ago 142012
 

Continuamos nosso ensaio de História da Igreja escrita pelo Pe. José Glavan, EP.

Jesus perdoa a incredulidade de São Tomé e a negação de São Pedro, exemplos do perdão de Cristo

Jesus ressuscitado perdoa a incredulidade de São Tomé e a negação de São Pedro, exemplos do perdão de Cristo Redentor

Outra grande perturbação sacudiu a África cristã no incício do século IV. Sob a perseguição de Diocleciano (244-311) as comunidades africanas não foram as que deram maior exemplo de heroísmo. Ocorreu com freqüência que livros sagrados e vasos litúrgicos eram entregues aos pagãos, como estes o exigiam, sob ameaça de torturas ou morte. Tal gesto era considerado sinal da apostasia e negação da fé.

Passado o perigo, muitos oportunistas procuravam se eximir das culpas lançando sobre outros, a acusação de apóstatas e traidores. Deste modo formou-se um partido de radicais e violentos que se punham a condenar a atitude compassiva de muitos bispos. As pessoas mais visadas foram o primaz de Cartago Mensúrio e seu colega Segundo, bispo da Numídia, acusados de condescendência para com os apóstatas.

A Mensúrio, morto em 311, sucedeu seu íntimo colaborador, Ceciliano, logo acusado de cumplicidade com seu antecessor, atraindo assim o ódio do partido dos  rigoristas. 

Disso aproveitou-se um homem extremamente ambicioso, inteligente e hábil manipulador político, natural da Numídia, chamado Donato. De início manejava, por trás, os revoltosos até colocar-se, ele próprio, a frente do cisma.

Cisma sim porque até então era apenas uma ruptura com a autoridade e a disciplina da Igreja na África. Mas Donato tinha outras pretensões pois bem maiores eram suas ambições. Desejava ele constituir uma Igreja africana independente, tendo a ele, naturalmente, como fundador. Percebendo a vacuidade do cisma — que se alimentava  unicamente de calúnias e intrigas —  excogitou dar-lhe bases doutrinárias, e assim firmar definitivamente o seu partido.

Como o ponto de partida do cisma tinha sido intransigência para com os lapsi, Donato revolveu criar, a esse propósito, uma nova teologia, afirmando que a Igreja é constituída unicamente pelos justos, com a exclusão dos pecadores. Sustentava ainda que os pecadores, lapsi ou os traditores (traidores), deveriam ser submetidos a novo batismo. Pelo mesmo motivo, negavam a validade dos sacramentos ministrados por sacerdotes considerados pecadores. Negavam assim, frontalmente, todas as maravilhosas lições de misericórdia deixadas Nosso Senhor Jesus Cristo.

Agora não era mais simplesmente cisma, mas também heresia, pois à ruptura com a unidade disciplinar da Igreja somava-se a ruptura doutrinária. E assim, com este cisma-heresia, em plena ascensão, chegamos ao ano 313, em que Constantino promulga o Edito de Milão dando liberdade à Igreja.

Os hereges, astutamente, enviam petição à Constantinopla solicitando a intervenção do imperador. Cristão recentemente convertido, Constantino, não se sentindo em condições de dirimir questões doutrinárias, sem desconfiar o quanto exacerbaria os donatistas, toma a única medida sensata nesta matéria: entrega a questão nas mãos do papa Melcíades.

Reuniu-se então um concílio em Roma, em 2 de outubro de 313, ao qual tomaram parte também bispos africanos partidários de Donato. As razões apresentadas pelos hereges foram logo e facilmente desmontadas e, por unanimidade, Ceciliano foi confirmado em sua sede primacial. Um novo concílio foi reunido em Arles, no ano seguinte, e nele expressamente condenada a prática do “rebatismo”. Roma assim havia se pronunciado, mas os hereges não se submeteram. Donato e seus partidários continuaram a agitar a África cristã.

