ago 142012
 

Continuamos nosso ensaio de História da Igreja escrita pelo Pe. José Glavan, EP.

Jesus perdoa a incredulidade de São Tomé e a negação de São Pedro, exemplos do perdão de Cristo

Jesus ressuscitado perdoa a incredulidade de São Tomé e a negação de São Pedro, exemplos do perdão de Cristo Redentor

Outra grande perturbação sacudiu a África cristã no incício do século IV. Sob a perseguição de Diocleciano (244-311) as comunidades africanas não foram as que deram maior exemplo de heroísmo. Ocorreu com freqüência que livros sagrados e vasos litúrgicos eram entregues aos pagãos, como estes o exigiam, sob ameaça de torturas ou morte. Tal gesto era considerado sinal da apostasia e negação da fé.

Passado o perigo, muitos oportunistas procuravam se eximir das culpas lançando sobre outros, a acusação de apóstatas e traidores. Deste modo formou-se um partido de radicais e violentos que se punham a condenar a atitude compassiva de muitos bispos. As pessoas mais visadas foram o primaz de Cartago Mensúrio e seu colega Segundo, bispo da Numídia, acusados de condescendência para com os apóstatas.

A Mensúrio, morto em 311, sucedeu seu íntimo colaborador, Ceciliano, logo acusado de cumplicidade com seu antecessor, atraindo assim o ódio do partido dos  rigoristas. 

Disso aproveitou-se um homem extremamente ambicioso, inteligente e hábil manipulador político, natural da Numídia, chamado Donato. De início manejava, por trás, os revoltosos até colocar-se, ele próprio, a frente do cisma.

Cisma sim porque até então era apenas uma ruptura com a autoridade e a disciplina da Igreja na África. Mas Donato tinha outras pretensões pois bem maiores eram suas ambições. Desejava ele constituir uma Igreja africana independente, tendo a ele, naturalmente, como fundador. Percebendo a vacuidade do cisma — que se alimentava  unicamente de calúnias e intrigas —  excogitou dar-lhe bases doutrinárias, e assim firmar definitivamente o seu partido.

Como o ponto de partida do cisma tinha sido intransigência para com os lapsi, Donato revolveu criar, a esse propósito, uma nova teologia, afirmando que a Igreja é constituída unicamente pelos justos, com a exclusão dos pecadores. Sustentava ainda que os pecadores, lapsi ou os traditores (traidores), deveriam ser submetidos a novo batismo. Pelo mesmo motivo, negavam a validade dos sacramentos ministrados por sacerdotes considerados pecadores. Negavam assim, frontalmente, todas as maravilhosas lições de misericórdia deixadas Nosso Senhor Jesus Cristo.

Agora não era mais simplesmente cisma, mas também heresia, pois à ruptura com a unidade disciplinar da Igreja somava-se a ruptura doutrinária. E assim, com este cisma-heresia, em plena ascensão, chegamos ao ano 313, em que Constantino promulga o Edito de Milão dando liberdade à Igreja.

Os hereges, astutamente, enviam petição à Constantinopla solicitando a intervenção do imperador. Cristão recentemente convertido, Constantino, não se sentindo em condições de dirimir questões doutrinárias, sem desconfiar o quanto exacerbaria os donatistas, toma a única medida sensata nesta matéria: entrega a questão nas mãos do papa Melcíades.

Reuniu-se então um concílio em Roma, em 2 de outubro de 313, ao qual tomaram parte também bispos africanos partidários de Donato. As razões apresentadas pelos hereges foram logo e facilmente desmontadas e, por unanimidade, Ceciliano foi confirmado em sua sede primacial. Um novo concílio foi reunido em Arles, no ano seguinte, e nele expressamente condenada a prática do “rebatismo”. Roma assim havia se pronunciado, mas os hereges não se submeteram. Donato e seus partidários continuaram a agitar a África cristã.

Mas a polêmica donatista não se encerra nesse episódio.

(Continua num próximo post)

maio 122012
 

 

Ivanaldo Santos[1]

De acordo com a Constituição Apostólica Veterum Sapientia, que trata do uso do latim pela Igreja, essa língua:

 

Nascida nos confins do Lácio, ela auxiliou de modo admirável a difusão do nome cristão nas regiões ocidentais. Não sem disposição divina aconteceu que aquele  idioma que reuniu por muitos séculos numa amplíssima sociedade de povos sob a autoridade do Império Romano foi assumido como língua própria da Sé Apostólica e, guardada pela posteridade, uniu uns com os outros os povos cristãos da Europa num alto vínculo.

Pela sua própria natureza a língua latina é apta a promover junto a qualquer povo toda cultura humana; e como não suscita a inveja e se apresenta com equidade diante de todos os povos, sem favorecer qualquer parte, é para todos aceitável e agradável. E não se deve negligenciar que na oração latina há uma nobreza de forma e estrutura, possibilitando um estilo conciso, rico, variegado, cheio de majestade e de dignidade, que contribui de maneira singular à clareza e à perspicácia.[2]

Além disso, acrescenta o documento pontifício:

A ninguém é lícito duvidar que não exista nos discursos dos romanos ou em suas veneráveis cartas uma força intrínseca para instruir as mentes informes dos adolescentes. Através dela, de fato, formam-se, amadurecem, se aperfeiçoam as melhores capacidades da alma; aguçam-se a acuidade da mente e a capacidade do juízo; além disso, a inteligência pueril é mais convenientemente preparada para compreender e julgar no justo sentido de cada coisa; enfim, aprende-se a pensar e a falar com suma ordem [razão].[3]

 

São Tomás de Aquino com São Pedro e São Paulo, Catedral de Dijon, França

São Tomás de Aquino com São Pedro e São Paulo, Catedral de Dijon, França

Apesar da alta contribuição para a sociedade, atestada pela Veterum Sapientia, atualmente o latim passa por um momento bastante peculiar. De um lado, há um renascimento do interesse e dos estudos sobre o latim e, de outro lado, esse idioma é constantemente acusado de ser uma língua morta e de estar ligado à cultura e à liturgia cristã. Em um mundo marcado pelo secularismo, pelo preconceito e até mesmo pelo desprezo pelo sagrado, a identificação do latim com o Cristianismo torna seu estudo um elemento problemático.

Entretanto, como bem salienta Haroldo Bruno o latim é “uma língua viva (do passado)”,[4] ou seja, não se pode negar que o latim atualmente seja uma língua que não desfruta do status de idioma oficial de alguma grande nação. O único governo que mantém o latim como língua oficial é a Cidade do Vaticano, a Sé Apostólica da Igreja, menor Estado do mundo. Com isso, atualmente o latim não tem o prestígio político que desfrutou até o século XVIII.

No entanto, o latim é uma língua viva. Muitas comunidades, ao redor do mundo, ainda preservam o latim. Sem contar que ele é fundamental para o estudo e a compreensão da rica cultura ocidental. É preciso ter consciência que a produção cultural do Ocidente (literatura, filosofia, teologia, etc) foi realizada, durante mais de 1500 anos, com a língua latina. Sem ela não teríamos, por exemplo, a eloquência de Cícero, o grande orador romano, a mística e a arte monástica e o gênio humanístico de Tomás de Aquino. Por causa desses e outros fatores que não foram mencionados é preciso, mais do que nunca, superar o “preconceito de que o latim é uma língua morta”[5] e mergulhar na investigação dessa importante e clássica língua ocidental.

Apenas para se ter uma pequena ideia do interesse crescente em torno do latim, recentemente um grupo de estudantes universitários criaram um site inteiramente em latim.[6] Movidos pela beleza e precisão da língua latina, alguns estudantes do Instituto Teológico São Tomás de Aquino (ITTA), em São Paulo, realizaram uma iniciativa inédita no Brasil: criaram um site escrito em latim. Trata-se do Praecones Latine (http://latine.blog.arautos.org/), que reúne textos, artigos, orações e notícias.

