do Papa e grande defensor da ortodoxia, e os bispos partidários de Nestório, mas acabou por apoiar aquele e exilar este.

O mesmo imperador, entretanto, dezoito anos mais tarde, premido pelo Patriarca Dióscoro de Alexandria, partidário do heresiarca Eutiques, convoca um novo Concílio Ecumênico para Éfeso. Concede, a presidência a Dióscoro, que recusa cedê-la aos representantes do Papa quando estes chegam, e ainda ousa impedir a leitura da carta de São Leão Magno que expunha a boa doutrina em face do Monofisismo de Eutiques. Este, portanto, não foi um Concílio mas sim um conciliábulo, e ficou conhecido na história com o nome de Latrocínio de Éfeso, porque reuniu os bispos sem o consentimento e a aprovação do Papa.

out 052011
 

Milenarismo e Montanismo

Ensaio do Pe. José Arnóbio Glavan, EP

Houve, na primitiva Igreja, uma piedosa concepção sobre a segunda vinda gloriosa de Jesus Cristo, mas falseada pelo exagero, porque se a considerava iminente. Tal idéia, mais tarde, levou alguns a interpretações distorcidas de textos de São Paulo e de São João, especialmente do Apocalipse, fazendo-os imaginar uma próxima volta de Cristo para dar início a um reino terreno de paz, harmonia e delícias, que deveria durar mil anos. É o chamado Milenarismo. Afim com tais ideias, aparecem também doutrinas a respeito de uma era do Espírito Santo, na qual as comunidades cristãs, e mesmo os indivíduos enquanto tais, seriam agraciados por uma manifestação constante do Espírito Santo e governados diretamente pelo Espírito, de maneira que poderiam prescindir da organização e disciplina  eclesiásticas e do Magistério da Igreja. Surgia assim a primeira heresia —  ou quase heresia pois não se tratava propriamente da afirmação de uma falsa doutrina mas de exageros e fanatismos.

Basílica de São Pedro

Basílica de São Pedro

Pelo fim do segundo século, Montano —  sacerdote pagão originário da Frígia, e convertido ao cristianismo — pretendia ser o único depositário dos carismas do Espírito Santo — que floresceram no início da pregação apostólica, mas que vinham se tornando cada vez mais raros — especialmente do dom da profecia. Acompanhado por duas mulheres, Maximila e Priscila,  tão visionárias e fanáticas quanto ele, que tinham abandonado os maridos para segui-lo, lançou-se à propagação de suas doutrinas. Tal heresia se espalhou muito, sobretudo no Oriente e foi vigorosamente combatida pelos Padres e apologetas. Persistiu ainda  em alguns grupos de fanáticos até o século IV, quando foi condenada pelo Papa São Zeferino (199-217). Ressurgiu, entretanto, com  roupagens novas, séculos mais tarde em plena Idade Média, com  Joaquim de Fiore (1130-1202) e seus seguidores, como veremos oportunamente.

jul 112011
 

Qual a origem do latim da Igreja?

O Latim é uma língua originária do Latium, (Lácio) região da Itália na qual está localizada a cidade de Roma. A história do latim e da Igreja se confluíram por um desígnio divino.

Na época escolhida por Deus para Ele se fazer homem e habitar entre nós, os romanos dominavam todo o mundo dito civilizado, ou seja, toda a bacia do Mediterrâneo.

 Jesus nasceu no tempo em que o Império Romano estava em seu apogeu. Por quê? Para usar dele como de uma plataforma de lançamento da Igreja Católica. Esta unidade linguística facilitou muito a ação dos apóstolos. A própria liturgia numa antiga oração para a comunhão reconhece que Deus preparou o Império Romano para a pregação do Evangelho: “Deus, qui ad praedicandum Evangelium, Romanum imperium praeparisti” (Missal Romano promulgado por Bento XV em 1920).

Rômulo e Remo salvos pela loba.

Rômulo e Remo salvos pela loba.

O latim recebeu grande influência do grego antigo. Pouco antes do nascimento de Nosso Senhor, o grego era a língua que exercia o papel que teve nos séculos passados o francês e, atualmente o inglês como língua universal. O latim muito se enriqueceu com a civilização grega. Prof. Plinio Corrêa de Oliveria afirmava que “a Grécia era a França da época”. Inúmero vocábulos latinos derivam diretamente do grego inclusive o próprio alfabeto.

Mas aos poucos, pela força das armas, o latim se tornou obrigatório em todos os países conquistados pelo Império Romano. A língua latina era um dos fatores de unidade para aquele imenso território que abrangia cerca de 60 milhões de habitantes de etnias muito diversas.

Os jurisconsultos, os senadores, os poetas, enfim, a classe alta falava um latim melhor, erudito: era o “latim clássico”. E o povo — especialmente os soldados — não se  esmerava  tanto em ter uma comunicação mais perfeita: era o “latim vulgar” (vulgus, povo).

Os primeiros séculos da Igreja se passaram; as primeiras heresias surgiram e foram combatidas vigorosamente pelos Padres da Igreja que tinham santidade, sabedoria, conhecimento das Escrituras e começaram, assim, a construir o castelo da teologia católica. Os padres do Oriente costumavam escrever em grego; os do Ocidente, em latim.

No século V, São Jerônimo, a pedido do Papa São Dâmaso, traduziu a Bíblia para o latim, a fim de que ela fosse compreendida por todo o povo (‘vulgus’),  por isso chamamos esta tradução de“Vulgata”, embora empregue uma linguagem ao mesmo tempo elevada e acessível.

Ao ler os textos traduzidos do grego, do hebraico e aramaico por São Jerônimo temos contato com textos latinos tão belos e sonoros como certos clássicos. Exemplos disso são os Evangelhos: “Estote perfecti sicut et Pater vester coelestis perfectus est” (Mateus, 5,48); “Quaerite primum regnum Dei et iustitiam eius et omnia haec adjicientur vobis” (Mateus, 6, 33).

Intrinsecamente pagão, o mundo greco-romano levava em si os germes da sua  própria destruição. A queda do Império Romano se deu no ano 476 (século V), Odoacro, rei dos hérulos depôs a Rômulo Augústulo, último imperador do Ocidente. O fato é considerado por muitos historiadores como o ocaso do pujante Império.

Cresceram as invasões bárbaras que se estenderam até o século IX. Com a entrada de novos e belicosos povos, com idioma próprio, o latim quase desapareceu, exceto nas bibliotecas dos monges que civilizaram os bárbaros. Da mistura  das linguagens, nasceram  na Europa as línguas românicas: português, espanhol, francês, ilatiano, romeno e diversos dialetos europeus.

Aliás, é de origem latina cerca de 50% do vocabulário inglês, língua consolidada no século XIV, sobretudo na época da invasão da França pelos ingleses, expulsos por iniciativa de Santa Joana d’Arc.

Praça de São Pedro em solene celebração

Praça de São Pedro em solene celebração

O Pe. Júlio Comba bem resume a utilidade do estudo do latim na atualidade:

“Em nossos dias o latim não é mais falado em parte alguma, mas é a lingua oficial da Igreja e é estudado em quase todas as nações do mundo, por ser, com razão, considerado elemento precípuo e fator eficiente de cultura, instrumento indispensável para o conhecimento profundo das linguas neolatinas e meio incomparável para a educação da inteligência, disciplina do raciocínio e formação do caráter” (Gramática Latina, Pe. Julio Comba).

 

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