Mas a polêmica donatista não se encerra nesse episódio.

(Continua num próximo post)

jun 222012
 
Imagem representando os cristãos dos primeiros tempos pertencente à Pinacoteca Vaticana

Imagem representando cristãos dos primeiros tempos da Igreja, Pinacoteca Vaticana

No estudo da História da Igreja é comum ouvir-se falar em em antipapas. A eleição de papas suscitou por vezes oposições movidas por divergências políticas ou ambições pessoais. Alguns descontentes acabavam por eleger um concorrente ao Papa. Houve época em que havia simultaneamente três “papas”, dos quais apenas um era legítimo.

Alguns historiadores costumam dizer sem precisão que o primeiro dos antipapas foi Santo Hipólito de Roma. Para entermos esse particular é necessário recordar que os primeiros cristãos tinham viva consciência de que deveriam dar o testemunho de uma vida pura. Esta consciência se manifestou por vezes de maneira extremamente rigorosa, como já dissemos acima, em alguns momentos da História. Para se ter ideia dessa exigência de pureza, estima-se que até o século VI só era concedida uma vez na vida o sacramento da Reconciliação. Os bispos julgavam que quem precisasse de mais de uma penitencia sacramental, não estava disposto a recebê-la. Tal pecador era confiado à misericórdia de Deus. Em vista disso, muitos catecúmenos adiavam o batismo, por vezes até à hora da morte, para que pudessem receber a absolvição dos pecados ao menos antes de morrer.

 Tertuliano (160-220) parece ter sido o primeiro a falar dos pecados irremissíveis, que seriam a apostasia, o adultério e o homicídio. No entanto, o papa Calixto I (217-220) concedia a reconciliação a todo pecador que fizesse a devida penitência. Esta praxe foi confirmada pelos sínodos de Roma e de Cartago que ocorreram na época do Papa Cornélio (251-253).

No entanto, contra este costume mais benévolo pautado nas recomendações do Divino Mestre, levantou-se o presbítero Novaciano, que acabou gerando um cisma na Igreja ao encabeçar uma facção de caráter rigorista. Novaciano negava a reconciliação aos apóstatas mesmo em perigo de morte; estendeu esta severidade aos dois outros pecados ditos capitais na época (homicídio e adultério). Queria constituir uma Igreja de puros e santos. Por isso rebatizava os católicos que entravam em suas fileiras.

A Igreja é assistida pela divina Sabedoria que supera e transcende os cálculos humanos e critérios de juízo pessoais. Não raras vezes ao longo da História ela se deparou com pessoas que, com base em seus próprios critérios de análise e juízo fundados em interpretação pessoal das Sagradas Escrituras, quiseram impor-lhe determinados modos de pensar e agir, tanto tendente ao rigorismo como ao laxismo.

Santo Hipólito de Roma parece ter assumido uma posição extremamente rigorista a respeito da Justiça de Deus aproximando-se à corrente novaciana, de tal forma que passou a censurar o papa São Zeferino pela indulgência para com os lapsi (os que diante das torturas acabavam por renegar a fé). Julgava que o Papa deveria negar o perdão a estes quando voltavam arrependidos, e não readmitir na Igreja os apóstatas, que por medo das torturas e da morte, tinham desertado do cristianismo.

Santo Hipólito, Padre da Igreja, sábio e zeloso defensor da fé, depois de contrariar a política de São Zeferino, ergueu-se  contra o papa Calixto censurando-lhe o que imaginava ser frouxidão no combate à heresia de Sabélio. Nesta posição acaba por romper com ele, arvorando-se numa espécie de antipapa. Continuou opondo-se à política de Santo Urbano I e de São Ponciano, sucessores de Calixto, quando, juntamente com São Ponciano foi preso exilado e submetido a trabalhos forçados no governo do imperador Maximiniano.