O latim “singularmente contribui à clareza e à seriedade”[7] da reflexão e do pensamento. Muitos literatos e pensadores jamais teriam composto suas obras se não fosse por meio do auxílio, direto ou indireto, do latim. Por causa disso ele muito contribuiu e contribui “para o progresso do gênero humano”,[8] permitindo, ao mesmo tempo, que a “comunicação seja universal”,[9] mas “também imutável”.[10]

Em nossos dias são inúmeros os exemplos que podem ser dados sobre o uso do latim. Entre esses exemplos cita-se: a importância do latim para o ensino de português,[11] o uso do latim na liturgia católica,[12] a discussão sobre a estética barroca,[13] a atualidade da configuracionalidade em latim clássico e em latim vulgar[14] e até mesmo a realização das propostas para padronização da terminologia empregada em sistemas agroflorestais.[15]

Não é intensão desse pequeno artigo apresentar toda a rica atualidade da língua latina. A intensão é bem mais modesta. O objetivo desse artigo é apresentar a importância do latim para os estudos tomistas.

É preciso realizar dois importantes esclarecimentos. O primeiro é que ao longo da discussão não serão abordadas ou definidas expressões, como, por exemplo, tomismo e tomista. Essa discussão foi realizada por estudiosos como Paulo Faitanin,[16] Francisco Elias de Tejada[17] e João Clá Dias.[18] O segundo é que temas de suma importância para a compreensão do latim em Tomás de Aquino não serão tratados. Entre esses temas cita-se: fonologia, morfologia e os aspectos sintáticos. Em grande medida eles foram pesquisados por Nestor Dockhorn.[19]

De posse desses dois esclarecimentos passa-se a se apresentar um conjunto de sete explicações que demostram a importância do latim para os estudos tomistas.

A primeira explicação é o fato de Tomás de Aquino ser um dos maiores pensadores e humanistas de toda a história. Sem a rica obra produzida pelo Aquinate dificilmente a humanidade teria conseguindo avançar em muitos campos do conhecimento, como, por exemplo, a teologia, a filosofia e o direito. Como bem observa Paulo Faitanin a obra de Tomás de Aquino está aberta a dialogar com as “verdades de qualquer época”.[20] Sem contar que o Aquinate é uma influência marcante dentro do pensamento contemporâneo,[21] conseguido provocar um raro e frutífero diálogo, por exemplo, com Martin Heidegger (tomismo heideggeriano), com a fenomenologia (tomismo fenomenológico), com o existencialismo (tomismo existencial), com a lógica (tomismo lógico) e mais recentemente com a filosofia analítica (tomismo analítico).

A questão central é que, como bem salienta Nestor Dockhorn,[22] Tomás escreveu uma vasta obra, desde pequenas produções poéticas litúrgicas até obras de grande fôlego. Os hinos eucarísticos Lauda Sion e Pange lingua (no qual se insere o conhecido Tantum ergo) são dignos de estudo, por seu conteúdo e por sua métrica. Além disso, escreveu obras filosóficas, tais como: De ente et essentia, De aeternitate mundi, De veritate, De malo e outras. Trabalhou com vários textos de Aristóteles. Suas obras mais importantes foram a Summa contra gentiles (que é uma exposição do Cristianismo dirigida a não crentes) e a Summa theologiae, também chamada Summa theologica. Esta última se apresenta como uma obra didática destinada a ajudar aos estudantes iniciais de teologia e filosofia. Na verdade, é uma das obras mais profundas e extensas que foram escritas no campo da teologia filosófica. Sua lógica, sua divisão em partes, seu raciocínio são admiráveis.

No entanto, todo o chamado corpus tomista, ou seja, o conjunto da obra produzida pelo Aquinate, é em latim. Para a produção de sua obra intelectual Tomás utilizou o latim medieval. Como ressalta Jean Lauand[23] o latim medieval alimenta-se não só do latim da antiguidade clássica, mas também da vida litúrgica; não era uma língua morta — como muitos defendem contemporaneamente —, mas estava continuamente desenvolvendo-se vivamente. Por sua vez, Tomás de Aquino, mergulhado na cultura medieval e clássica, cuida de não empregar essa língua com caráter técnico, artificial, terminológico, mas mantê-la com a viveza de uma linguagem corrente, natural.

Para um estudioso ou um iniciante nas reflexões contidas no corpus tomista é de suma importância o conhecimento do latim. Mesmo que o pesquisador não tenha um domínio pleno do latim — em grande parte devido a todas as sutilezas e exceções contidas na língua latina — é preciso conhecer um pouco dessa língua para poder realizar uma leitura e uma investigação mais apropriadas.

São Tomás de Aquino, Catedral de Notre Dame de Paris, França

São Tomás de Aquino, Catedral de Notre Dame de Paris, França

A segunda explicação é que apesar de em muitas partes do mundo, especialmente na Europa e nos EUA, haver boas traduções de algumas obras do Aquinate, especialmente da Summa contra gentiles e da Summa theologiae, o fato é que são poucos os países que possuem a tradução completa do corpus tomista. A grande maioria dos países e, por conseguinte, das línguas, possuem uma tradução limitada do corpus tomista. Sem contar que existe um grande número de línguas e ambientes — especialmente os confins tribais, isolados e de difícil comunicação tecno-cultural — que simplesmente não possuem a tradução de nenhuma obra do Aquinate.

Por esses fatores torna-se fundamental o conhecimento do latim. Sem o conhecimento dessa língua é praticamente impossível uma boa discussão do corpus tomista.

A terceira explicação é a intima relação entre Tomás de Aquino e a escolástica medieval e a escolástica moderna — que nasce no final do século XVIII e chega até o século XXI — também conhecida como neoescolástica. Para se apresentar essa explicação serão desenvolvidos dois argumentos.

O primeiro é que a escolástica medieval deve seu ponto áureo e seu apogeu com a obra produzida por Tomás de Aquino.[24] E como visto anteriormente, essa obra foi produzida em língua latina. Para se conhecer e pesquisar, com profundidade, a escolástica e o seu maior vulto, o Aquinate, é preciso ter certo domínio do latim.

O segundo é que apesar das pesquisas realizadas pela neoescolástica, em grande medida, serem em língua vernácula, o latim é fundamental para a compreensão dessas pesquisas. Sem o latim é difícil ou quase impossível haver um entendimento sobre os conceitos e a discussão intelectual que está sendo desenvolvida. O domínio do latim é fundamental para o domínio do conteúdo presente nos debates travados pelos neoescolásticos.

A quarta explicação é a necessidade de se compreender, de forma clara e precisa, os conceitos desenvolvidos por Tomás de Aquino. Ele pensou, escreveu e produziu sua obra em latim. Muitas vezes redefini antigos conceitos, oriundos da antiguidade, ou elabora novos. Um bom exemplo é dado por Renato Cancian.[25] Segundo ele, Tomás elabora uma sofisticada discussão em torno do conceito de intelecto. Para ele, o Aquinate partiu do princípio de que os seres humanos, ao contrário dos animais, têm a capacidade do intelecto ou entendimento (em latim intellectus). A palavra latina intellectus deriva do verbo intelligire e se traduz, vulgarmente, por entender, mas, no latim de Tomás de Aquino, é um verbo de uso muito mais geral que corresponde, aproximadamente, ao nosso pensar. A partir dessa discussão Tomás fez considerações a respeito da divisão e do método ou modo de proceder das ciências teóricas. Trata-se de reflexões que permanecem atuais. Essas e outras reflexões que foram realizadas pelo Aquinate só podem ser totalmente compreendidas se houver certo domínio da língua latina. É muito difícil entender a ampla complexidade dos conceitos tomistas se não houve domínio do latim. Por isso, o latim torna-se fundamental.