Nesta ocasião presenciou o nobre gesto do Papa renunciando ao pontificado a fim de permitir a eleição de outro Pontífice e evitar que a Igreja ficasse desgovernada. Este foi o fato do qual parece ter-se servido a divina Graça para tocar o coração de Hipólito. Tornou-se, a partir de então, um ardoroso devoto do Papa e quando seus partidários vinham a ele para pedir opinião neste ou naquele ponto, costumava dizer simplesmente: sigam o papa, é o único guia! Veio a morrer mártir no ano de 235. É impropriamente apresentado como o primeiro antipapa. De fato não o foi.

Alguns anos mais tarde, em 250, Novaciano entendeu exigir da Igreja novos rigores contra os lapsi (lapsos). Formou um partido que se opôs tenazmente a eleição do Papa Cornélio (251-252), por causa da sua posição indulgente. Apesar desta oposição Cornélio foi aclamado Papa, o que despertou revolta em Novaciano. Fez-se ordenar bispo por três bispos partidários seus, e organizou um partido de oposição a Cornélio.

Estava constituído um Cisma (divisão) na Igreja, com  Novaciano, figurando como o segundo, mas este sim, verdadeiro antipapa. Novaciano agitou a Igreja promovendo perturbações contra o Papa Marcelino (290-304) e contra os breves pontificados de Marcelo (307-309) e Eusébio (309 -310). Somente a energia aliada à diplomacia do Papa  Melcíades (311- 314) pode conter o movimento.

Para entender

Qual é a diferença entre heresia e cisma?

Por heresia entende-se a negação de alguma verdade de fé formalmente definida pela Igreja como tal. Assim, por exemplo, os arianos eram hereges porque negavam a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por cisma entende-se uma ruptura com a Unidade da Santa Igreja em matéria de disciplina eclesiástica, ou seja, nega-se reconhecer autoridade e prestar obediência aos legítimos pastores.

mar 102012
 

Instituto de Teologia dos Arautos do Evangelho publicará o primeiro volume de um auxílio didático para catequistas

Capa

Capa

A altura de Deus supera o alto dos céus, sua profundeza, todos os abismos. Seu tamanho é incomensurável, sua beleza é deslumbrante. Deus é… O que é Deus? Quem é Ele? Vem-nos à mente a maior das perguntas, questão que é, ela mesma, a maior das respostas, pois a procura de sua solução resolve todos os nossos problemas pessoais, responde todas as questões existenciais.

A fim de que este convite universal, dirigido a todos os homens e, por conseguinte, a mim, possa se realizar, alguns professores e alunos do Instituto Teológico São Tomás de Aquino (ITTA) e do Instituto Filosófico Aristotélico Tomista (IFAT) reuniram-se com o empenho de dar início à série Conheça a sua Fé. Ele não visa ser propriamente um catecismo, pois cabe à autoridade eclesiástica competente publicá-lo, mas somente um auxílio didático para catequistas, leigos ou pregadores que desejem aprofundar-se, deleitar-se e transmitir aos outros a nossa fé Católica.

Para isto, além dos ensinamentos Bíblicos e do magistério da Igreja, tanto Pontifício como Conciliar, os artigos se baseiam nos escritos dos Padres da Igreja, ou seja, dos primeiros doutores cristãos, assim como no pensamento de São Tomás de Aquino, o maior teólogo da História da Igreja, sem descuidar os avanços teológicos e exegéticos de nosso tempo. A linguagem visa ser simples e atraente, ao gosto do nosso público brasileiro. Tarefa não fácil, pois nosso povo, embora muito benévolo, é talvez um dos mais exigentes ao escolher uma opção de leitura. Esta adaptação procurará manter a especificidade dos termos usados pela filosofia e pela teologia cristã. Esperamos que esta leitura faça bem às almas, eleve a Deus os corações dos fieis e possa responder em algo à pergunta fundamental que move todas as inteligências e todos os corações, e cuja resposta pode resolver os problemas do homem, e, por consequência, do mundo em que vivemos, o grande Aerópago da modernidade.