A quinta explicação é toda a rica tradição de pesquisas do neotomismo. Uma tradição que remonta ao final do século XVIII[F1]  e chega, com grande vigor, ao século XXI. O neotomismo é profundamente orientado pelo princípio de que a obra de Tomás de Aquino é perene, ou seja, constante. Por isso, ao contrário do que muitos críticos afirmam, ela não está presa a Idade Média. Trata-se de uma obra capaz de orientar, ao longo dos séculos, todos os pensadores que, livres dos preconceitos ideológicos que regem a modernidade, estudarem os problemas que angustiam o ser humano, sendo, para tanto, “inteiramente sustentados por Tomás”.[26]

Graças a essa sustentação foi possível surgir importantes pensadores contemporâneos, como, por exemplo, Étienne Gilson, Jacques Maritain, Cornelio Fabro, Anthony Kenny, Peter Thomas Geach e John Haldane. Esses pensadores só conseguiram realizar suas reflexões — cada uma tendo seu próprio objeto de estudo — graças à influência de Tomás de Aquino.

No entanto, o neotomismo e qualquer outra corrente que estude Tomás no século XXI tem que ter certo domínio do latim. Só é possível compreender profundamente o corpus tomista e, por conseguinte, aplicá-lo a pesquisas contemporâneas, se houver um amparo na língua latina. O estudo dessa língua torna-se quase obrigatório a todos que desejam realizar uma séria pesquisa de corte neotomista.

A sexta explicação é a recomendação, dada pela Santa Sé,[27] que a obra de Tomás de Aquino, especialmente a Summa theologiae, deve ser ensinada, refletida e compreendida nas universidades, escolas, seminários, mosteiros, conventos e demais centros de estudos católicos. Além disso, dentro dos limites previstos pela legislação de cada país, essa obra também deve ser ensinada dentro dos centros de ensinos (universidades, escolas, institutos tecnológicos, etc) seculares e civis.

O ensino da obra do Aquinate nos diversos ambientes de estudos e pesquisas só trará o enriquecimento e o aprimoramento da cultura humanística. No entanto, deve-se ensinar e, ao mesmo tempo, refletir a obra do Aquinate dentro da dinâmica interna de cada cultura e de cada língua vernácula, sem jamais descuidar das “lições da língua latina”.[28] O estudo de Tomás de Aquino deve-se sempre levar em conta a língua latina como uma das fontes de inspiração e de compreensão de Tomás de Aquino.

A sétima e última explicação é o fato da obra de Tomás de Aquino estar sendo utilizada, por pensadores neotomistas e de outras correntes do pensamento, para refletir e combater os erros “filosóficos da modernidade”.[29] Como bem salientou o Papa Leão XIII a “sociedade civil se encontra em grave perigo”.[30] E esse perigo é oriundo de um grande número de doutrinas “cheias de erros e falácias”,[31] as quais caem no “absurdo de afirmar que a distinção do verdadeiro e do falso não conduz à perfeição da inteligência”.[32] Entre essas doutrinas é possível citar, por exemplo, o positivismo científico, o marxismo, o anarquismo e o relativismo cultural. Para combater esses erros e restaurar a saudável diferença entre a verdade e a falsidade é preciso ter em mente que o corpus tomista é uma grande fonte “para a refutação dos erros dominantes”[33] na sociedade.

Como visto anteriormente, o corpus tomista foi composto em latim. Por isso, para haver uma autêntica leitura de Tomás e, posteriormente, uma aplicação dessa leitura ao processo de crítica e refutação dos erros doutrinários da modernidade, é preciso haver domínio, pelo menos parcial, do latim. Em grande medida, um pesquisador que deseje realizar uma séria crítica — alicerçado em Tomás de Aquino — as ideologias que povoam o imaginário moderno, deverá ter certa compreensão da língua latina.

É preciso ter em mente que as sete explicações que foram apresentadas não esgotam o debate em torno da importância do latim para os estudos tomistas. Em certa medida, ser tomista ou pelo menos simples leitor de Tomás de Aquino implica em também ser um estudioso do latim.

Por fim, afirma-se que há uma relação de mão dupla em torno do debate entre Tomás de Aquino e o latim. De um lado, Tomás de Aquino, com sua vasta obra, permitiu um reavivamento do latim, tanto no século XIII, época em que viveu, como também ao longo de toda a história das ideias. Do outro lado, a preocupação que os estudos tomistas devem sempre ter com o latim, contribui para que essa língua sempre esteja no centro das preocupações investigativas e, com isso, não seja uma língua morta.

 

Publicado em:

(Revista Lumen Veritatis. Vol. 5. Nº 18. Janeiro-Março de 2012. p. 107-114).

 


[1] Doutor em estudos da linguagem pela UFRN, professor do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Letras da UERN. E-mail: ivanaldosantos@yahoo.com.br.

[2] PAPA JOÃO XXIII. Constituição Apostólica Veterum Sapientia. Sobre o uso do Latim, n. 3. AAS … (Tradução minha) Quarum in varietate linguarum ea profecto eminet, quae primum in Latii finibus exorta, deinde postea mirum quantum ad christianum nomen in occidentis regiones disseminandum profecit. Siquidem non sine divino consilio illud evenit, ut qui sermo amplissimam gentium consortionem sub Romani Imperii auctoritate saecula plurima sociavisset, is et proprius Apostolicae Sedis evaderet et, posteritati servatus, christianos Europae populos alios cum aliis arto unitatis vinculo coniungeret.

Suae enim sponte naturae lingua Latina ad provehendum apud populos quoslibet omnem humanitatis cultum est peraccommodata: cum invidiam non commoveat, singulis gentibus se aequabilem praestet, nullius partibus faveat, omnibus postremo sit grata et amica. Neque hoc neglegatur oportet, in sermone Latino nobilem inesse conformationem et proprietatem; siquidem loquendi genus pressum, locuples, numerosum, maiestatis plenum et dignitatis  habet, quod unice et perspicuitati conducit et gravitati.

[3] PAPA JOÃO XXIII. Constituição Apostólica Veterum Sapientia. Sobre o uso do Latim, n. 9. Neque vero cuique in dubio esse potest, quin sive Romanorum sermoni sive honestis litteris ea vis insit, quae ad tenera adulescentium ingenia erudienda et conformanda perquam apposita ducatur, quippe qua tum praecipuae mentis animique facultates exerceantur, maturescant, perficiantur ; tum mentis sollertia acuatur iudicandisque potestas; tum puerilis intellegentia aptius constituatur ad omnia recte complectenda et aestimanda; tum postremo summa ratione sive cogitare sive loqui discatur.

[4] BRUNO, H. Latim e formação linguística. In: Alfa, Revista de Linguística, São Paulo, n. 34, 1990, p. 70.

[5] BRUNO, H. Latim e formação linguística. op., cit, p. 69.

[6] ESTUDANTES BRASILEIROS CONSTROEM UM SITE ESCRITO EM LATIM. In: ITTA Notícias. Disponível em http://ittanoticias.arautos.org/?p=1416. Acessado em 15/08/2011.

[7] PAPA JOÃO XXIII. Constituição Apostólica Veterum Sapientia. Sobre o uso do Latim, n. 5.

[8] PAPA JOÃO XXIII. Constituição Apostólica Veterum Sapientia. Sobre o uso do Latim, n. 2.

[9] PAPA JOÃO XXIII. Constituição Apostólica Veterum Sapientia. Sobre o uso do Latim, n. 5.

[10] PAPA JOÃO XXIII. Constituição Apostólica Veterum Sapientia. Sobre o uso do Latim, n. 6.

[11] BORTOLANZA, J. O latim e o ensino de português. In: Revista Philologus, Rio de Janeiro: set./dez. 2000, n. 18, p. 77-85.

[12] PAPA PIO XII. Mediator Dei. Sobre a sagrada liturgia, n. 173-174; 177. AAS [citar a Acta Apostolicae Sedis] ; PAPA BENTO XVI. Carta Apostólica em forma de Motu Próprio Summorum Pontificum, n. 1 e 3. Tradução portuguesa pela CNBB. São Paulo: Paulinas, 2011.

[13] SANTO, A. E. A estética barroca do latim da Clavis Prophetarum do P. António Vieira. In: Ágora, Estudos Clássicos em Debate, n. 1, 1999, p. 105-131.

[14] MARTINS, M. C. S. Configuracionalidade em latim clássico e latim vulgar. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem, 2002.

[15] DANIEL, O. [et al]. Propostas para padronização da terminologia empregada em sistemas agroflorestais no Brasil. In: Revista Árvore, Viçosa, v. 23, n. 3, p. 367-370, 1999.

[16] FAITANIN, P. A Filosofia Tomista. In: Aquinate, Niterói, n. 3, 2006, p. 133-146; FAITANIN, P. O que é tomismo? In: Instituto Aquinate, 2010. Disponível em http://www.aquinate.net/portal/Tomismo/Tomismo-significado/tomismo-significado3edicao.htm. Acessado em 16/03/2010.

[17] ELÍAS DE TEJADA, F. Porque somos tomistas: da Teologia à Política. Comunicação apresentada ao Convegno di Studi per la celebrazione di San Tommaso d’Aquino nel VII Centenario, realizado em Gênova em 1974. In: Hora Presente, ano VI, n. 16, São Paulo, setembro de 1974, p. 93-103.

[18] DIAS, J. C. Por que ser tomista? In: Lumen Veritatis, Revista de Inspiração Tomista, n. 1, outubro/dezembro 2007.

[19] DOCKHORN, N. O latim de Tomás de Aquino, 2011, p. 3-7. Disponível em http://www.filologia.org.br/ixcnlf/13/10.htm. Acessado em 15/08/2011.

[20] FAITANIN, P. A Sabedoria do Amor. Iniciação à Filosofia de Santo Tomás de Aquino. Niterói: Instituto Aquinate, 2008, p. 20.

[21] VAN ACKER, L. O tomismo e o pensamento contemporâneo. São Paulo: EDUSP, 1983; FABRO, C. Santo Tomás de Aquino: ontem, hoje e amanhã. Entrevista concedida à revista Palabra, n. 103, Madri, março de 1974. In: Hora Presente, ano VI, n. 16, São Paulo, setembro de 1974, p. 246-254.

[22] DOCKHORN, N. O latim de Tomás de Aquino. op., cit, p. 3.

[23] LAUAND, J. Razão, natureza e graça: Tomás de Aquino em Sentenças, 2010, p. 12. Disponível em http://www.hottopos.com/mp3/sentom.htm. Acessado em 15/08/2011.

[24] HIRCHBERGER, J. História da filosofia na Idade Média. São Paulo: Herder, 1966; ADRIANO, J. A razoabilidade da fé: São Tomás e a Escolástica. In: Lumen Veritatis, Revista de Inspiração Tomista, n. 1, outubro/dezembro 2007, passim.

[25] CANCIAN, R. Tomás de Aquino: ciências práticas e especulativas. In: Uol Educação, 2011. Disponível em http://educacao.uol.com.br/filosofia/tomas-de-aquino-ciencias-praticas-e-especulativas.jhtm. Acessado em 15/08/2011.

[26] PAPA LEÃO XIII. Aeterni Patris. Da instauração da filosofia cristã nas Escolas Católicas, segundo a mente de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, n. 36. In: Aquinate, Niterói, n. 12, 2010, p. 117-151.

[27] PAPA LEÃO XIII. Aeterni Patris. Da instauração da filosofia cristã nas Escolas Católicas, segundo a mente de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico. op., cit, n. 51.

[28] PAPA PIO X. Moto Próprio Doutor Angélico. Sobre a promoção da doutrina de S. Tomás de Aquino nas escolas católicas, n. 7. In: Aquinate, Niterói, n. 11, 2010, p. 111-120.

[29] ROVIGHI, S. V. História da filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2001, p. 649.

[30] PAPA LEÃO XIII. Aeterni Patris. Da instauração da filosofia cristã nas Escolas Católicas, segundo a mente de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico. op., cit, n. 51.

[31] PAPA LEÃO XIII. Aeterni Patris. Da instauração da filosofia cristã nas Escolas Católicas, segundo a mente de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico. op., cit, n. 16.

[32] PAPA LEÃO XIII. Aeterni Patris. Da instauração da filosofia cristã nas Escolas Católicas, segundo a mente de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico. op., cit, n. 17.

[33] PAPA LEÃO XIII. Aeterni Patris. Da instauração da filosofia cristã nas Escolas Católicas, segundo a mente de Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico. op., cit, n. 56.


 [F1]Parece não ser no final do séc. XVIII

abr 092012
 

Pe. José Arnóbio Glavan, EP

Bourges - Dscn0692-Bourges - Paulo MikioNos séculos que se seguiram ao Edito de Milão a Igreja encontrou-se numa delicada situação. Se de um lado podia mover-se em liberdade e à luz do dia, de outro teve que enfrentar a rápida e intensa propagação das heresias, que gozavam, também elas, da mesma situação de liberdade. Assim antigas doutrinas heterodoxas (falsas) sobre as quais a Igreja tinha triunfado em tempos de perseguição, renasciam em aspectos novos enquanto outras heresias novas surgiam. Entre os  séculos III e VII viu-se ela sacudida por grandes embates doutrinários nos quais, entretanto, a ortodoxia ia se afirmando com cada vez maior clareza e precisão.

Durante as antigas perseguições a Igreja de Deus enfrentou gloriosamente inimigos internos e externos. Mas vencidos estes últimos, concentrou-se ela nos primeiros: as heresias. Uma outra ordem de realidades, ainda, se somava a estas: se com Constantino a Igreja alcançara a liberdade, com Teodósio I o Grande tornou-se religião oficial do Império Romano. Com efeito, este imperador proibiu o culto pagão em todo o Império,  sem entretanto recorrer à força para reprimir seus adeptos, mas negando-lhes, simplesmente, cargos e regalias oficiais, transferindo-as para os cristãos. Os imperadores que se seguiram foram, aos poucos, fazendo recuar o culto pagão, o que aliás provocava contínuos protestos de seus seguidores, ainda numerosos na vida pública romana, sobretudo no Senado. Graciano (375-383) no Ocidente, por exemplo,  foi o primeiro a recusar o título de Pontifex Maximus (supremo pontífice), que os imperadores pagãos ostentavam, e que Constantino e seus sucessores, por política, conservaram.

Se tal situação fazia dos imperadores romanos, fiéis súditos da Santa Igreja, fazia-os também seus naturais protetores. E por isso, em muitas situações entenderam eles poder exercer sobre a Esposa de Cristo uma descabida tutela. Vê-se então imperadores —  sobretudo os do Oriente — intervirem, com pretensões de autoridade, em debates teológicos e mesmo disciplinares da Igreja. Mas também usarem do poder secular para reprimir os hereges e, não raras vezes, os ortodoxos. Constantino I (306-337), e Teodósio I (379-395) favoreceram a ortodoxia mas já seus sucessores Constâncio (337-361) e Valente(364-378), protegeram o Arianismo, destituindo e exilando Santo Atanásio, o grande herói da luta anti-ariana. Teodósio II, por sua vez, protegeu os hereges monofisitas.

Os sete primeiros concílios foram convocados pelos imperadores. Constantino convocou, em 325, o primeiro concílio ecumênico, o de Nicéia, e Teodósio II em 431 convocou o  Concílio de Éfeso, a fim de se pronunciar sobre a heresia nestoriana. O Imperador hesitou muito entre São Cirilo, representante do Papa e grande defensor da ortodoxia, e os bispos partidários de Nestório, mas acabou por apoiar aquele e exilar este.

O mesmo imperador, entretanto, dezoito anos mais tarde, premido pelo Patriarca Dióscoro de Alexandria, partidário do heresiarca Eutiques, convoca um novo Concílio Ecumênico para Éfeso. Concede, a presidência a Dióscoro, que recusa cedê-la aos representantes do Papa quando estes chegam, e ainda ousa impedir a leitura da carta de São Leão Magno que expunha a boa doutrina em face do Monofisismo de Eutiques. Este, portanto, não foi um Concílio mas sim um conciliábulo, e ficou conhecido na história com o nome de Latrocínio de Éfeso, porque reuniu os bispos sem o consentimento e a aprovação do Papa.

nov 012011
 

Acqua alle funi!