O primeiro volume, apresentado por Dom Benedito Beni dos Santos, um dos teólogos brasileiros mais ilustres da atualidade, conta com 132 páginas ricamente ilustradas.  Para encomendar o seu entre em contato!

Instituto Lumen Sapientiae

Rua Dom Domingos de Sillos, n° 238 – sala 11

CEP: 02.526-030 – São Paulo –SP

(11) 4419-2311

E-mail: lumen.sapientiae@arautos.com.br

2012, 1ª Edição

Editora Lumen Sapientiae, São Paulo, 2012.

jan 172012
 

Divisão da História

Ensaio do Pe. José Arnóbio Glavan, EP

De diversos modos, hoje em dia, se divide e classifica a História da Humanidade. Há inclusive quem adote uma divisão própria para a História da Igreja, diversa da divisão adotada para a História Universal, o que não nos parece procedimento adequado. Com efeito, o fato de se adotar esta dupla classificação pode levar a se considerar a História da Igreja como apenas correndo paralela à História da Humanidade e não intimamente unida a ela como o fermento na massa. De fato a Igreja é uma instituição com a missão de entrar na História, e agir nela operando a Salvação. Neste sentido ela só pode ser compreendida em toda a sua dimensão quando vista como um fator de transformação da História rumo ao Reino escatológico de Deus. A História da Salvação é, pois, uma História dentro da História.

Deste modo preferimos adotar para a História da Igreja a mesma divisão da História Universal, e fiquemos com a tradicional, que a classifica em quatro idades: Antiga, Média, Moderna e Contemporânea.

Na antiga distinguimos a antiguidade clássica, que vai das origens até o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo; e a cristã que se estende, segundo a convenção, até queda do império romano do Ocidente, em 476.

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Catedral de Colônia, Alemanha, um dos milhares de exemplos de desenvolvimento humano ocorrido durante a Idade Média

Temos depois a chamada Idade Média e a convenção estabelece para seu início a  queda do Império Romano do Ocidente e para fim a queda do Império do Oriente, em 1453. Como se vê, à Idade Média se atribui um período de cerca de mil  anos de duração. A designação de “Média” — época intermediária entre a Antiga e a Moderna —  vem de um descabido preconceito que modernamente dominou certos defensores do Humanismo e da Renascença que paulatinamente vai sendo superado por estudiosos mais criteriosos. Votavam estes uma incondicional admiração pela antiguidade clássica: suas filosofias, artes, e até mesmo para efeitos literários e artísticos, seus deuses. Tudo com evidente intuito de desmerecer e menosprezar a obra santificadora e civilizadora da Igreja.

Chegou-se mesmo a apelidar a Idade Média de “noite dos mil anos“, ou “período das Trevas“, mas com o advento das pesquisas históricas e dos estudos especializados (1) tais concepções acabaram por cair no mais completo ridículo e ficaram como testemunhas de estreiteza de horizontes, de obscuridade de espírito — de “noite” nas mentes — de certas correntes de pensamento modernas.

Segue-se a Idade dita Moderna, à qual nos referimos acima, e que se estenderia do fim da Idade Média até a data simbólica da deflagração da Revolução Francesa: 1789. Vem por fim a Idade Contemporânea que se estende até nossos dias.

(1) Escritores e especialistas contemporâneos de grande renome, como Georges Duby, Régine Pernoud,  Émile Mâle, Georges Bordonove e muitos outros, bem demonstraram que Idade Média foi um período de intensa elaboração intelectual, artística e até mesmo científica, evidenciando assim o disparate sectário daqueles preconceitos. Sustentá-los, hoje em dia, seria manifestar inconcebível ignorância e obscurantismo. Aos poucos vamos vencendo preconceitos…

out 122011
 

Gnosticismo

O maior perigo para a Igreja nos primeiros séculos de sua História, de fato, consistiu numa subtil e venenosa heresia chamada Gnosticismo. Gnose é uma palavra grega que significa conhecimento, este pretende negar a Revelação divina que é o fato de Deus se dar a conhecer às criaturas humanas e lhes revelar seus eternos desígnios de salvação. A Igreja, como guardiã da Revelação, é também a guardiã e mestra do verdadeiro conhecimento a respeito de Deus. Santo Irineu ensinava que a verdadeira gnose é a doutrina dos Apóstolos (Santo Irineu, Contra as heresias, IV, 33,8). A Religião Cristã, por outro lado, é religião de mistério, e nela há uma dimensão infinita da verdade divina que não é alcançável pela inteligência humana, mas ante à qual, a razão deve se inclinar reverente e submissa. Entretanto, em todos os tempos, houve espíritos insatisfeitos ante essa contingência humana nos quais fervia o desejo de perscrutar, com seus meros recursos de inteligência, horizontes que só a Revelação nos pode descortinar.

Santo Irineu de Lyon

Santo Irineu de Lyon

Deste modo também em todos os tempos, a posse de pretensos conhecimentos secretos, a respeito da origem do mundo e da vida, do bem e do mal, revelados apenas a iniciados, cativou certos espíritos. O gnosticismo tem nisso sua origem.

Com existência muita antiga — há quem diga que ela se perde na noite dos tempos — o gnosticismo permanece, ele mesmo, um mistério. Pode-se, em todo caso, distinguir uma gnose pagã, manifestada no Egito, na Índia, na Grécia na Pérsia, e em muitos outros lugares, de uma gnose judaica e de outra “cristã”, ou seja, impregnações do gnosticismo, no judaísmo e no cristianismo.

O Gnosticismo é uma doutrina extremamente complexa, imprecisa, confusa, e nem sequer se pode dizer que é uma corrente doutrinária. São, na verdade, muitas correntes, adaptadas aos mais diversos tipos de psicologias, com diferentes graus de segredo. Pode-se, entretanto, discernir nelas algumas linhas gerais.

O que sobretudo move os gnósticos é a preocupação de explicar a origem do mal. Se Deus é bom e só pode criar coisas boas, como explicar o aparecimento de seres  imperfeitos e do mal, sobretudo do mal moral? Recusando eles os divinos ensinamentos sobre a criação e o pecado, engendram fantasiosas e contraditórias explicações: O Deus único e perfeito é na origem um Pan (tudo), posto num estado de perfeita harmonia e felicidade. Em determinado momento, deste tudo, destacou-se uma partícula, que tomando consciência de sua individualidade, se afirmou como um princípio do mal, e determinou uma explosão, neste tudo divino, provindo daí o que nós chamamos Criação. Tal explosão propiciou a existência de seres diferenciados e desiguais, resultando a concepção de que, não só a criação é um mal, mas sobretudo é má a existência de seres individuais e desiguais. E a desigualdade, por ser a mais expressiva manifestação da diferenciação, se afigura aos gnósticos como um mal sumamente rejeitável. Os seres individuais, que teriam resultado desta fragmentação do “deus”, são denominados eons, e foram aprisionados à matéria, produto do “deus mau”. Razão pela qual os gnósticos tem a matéria —  e portanto o corpo humano —,  em oposição ao espírito, como essencialmente má.