Nesse momento de suprema aflição, um dos assistentes, desafiando temerariamente a pena capital, pôs-se a gritar com possante voz: “Água nas cordas!”. Era o único meio de impedir o desastre iminente.
Marcos Enoc Silva Antonio

Para ler em latim, clique aqui (latine)

Ao fiel peregrino ou ao curioso turista, impossível é passar despercebida a presença, bem no centro da Praça de São Pedro, do esguio obelisco encimado por uma cruz de bronze na qual se guarda, como a abençoar o mundo, um fragmento do Santo Lenho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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Modelado há cerca de 4 milênios em um só bloco de pedra vermelha de Assuão, foi ele transportado de Alexandria para Roma no ano 37 por ordem do imperador Calígula. Estava destinado a ornar a spina ou eixo central do Circo do Vaticano, cuja construção, começada por esse imperador, seria finalizada por Nero.

Foi nesse estádio hoje desaparecido, situado na lateral esquerda da atual Basílica Vaticana, que numerosos cristãos, entre os quais São Pedro, receberam a palma do martírio, tendo o ancestral monólito por muda testemunha dos seus suplícios.

Passaram-se os anos e o circo foi abandonado e transformado em cemitério. O obelisco, porém, manteve-se inamovível, indicando o lugar onde o primeiro Papa oferecera sua vida por Cristo. E assim permaneceu por quinze séculos, até que, em 1586, Sisto V decidiu transladá-lo para sua atual posição, frente à fachada principal da Basílica de São Pedro. Tarefa nada fácil, pois embora ambos locais distem apenas algumas centenas de metros, as proporções do monólito são monumentais: mede quase 25 metros de comprimento, descontados a base e a cruz, e ultrapassa as 350 toneladas de peso.

O planejamento e execução da colossal empresa ficaram a cargo do arquiteto Domenico Fontana, quem após gastar alguns meses fazendo cálculos e testes, fabricando instrumentos e maquinários, deu início às operações com ajuda de 900 homens, 140 cavalos, uma infinidade de roldanas e centenas de metros de corda.

No dia determinado para reerguer na Praça de São Pedro o grande bloco de pedra, 10 de setembro de 1586, os habitantes de Roma acorreram em massa para presenciar essa façanha de engenharia. Visando evitar vozerios e agitações prejudiciais às delicadas manobras, as autoridades impuseram a todos, espectadores e obreiros, a proibição de pronunciar qualquer palavra… sob pena de morte!

Domenico Fontana, o único autorizado a falar, deu ordem para pôr em ação a complexa aparelhagem de andaimes, cordas e roldanas. Ouviam-se apenas os gemidos de esforço dos trabalhadores, o relinchar dos cavalos, o tamborilar de suas patas sobre o solo e o ranger das cordas esticadas.

Vagarosa e solenemente, ia-se erguendo o obelisco… Mas, a certa altura, uma preocupante fumaça começou a desprender-se das cordas de cânhamo, aquecidas pelo esforço a que estavam sendo submetidas. Algumas já estavam prestes a se romper, tornando iminente o desastre. Embora todos sentissem o perigo, ninguém pronunciava palavra, temendo a sentença de morte.

Nesse momento de suprema aflição, um dos assistentes, o Capitão Benedetto Bresca, desafiando temerariamente a pena capital, pôs-se a gritar com possante voz: “Acqua alle funi! – Água nas cordas!”. Marinheiro experimentado, sabia que o cânhamo se enrijece e contrai ao ser molhado, e esse era o único meio de impedir a queda do monólito.

Enquanto a guarda prendia o Capitão Bresca, Domenico Fontana bradava ordens para jogar imediatamente água nas cordas, que logo recuperaram sua resistência. E o obelisco, para alegria dos romanos, endireitou-se sobre sua base coroando com êxito, os meses de planejamento e esforços do arquiteto.

No meio da exultação geral, o Capitão Bresca compareceu diante do Papa, não para receber a sentença de morte, mas sim profundas manifestações de agradecimento. Com efeito, Sisto V, já informado do ocorrido, fez questão de recompensá-lo por sua ousadia e pela oportunidade de sua advertência.

Em prêmio à nobre e intrépida atitude deu-lhe o direito de hastear em seu navio a bandeira pontifícia. Além disso, concedeu à sua família e à sua cidade natal, Bordighera, o privilégio de fornecer, de modo exclusivo, as palmas para a celebração do Domingo de Ramos na Basílica do Vaticano, tradição que, 425 anos depois, ainda se conserva.

(Marcos Enoc Silva Antonio. Revista Arautos do Evangelho. N. 99, Out. 2011, p.50)

Obelisco da Praça de São Pedro, Vaticano

Obelisco da Praça de São Pedro, Vaticano

set 222011
 

Compartilhamos a sequência de orações do Rosário de Nossa Senhora com os mistérios em latim e português. A fim de que o leitor de Praecones Latine esteja mais ciente dos benefícios da recitação do terço segue abaixo um artigo da Revista Arautos do Evangelho.

Rosário em latim e português

São Domingos recebe o Rosário de Nossa Senhora, Catedral de Belém do Pará, Brasil

São Domingos recebe o Rosário de Nossa Senhora, Catedral de Belém do Pará, Brasil

Em Português (lusitane) Em Latim (latine)
Início Initium
Sinal da Cruz

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amén

Signum Crucis

In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen.

Símbolo dos Apóstolos

Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra; e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;  padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igreja católica, na comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém.

Symbolum Apostolorum

Credo in Deum Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et terrae. Et in Iesum Christum, Filium eius unicum, Dominum nostrum, qui conceptus est de Spiritu Sancto, natus ex Maria  Virgine, passus sub Pontio Pilato, crucifixus, mortuus, et sepultus, descendit ad inferos, tertia die resurrexit a mortuis, ascendit ad caelos, sedet ad dexteram Dei Patris omnipotentis, inde venturus est iudicare vivos et mortuos. Credo in Spiritum Sanctum, sanctam Ecclesiam catholicam, sanctorum communionem, remissionem peccatorum, carnis resurrectionem, vitam aeternam. Amen.

Nas contas maiores:

Oração dominical

Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, vem a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, não nos deixei cair em tentação as livrai-nos do mal. Amém.

Ad grana maiora:

Oratio Dominica

Pater noster, qui es in caelis, sanctificetur nomen tuum. Adveniat regnum tuum. Fiat voluntas tua, sicut in caelo et in terra. Panem nostrum quotidianum da nobis hodie, et dimitte nobis debita nostra sicut et nos dimittimus debitoribus nostris. Et ne nos inducas in tentationem, sed libera nos a malo. Amen.

Nas contas menores:

Ave Maria

Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém.

Ad grana minora:

Ave Maria

Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum. Benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Iesus. Sancta Maria, Mater Dei, ora pro nobis peccatoribus, nunc, et in hora mortis nostrae. Amen.

Ao final de cada dezena:

Glória ao Pai

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e sempre, Amém.

Ad finem decadum:

Doxologia Minor

GLORIA Patri, et Filio, et Spiritui Sancto. Sicut erat in principio, et nunc, et semper, et in saecula saeculorum. Amen.

Ó meu Jesus

Ó, Meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente as que mais precisarem. Amém

Oratio Fatima

O Iesu mi, dimitte nobis debita nostra, libera nos ab igne in- ferni, conduc in caelum omnes animas, praesertim illas quae maxime indigent misericordia tua.