Temos, deste modo, a concepção gnóstica chamada dualismo, ou seja a existência de dois deuses: um “mau” outro “bom”. Esses dois deuses estariam em oposição, e a vitória do “bom” consistiria em alcançar — pelo desprezo crescente das coisas inferiores, especialmente das ligadas à matéria — a aniquilação dos condicionamentos materiais, das características pessoais e até das próprias individualidades, para restabelecer o “Pleroma” (a unidade inicial). Isso se faria levando os seres “hilicos” (dominados pela matéria), a ascenderem à condição de “psíquicos” (que estão em luta com os seres inferiores e com a matéria); e estes últimos chegarem à condição de “gnósticos” perfeitos” ou “puros”, (que teriam aniquilado em si tudo o que é inferior e que os diferencia dos outros) alcançando assim a condição de “salvos”, prontos para se reintegrarem no “tudo” primitivo, ou seja, reconstituírem o Pleroma. O “Tudo” o “Pleroma”, para o qual se caminharia por uma ascese de aniquilação da própria individualidade, vem a ser também, logicamente, um “nada”, um abismo eterno, contradição na qual não se pode deixar de discernir o sinal “digital” do “pai da mentira”. 

Como foi dito acima, na ordem concreta, a gnose dissolvia essa “tintura mãe” em muitos coloridos e muitos matizes diversos, e se beneficiava da atração natural que o espírito humano tem pelos conhecimentos secretos, para comunicá-la gradualmente a seus neófitos.

O contato de tais doutrinas com o Evangelho suscitou o gnosticismo “cristão”, ou seja uma concepção gnóstica do cristianismo. Assim, o deus mau vem a ser o Deus do Antigo Testamento, criador e justiceiro, que diferencia, discrimina,  premiando uns e punindo outros, e que subjugou o “deus” bom. Em revide uma emanação deste “deus” bom, o demiurgo, se impôs, e veio pregar o perdão, a união, a igualdade , a fraternidade, etc. Este demiurgo seria, para eles, Nosso Senhor Jesus Cristo, que teria vindo realizar obra oposta ao Deus do Antigo Testamento.

As sutilezas e camuflagens com que tais doutrinas eram apresentadas fizeram com que elas se transformassem, como foi dito, no maior perigo para a Igreja de Deus naqueles tempos.

Marcionismo e Maniqueísmo

Em contato com gnósticos sírios, um armeiro de nome Marcião, a quem São Policarpo qualificava de primogênito de Satanás — excomungado pelo próprio pai que era bispo — pôs-se a difundir uma doutrina impregnada de ideias gnósticas, que veio a chamar-se Marcionismo. Recusava todo o Antigo Testamento e do novo aceitava apenas alguns livros nos quais julgava encontrar apoio para suas doutrinas. Foi esta, precisamente, a mais perigosa heresia que o Cristianismo enfrentou naqueles primeiros tempos. Contra ela se levantou a invicta pena de São Justino, e mais tarde a brilhante ciência e erudição de Santo Irineu e Tertuliano, grande autor latino. Contido mas não morto, o marcionismo renasce no IV século com Manés, tomando por isso o nome de Maniqueísmo, chegando a colher em suas malhas, por algum tempo, aquele que veio a ser seu brilhante vencedor: Santo Agostinho. Mesmo vencido pela lógica e pela dialética desses grandes doutores, o gnosticismo marcionita, ressurgirá  peçonhento, no século XIII, com os cátaros (puros), como veremos mais adiante.

out 082011
 

Vita Karoli Magni

Prologus

Karolus gratia dei rex Francorum et Langobardorum ac patricius Romanorum Baugulfo abbati nec non et omni congregationi, fidelibus oratoribus nostris, in omnipotentis dei nomine amabilem direximus salutem.

Carolus Magnus Rex Francorum
Karolus Magnus Rex Francorum

Vitam et conversationem et ex parte non modica res gestas domini et nutritoris mei Karoli, excellentissimi et merito famosissimi regis, postquam scribere animus tulit, quanta potui brevitate conplexus sum, operam inpendens, ut de his quae ad meam notitiam pervenire potuerunt nihil omitterem neque prolixitate narrandi nova quaeque fastidientium animos offenderem; si tamen hoc ullo mode vitari potest, ut nova scriptione non offendantur qui vetera et a viris doctissimis atque disertissimis confecta monumenta fastidiunt. Et quamquam plures esse non ambigam, qui otio ac litteris dediti statum aevi praesentis non arbitrentur ita neglegendum, ut omnia penitus quae nunc fiunt velut nulla memoria digna silentio atque oblivioni tradantur, potiusque velint amore diuturnitatis inlecti aliorum praeclara facta qualibuscumque scriptis inserere quam sui nominis famam posteritatis memoriae nihil scribendo subtrahere, tamen ab huiuscemodi scriptione non existimavi temperandum, quando mihi conscius eram nullum ea veracius quam me scribere posse, quibus ipse interfui, quaeque praesens oculata, ut dicunt, fide cognovi et, utrum ab alio scriberentur necne, liquido scire non potui. Satiusque iudicavi eadem cum aliis velut communiter litteris mandata memoriae posterorum tradere quam regis excellentissimi et omnium sua aetate maximi clarissimam vitam et egregios atque moderni temporis hominibus vix imitabiles actus pati oblivionis tenebris aboleri. Suberat et alia non inrationabilis, ut opinor, causa, quae vel sola sufficere posset, ut me ad haec scribenda conpelleret, nutrimentum videlicet in me inpensum et perpetua, postquam in aula eius conversari coepi, cum ipso ac liberis eius amicitia; qua me ita sibi devinxit debitoremque tam vivo quam mortuo constituit, ut merito ingratus videri et iudicari possem, si tot beneficiorum in me conlatorum inmemor clarissima et inlustrissima hominis optime de me meriti gesta silentio praeterirem patererque vitam eius, quasi qui numquam vixerit, sine litteris ac debita laude manere; cui scribendae atque explicandae non meum ingeniolum, quod exile et parvum, immo poene nullum est, sed Tullianam par erat desudare facundiam. En tibi librum praeclarissimi et maximi viri memoriam continentem; in quo praeter illius facta non est quod admireris, nisi forte, quod homo barbarus et in Romana locutione perparum exercitatus aliquid me decenter aut commode Latine scribere posse putaverim atque in tantam inpudentiam proruperim, ut illud Ciceronis putarem contemnendum, quod in primo Tusculanarum libro, cum de Latinis scriptoribus loqueretur, ita dixisse legitur: “mandare quemquam”, inquit, “litteris cogitationes suas, qui eas nec disponere nec inlustrare possit nec delectatione aliqua adlicere lectorem, hominis est intemperanter abutentis et otio et litteris.” Poterat quidem haec oratoris egregii sententia me a scribendo deterrere, nisi animo praemeditatum haberem hominum iudicia potius experiri et haec scribendo ingenioli mei periculum facere quam tanti viri memoriam mihi parcendo praeterire.

[1] Gens Meroingorum, de qua Franci reges sibi creare soliti erant, usque in Hildricum regem, qui iussu Stephani Romani pontificis depositus ac detonsus atque in monasterium trusus est, durasse putatur. Quae licet in illo finita possit videri, tamen iam dudum nullius vigoris erat, nec quicquam in se clarum praeter inane regls vocabulum praeferebat. Nam et opes et potentia regni penes palatii praefectos, qui maiores domus dicebantur, et ad quos summa imperii pertinebat, tenebantur. Neque regi aliud relinquebatur, quam ut regio tantum nomine contentus crine profuso, barba summissa, solio resideret ac speciem dominantis effingeret, legatos undecumque venientes audiret eisque abeuntibus responsa, quae erat edoctus vel etiam iussus, ex sua velut potestate redderet; cum praeter inutile regis nomen et precarium vitae stipendium, quod ei praefectus aulae prout videbatur exhibebat, nihil aliud proprii possideret quam unam et eam praeparvi reditus villam, in qua domum et ex qua famulos sibi necessaria ministrantes atque obsequium exhibentes paucae numerositatis habebat. Quocumque eundum erat, carpento ibat, quod bubus iunctis et bubulco rustico more agente trahebatur. Sic ad palatium, sic ad publicum populi sui conventum, qui annuatim ob regni utilitatem celebrabatur, ire, sic domum redire solebat. At regni administrationem et omnia quae vel domi vel foris agenda ac disponenda erant praefectus aulae procurabat.