Meditações do Rosário

Nas segundas e sábados

I. Mistérios gozosos

1o. Mistério – A anunciação do Anjo a Maria

2o. Mistério – A visita de Maria a sua prima Isabel

3o. Mistério – O Nascimento de Jesus

4o. Mistério – A apresentação de Jesus no Templo

5o. Mistério – A perda e o reencontro do menino Jesus em Jerusalém

Meditationes Rosarii

In feria secunda et sabbato

I. Mysteria Gaudiosa

1. Quem, Virgo, concepisti. [Mt

1:18, Lc 1:26-38]

2. Quem visitando Elisabeth

portasti. [Lc 1:39-45]

3. Quem, Virgo, genuisti. [Lc

2:6-12]

4. Quem in templo praesentasti.

[Lc 2:25-32]

5. Quem in templo invenisti. [Lc

2:41-50]

Quintas-feiras

II. Mistérios Luminosos

1o. Mistério – O Batismo no rio Jordão

2o. Mistério – A auto-revelação nas Bodas de Caná

3o. Mistério – O anúncio do Reino com o convite à conversão

4o. Mistério – A transfiguração no Monte Tabor

5o. Mistério – A instituição da Eucaristia

In feria quinta

II. Mysteria Luminosa

1. Qui apud Iordanem baptiza-

tus est. [Mt 3:13, Mc 1:9, Jn 1:29]

2. Qui ipsum revelavit apud Ca-

nense matrimonium. [In 2:1-11]

3. Qui Regnum Dei annuntiavit.

[Mc 1:15, Lc 10:8-11]

4. Qui transfiguratus est. [Mt

17:1-8, Mc 9:2-9]

5. Qui Eucharistiam instituit.[In

6:27-59, Mt 26:26-29, Mc 14:22-

24, Lc 22:15-20]

Terças e Sextas-feiras

III. Mistérios Dolorosos

1o. Mistério – A agonia de Jesus no Horto das Oliveiras

2o. Mistério – A flagelação de Jesus atado à coluna

3o. Mistério – A coroação de espinhos

4o. Mistério – Jesus carrega a Cruz para o Calvário

5o. Mistério – Crucificação, sofrimento e morte de Jesus

In feria tertia et feria sexta

III. Mysteria dolorosa

1. Qui pro nobis sanguinem su-

davit. [Lc 22:39-46]

2. Qui pro nobis flagellatus est.

[Mt 27:26, Mc 15:6-15, In 19:1]

3. Qui pro nobis spinis corona-

tus est. [In 19:1-8]

4. Qui pro nobis crucem baiula-

vit. [In 19:16-22]

5. Qui pro nobis crucifixus est.

[In 19:25-30]

Quartas e Domingos

IV. Mistérios Gloriosos

1o. Mistério – A Ressurreição de Jesus

2o. Mistério – A Ascensão de Jesus ao Céu

3o. Mistério – A descida do Espírito Santo sobre os apóstolos

4o. Mistério – A assunção de Maria ao Céu

5o. Mistério – A coroação de Maria como Rainha do Céu

In feria quarta et Dominica

IV. Mysteria gloriosa

1. Qui resurrexit a mortuis. [Mc

16:1-7]

2. Qui in caelum ascendit. [Lc

24:46-53]

3. Qui Spiritum Sanctum misit.

[Acta 2:1-7]

4. Qui te assumpsit. [Ps 16:10]

5. Qui te in caelis coronavit.

[Apoc 12:1]

Orações para dizer no fim do rosário:

Salve, Rainha, Mãe misericordiosa, vida, doçura e esperança nossa, salve! A vós bradamos os degredados filhos de Eva.  A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei, e depois deste desterro mostrai-nos Jesus, bendito fruto de vosso ventre,  ó clemente, ó piedosa,  ó doce sempre Virgem Maria. Amém.

V. Rogais por nós Santa Mãe de Deus.

R. Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Amém.

Orationes ad Finem Rosarii Dicendae:

Salve, Regina, matermisericordiae, vita, dulcedo, et spes nostra, salve. Ad te clamamus exsules filii Hevae. Ad te suspiramus, gementes et flentes in hac lacrimarum valle. Eia, ergo, advocata nostra, illos tuos  misericordes oculos ad nos converte. Et Iesum,  benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsilium ostende. O clemens, O pia, O dulcis Virgo Maria. Amen.

V. Ora pro nobis, Sancta Dei Genetrix.

R. Ut digni efficiamur promissionibus Christi.

Ao fim do rosário reza-se a Ladainha de Nossa Senhora:

Ladainha de Nossa Senhora

Senhor, tende piedade de nós.

Jesus Cristo, tende piedade de nós.

Senhor, tende piedade de nós.

Jesus Cristo, ouvi-nos.

Jesus Cristo, atendei-nos.

Pai Celeste que sois Deus, tende piedade de nós.

Filho Redentor do mundo que sois Deus, tende piedade de nós.

Espírito Santo que sois Deus, tende piedade de nós.

Santíssima Trindade que sois um só Deus, tende piedade de nós

Santa Maria, rogai por nós.

Santa Mãe de Deus,

Santa Virgem das virgens,

Mãe de Jesus Cristo,

Mãe da Igreja,

Mãe da divina graça,

Mãe puríssima,

Mãe castíssima,

Mãe Imaculada,

Mãe intemerata,

Mãe amável,

Mãe admirável,

Mãe do bom conselho,

Mãe do Criador,

Mãe do Salvador,

Virgem prudentíssima,

Virgem venerável,

Virgem louvável,

Virgem poderosa,

Virgem clemente,

Virgem fiel,

Espelho de justiça,

Sede da sabedoria,

Causa da nossa alegria,

Vaso espiritual,

Vaso digno de honra,

Vaso insigne de devoção,

Rosa mística,

Torre de David,

Torre de marfim,

Casa de ouro,

Arca da aliança,

Porta do Céu,

Estrela da manhã,

Saúde dos enfermos,

Refúgio dos pecadores,

Consoladora dos aflitos,

Auxílio dos cristãos,

Rainha dos Anjos,

Rainha dos Patriarcas,

Rainha dos Profetas,

Rainha dos Apóstolos,

Rainha dos Mártires,

Rainha dos Confessores,

Rainha das Virgens,

Rainha de todos os santos,

Rainha concebida sem pecado original,

Rainha assunta ao Céu,

Rainha do sacratíssimo Rosário,

Rainha da família,

Rainha da Paz,

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, perdoai-nos Senhor.

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, ouvi-nos Senhor.

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende piedade de nós.

V/ Rogai por nós, santa Mãe de Deus.

R/ Para que sejamos dignos das promessas de Cristo.

Oremos. Senhor Deus, nós Vos suplicamos que concedais aos Vossos servos perpétua saúde de alma e de corpo; e que, pela gloriosa intercessão da bem-aventurada sempre Virgem Maria, sejamos livres da tristeza do século e gozemos da eterna alegria. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

In finem Rosarii dicitur Litaniae Laurtanae:

Litaniae Lauretanae

Kyrie, eleison.

Christe, eleison.

Kyrie, eleison.

Christe, audi nos.

Christe, exaudi nos.

Pater de caelis, Deus, miserere nobis.

Fili, Redemptor mundi, Deus,  miserere nobis.

Spiritus Sancte Deus, miserere nobis.

Sancta Trinitas, unus Deus, miserere nobis.

Sancta Maria,

Sancta Dei Genetrix,

Sancta Virgo virginum,

Mater Christi,

Mater Ecclesiae,

Mater Divinae gratiae,

Mater purissima,

Mater castissima,

Mater inviolata,

Mater intemerata,

Mater amabilis,

Mater admirabilis,

Mater boni Consilii,

Mater Creatoris,

Mater Salvatoris,

Virgo prudentissima,

Virgo veneranda,

Virgo praedicanda,

Virgo potens,

Virgo clemens,

Virgo fidelis,

Speculum iustitiae,

Sedes sapientiae,

Causa nostrae laetitiae,

Vas spirituale,

Vas honorabile,

Vas insigne devotionis,

Rosa mystica,

Turris Davidica,

Turris eburnea,

Domus aurea,

Foederis arca,

Ianua caeli,

Stella matutina,

Salus infirmorum,

Refugium peccatorum,

Consolatrix afflictorum,

Auxilium Christianorum,

Regina Angelorum,

Regina Patriarcharum,

Regina Prophetarum,

Regina Apostolorum,

Regina Martyrum,

Regina Confessorum,

Regina Virginum,

Regina Sanctorum omnium,

Regina sine labe originali concepta,

Regina in caelum assumpta,

Regina Sanctissimi Rosarii,

Regina familiae,

Regina pacis,

Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, parce nobis, Domine.

Agnus Dei, qui tollis peccata mundi,  exaudi nobis, Domine.

Agnus Dei, qui tollis peccata mundi,  miserere nobis.

V. Ora pro nobis, Sancta Dei Genetrix,

R. Ut digni efficiamur  promissionibus Christi.

Oremus. Concede nos famulos tuos, quaesumus, Domine Deus, perpetua mentis et corporis sanitate gaudere: et gloriosa beatae Mariae semper Virginis intercessione, a praesenti liberari tristitia, et aeterna perfrui laetitia. Per Christum Dominum nostrum. Amen.

Origem e benefícios do Rosário

O Rosário, meio fácil e seguro de salvação

“Ó Rosário bendito de Maria, doce cadeia que nos prende a Deus (…) Não te deixaremos nunca mais!” Esta exclamação do Papa João Paulo II constitui o fecho de ouro de uma esplendorosa cerimônia em homenagem ao santo Rosário, realizada pelos Arautos do Evangelho na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo, no dia 15 de agosto último. O texto abaixo foi proclamado ao longo da cerimônia, entremeado por peças musicais executadas pelo Coro e Orquestra Internacional dos Arautos.

Por especial desígnio da infinita misericórdia de Deus, Maria Santíssima revelou ao grande São Domingos de Gusmão, fundador da Ordem dos Dominicanos, um meio fácil e seguro de salvação: o santo Rosário.

Sempre que os homens o utilizam, tudo floresce na Igreja, na terra passa a reinar a paz, as famílias vivem em concórdia e os corações são abrasados de amor a Deus e ao próximo.

Quando dele se esquecem, as desgraças se multiplicam, implanta-se a discórdia nos lares, o caos se estabelece no mundo…

A Ave-Maria, base do Novo Testamento

São Domingos viveu numa época de grandes tribulações para a Igreja. A terrível heresia dos albigenses se espalhara no sul da França e ameaçava toda a Europa. A profunda corrupção moral dela decorrente abalava os fundamentos da própria sociedade temporal.

Por meio de ardorosas pregações, durante anos tentou ele reconduzir ao seio da Igreja aqueles infelizes que se tinham desviado da verdade. Mas suas eloqüentes e inflamadas palavras não conseguiam penetrar aqueles corações empedernidos e entregues aos vícios.

O Santo intensificou suas orações… Aumentou suas penitências… Fundou um instituto religioso para acolher os convertidos… De pouco ou nada adiantaram seus esforços. As conversões eram poucas e de efêmera duração.

O que fazer?

Certo dia, decidido a arrancar de Deus graças superabundantes para mover à conversão aquelas almas, Frei Domingos entrou numa floresta perto de Toulouse e entregou-se à oração e à penitência, disposto a não sair dali sem obter do Céu uma resposta favorável.

Após três dias e três noites de incessantes súplicas, quando as forças físicas já quase o abandonavam, apareceu-lhe a Virgem Maria, dizendo com inefável suavidade:

— Meu querido Domingos, sabes de que meio se serviu a Santíssima Trindade para reformar o mundo?

— Senhora, sabeis melhor do que eu, porque, depois de vosso Filho Jesus Cristo, fostes Vós o principal instrumento de nossa salvação.

— Eu te digo, então, que o instrumento mais importante foi a Saudação Angélica, a Ave-Maria, que é o fundamento do Novo Testamento. E, portanto, se queres ganhar para Deus esses corações endurecidos, reza meu Rosário.

Raios e trovões para reforçar a pregação

Com novo ânimo, o zeloso Dominicano dirigiu-se imediatamente à Catedral de Toulouse, para fazer uma pregação. Mal ele transpôs a porta do templo, os sinos começaram a repicar, por obra dos anjos, para reunir os habitantes da cidade.

Assim que ele começou a falar, nuvens espessas cobriram o céu e desabou uma terrível tempestade, com raios e trovões, agravada por um apavorante tremor de terra.

O pavor dos assistentes aumentou quando uma imagem de Nossa Senhora, situada em local bem visível, levantou os braços três vezes para pedir a Deus vingança contra eles, se não se convertessem e pedissem a proteção de sua Santíssima Mãe.

O santo Pregador implorou a misericórdia de Deus, e a tempestade cessou, permitindo-lhe falar com toda calma sobre as maravilhas do Rosário.

Os habitantes de Toulouse arrependeram-se de seus pecados, abandonaram o erro, e começaram a rezar o Rosário. Em conseqüência, grande foi a mudança dos costumes nessa cidade.

A partir de então, São Domingos, em seus sermões, passou a pregar a devoção ao Rosário, convidando seus ouvintes a rezá-lo com fervor todos os dias. Assim, obteve que a misericórdia de Nossa Senhora envolvesse as almas e as transformasse profundamente.

Maria foi a verdadeira vencedora dos erros dos albigenses.

Um sermão escrito pela Santíssima Virgem

Relata o Beato Alano uma aparição de São Domingos, na qual este lhe narrou o seguinte episódio:

Rezando o Rosário, estava ele preparando-se para fazer na Catedral de Notre Dame de Paris um sermão sobre São João Evangelista. Apareceu-lhe então Nossa Senhora e lhe entregou um pergaminho, dizendo: “Domingos, por melhor que seja o sermão que decidiste pregar, trago aqui outro melhor”.

Muito contente, leu o pergaminho, agradeceu de todo coração a Maria e se dirigiu ao púlpito para começar a pregação. Diante dele estavam os professores e alunos da Universidade de Paris, além de grande número de pessoas de importância.

Sobre o Apóstolo São João, apenas afirmou o quanto este merecera ter sido escolhido para guardião da Rainha do Céu. Em seguida, acrescentou: “Senhores e mestres ilustres, estais acostumados a ouvir sermões elegantes e sábios, porém, eu não quero dirigir-vos as doutas palavras da sabedoria humana, mas mostrar-vos o Espírito de Deus e sua virtude”.

E então São Domingos passou a explicar a Ave-Maria, como lhe tinha ensinado Nossa Senhora, comovendo assim, profundamente, aquele auditório de homens cultos.

O Beato Alano de la Roche

As próprias graças e milagres concedidos por Deus através da recitação do Rosário encarregaram-se de propagá-lo por toda parte, tornando-se esta a devoção mais querida dos fiéis cristãos.

Enquanto ela foi praticada, a piedade florescia nas Ordens religiosas e no mundo católico.

Mas, cem anos depois de ter sido divulgada por São Domingos, já ela havia caído quase no esquecimento. Como conseqüência, multiplicaram-se os males sobre a Cristandade: a peste negra devastou a Europa, dizimando um terço da população, surgiram novas heresias, a Guerra dos Cem Anos espalhou desordens por toda parte, e o Grande Cisma do Ocidente dividiu a Igreja durante longo período.

Para atalhar o mal e, sobretudo, preparar a Igreja para enfrentar os embates futuros, suscitou Deus o Beato Alano de la Roche, da Ordem Dominicana, com a missão de restaurar o antigo fervor pelo Rosário.

Um dia em que ele celebrava Missa, em 1460, perguntou-lhe Nosso Senhor: “Por que me crucificas tu de novo? E me crucificas, não só por teus pecados, mas ainda porque sabes quanto é necessário pregar o Rosário e assim desviar muitas almas do pecado. Se não o fazes, és culpado dos pecados que elas cometem”.

A partir de então, o Beato Alano tornou-se um incansável divulgador desta devoção, e assim converteu grande número de almas.

Fator decisivo de grandes vitórias

Foi, sobretudo, nos momentos de grandes perigos e provações para a Igreja, que o Rosário teve um papel decisivo, propiciou a perseverança dos católicos na Fé e levantou uma barreira contra o mal.

Ao ver a Europa ameaçada pelos exércitos do império otomano, que avançavam por mar e por terra, devastando tudo e perseguindo os cristãos, o Papa São Pio V mandou rezar o Rosário em toda a Cristandade, implorando a proteção de Nossa Senhora. Ao mesmo tempo, com o auxílio da Espanha e de Veneza, reuniu uma esquadra no Mar Mediterrâneo para defender os países católicos.

A sete de outubro de 1571, a frota católica encontrou a poderosa esquadra otomana no golfo de Lepanto. E apesar da superioridade numérica do adversário, os cristãos saíram triunfantes, afastando definitivamente o risco de uma invasão.

Antes de travar-se o combate, todos os soldados e marinheiros católicos rezaram o Rosário com grande devoção. A vitória, que parecia quase impossível, deveu-se à proteção da Virgem Santíssima, a qual — segundo testemunho dado pelos próprios muçulmanos — apareceu durante a batalha, infundindo-lhes grande terror.

No século XVIII, para comemorar a vitória do Príncipe Eugênio de Saboya sobre o exército otomano, devida também à eficácia do Rosário, o Papa Clemente XI ordenou que a festa de Nossa Senhora do Rosário fosse celebrada universalmente.

São Luís Grignion de Montfort

A Igreja seria ainda sacudida por muitas tempestades.

Visando fortalecer seus filhos e prepará-los para suportar as grandes provações futuras, suscitou Deus uma alma de fogo com a missão de reacender a chama da devoção ao Rosário, o qual mais uma vez tinha caído no esquecimento.

São Luís Maria Grignion de Montfort, o grande doutor da devoção à Mãe de Deus, exerceu sua missão profética um século antes da Revolução Francesa. As regiões nas quais se deram ouvidos à sua pregação foram as que melhor resistiram aos erros de sua época e conservaram íntegra a Fé.

Fátima, 1917:
“Sou a Senhora do Rosário”

Já no século XX, quando a Primeira Guerra Mundial estava em seu auge, Nossa Senhora veio, Ela mesma, em pessoa, lembrar aos homens que a solução para seus males estava ao alcance das mãos, nas contas do Rosário: “Rezai o Terço todos os dias para alcançar a paz e o fim da guerra”, repetiu Ela maternalmente aos três pastorzinhos, em Fátima.

Na última aparição, em outubro de 1917, a Virgem Maria disse quem era: “Sou a Senhora do Rosário”. E para atestar a autenticidade das aparições e a importância do Rosário, operou um milagre de grandeza nunca vista, presenciado pela multidão de 70.000 pessoas que estavam no local: o sol girou no céu, ao meio-dia, parecendo precipitar-se sobre a terra, retomando depois sua posição habitual no firmamento.

Milagres dessa magnitude, só no Antigo Testamento encontramos. Mas nem assim o mundo deu ouvidos à Mãe de Deus. E nunca se abateram sobre a Terra tantas desgraças, nunca houve tantas guerras, nunca a desagregação moral chegou tão baixo.

Entretanto, o meio de obter a paz para o mundo, para as famílias, para os corações, continua ao alcance de nossas mãos, nas contas benditas do Rosário, que Maria Santíssima trazia suspenso de seu braço quando apareceu em Fátima.

Salvou-se porque levava o Terço à cintura

Não é possível expressar quanto a Santíssima Virgem estima o Rosário sobre todas as demais devoções, e como é generosa em recompensar os que trabalham para divulgá-lo.

Conta São Luís de Montfort o caso de Afonso IX, Rei de León, a quem Nossa Senhora protegeu particularmente, pelo simples fato de portar o Rosário à cintura.

Desejando que os seus súditos honrassem a Santíssima Virgem, e para animá-los com seu exemplo, ocorreu a esse monarca portar ostensivamente um grande Rosário, ainda que não o rezasse.

Isto bastou para incentivar os seus cortesãos a rezá-lo devotamente.

Algum tempo depois, o rei ficou às portas da morte, acometido por uma grave enfermidade. Foi então transportado em espírito ao tribunal de Deus, onde os demônios o acusaram de todos os seus crimes. E quando ia ser condenado às penas eternas, apresentou-se em sua defesa a Santíssima Virgem diante de Jesus.

Num prato da balança, foram colocados os pecados do Rei. No outro, a Virgem Maria colocou o grande Rosário que ele portara em honra d’Ela, juntamente com os Rosários que, devido ao seu exemplo, haviam rezado outras pessoas, e estes pesavam mais que todos os pecados por ele cometidos.

Depois, Maria Santíssima, olhando com misericórdia para o Rei, disse: “Consegui de meu Filho, como recompensa pelo pequeno serviço que Me fizeste, levando à cintura o Rosário, o prolongamento de tua vida por mais uns anos. Emprega-os bem, e faz penitência”.

Voltando a si, o rei exclamou: “Oh! Bendito Rosário da Santíssima Virgem, por ele é que fui livre da condenação eterna!” E, recuperando a saúde, passou a rezar o Rosário todos os dias até o fim da vida.

A palavra do Papa, porta-voz de Jesus

“O Rosário transporta-nos misticamente para junto de Maria (…) para que Ela nos eduque e nos plasme até que Cristo esteja formado em nós plenamente” — ensina o Papa João Paulo II. E acrescenta: “Nunca, como no Rosário, o caminho de Cristo e o de Maria aparecem unidos tão profundamente. Maria só vive em Cristo e em função de Cristo”.

Recordemos suas inspiradas palavras na Carta Apostólica “Rosarium Virginis Mariæ”:

“O Rosário acompanhou-me nos momentos de alegria e nas provações. A ele confiei tantas preocupações; nele encontrei sempre conforto. O Rosário é minha oração predileta. Oração maravilhosa!

“Ó Rosário bendito de Maria, doce cadeia que nos prende a Deus, vínculo de amor que nos une aos Anjos, torre de salvação contra os assaltos do inferno, porto seguro no naufrágio geral!

“Não te deixaremos nunca mais!

“Serás o nosso conforto na hora da agonia. Seja para ti o último ósculo da vida que se apaga. E a última palavra dos nossos lábios há de ser o vosso nome suave, ó Rainha do Rosário, ó nossa Mãe querida, ó Refúgio dos pecadores, ó soberana consoladora dos tristes. Sede bendita em toda parte, hoje e sempre, na terra e no Céu. Amém.”

Nunca deixe de rezá-lo!

Sim, acatando fielmente essa exortação do Papa, nunca deixe de rezar o Rosário, sob pretexto de ter muitas distrações involuntárias, falta de gosto em rezá-lo, muito cansaço, insuficiência de tempo, ou qualquer outro. Para rezar bem o Rosário, não é necessário sentir gosto, ter consolações, nem conseguir uma aplicação contínua da imaginação. Bastam a fé pura e a boa intenção.

E veja quantos benefícios nos proporciona a recitação do Rosário!

• Eleva-nos ao conhecimento perfeito de Jesus Cristo.

• Purifica nossas almas do pecado.

• Faz-nos vitoriosos contra todos os nossos inimigos.

• Torna-nos fácil a prática das virtudes.

• Abrasa-nos no amor de Jesus Cristo.

• Enriquece-nos de graças e méritos.

• Fornece-nos os meios de pagar todas as nossas dívidas com Deus e com os homens.

A tudo isso, acrescenta São Luís Maria Grignion de Montfort:

— “Ainda que te encontres à beira do abismo ou já com um pé no inferno, ainda que estejas endurecido e obstinado como um demônio, cedo ou tarde te converterás e salvarás, contanto que rezes devotamente todos os dias o santo Rosário, para conhecer a verdade e obter a contrição e o perdão de teus pecados”.

(Revista Arautos do Evangelho, n. 34, outubro de 2004)