[2] Quo officio tum, cum Hildricus deponebatur, Pippinus pater Karoli regis iam velut hereditario fungebatur. Nam pater eius Karolus, qui tyrannos per totam Franciam dominatum sibi vindicantes oppressit et Sarracenos Galliam occupare temptantes duobus magnis proeliis, uno in Aquitania apud Pictavium civitatem, altero iuxta Narbonam apud Birram fluvium, ita devicit, ut in Hispaniam eos redire conpelleret, eundem magistratum a patre Pippino sibi dimissum egregie administravit. Qui honor non aliis a populo dari consueverat quam his qui et claritate generis et opum amplitudine ceteris eminebant. Hunc cum Pippinus pater Karoli regis ab avo et patre sibi et fratri Karlomanno relictum, summa cum eo concordia divisum, aliquot annis velut sub rege memorato tenuisset, frater eius Karlomannus – incertum quibus de causis, tamen videtur, quod amore conversationis contemplativae succensus -, operosa temporalis regni administratione relicta, Romam se in otium contulit, ibique habitu permutato monachus factus in monte Soracte apud ecclesiam beati Silvestri constructo monasterio cum fratribus secum ad hoc venientibus per aliquot annos optata quiete perfruitur. Sed cum ex Francia multi nobilium ob vota solvenda Romam sollemniter commearent et eum velut dominum quondam suum praeterire nollent, otium, quo maxime delectabatur, crebra salutatione interrumpentes locum mutare conpellunt. Nam huiuscemodi frequentiam cum suo proposito officere vidisset, relicto monte in Samnium provinciam ad monasterium sancti.Benedicti situm in castro Casino secessit et ibi quod reliquum erat temporalis vitae religiose conversando conplevit.

[3] Pippinus autem per auctoritatem Romani pontificis ex praefecto palatii rex constitutus, cum per annos XV aut eo amplius Francis solus imperaret, finito Aquitanico bello, quod contra Waifarium ducem Aquitaniae ab eo susceptum per continuos novem annos gerebatur, apud Parisios morbo aquae intercutis diem obiit, superstitibus liberis Karlo et Karlomanno, ad quos successio regni divino nutu pervenerat. Franci siquidem facto sollemniter generali conventu ambos sibi reges constituunt, ea conditione praemissa, ut totum regni corpus ex aequo partirentur, et Karolus eam partem, quam pater eorum Pippinus tenuerat, Karlomannus vero eam, cui patruus eorum Karlomannus praeerat, regendi gratia susciperet. Susceptae sunt utrimque conditiones, et pars regni divisi iuxta modum sibi propositum ab utroque recepta est. Mansitque ista, quamvis cum summa difficultate, concordia, multis ex parte Karlomanni societatem separare molientibus, adeo ut quidam eos etiam bello committere sint meditati. Sed in hoc plus suspecti quam periculi fuisse ipse rerum exitus adprobavit, cum defuncto Karlomanno uxor eius et filii cum quibusdam, qui ex optimatum eius numero primores erant, Italiam fuga petiit et nullis existentibus causis, spreto mariti fratre, sub Desiderii regis Langobardorum patrocinium se cum liberis suis contulit. Et Karlomannus quidem post administratum communiter biennio regnum morbo decessit; Karolus autem fratre defuncto consensu omnium Francorum rex constituitur.

[4] De cuius nativitate atque infantia vel etiam pueritia quia neque scriptis usquam aliquid declaratum est, neque quisquam modo superesse invenitur, qui horum se dicat habere notitiam, scribere ineptum iudicans ad actus et mores ceterasque vitae illius partes explicandas ac demonstrandas, omissis incognitis, transire disposui; ita tamen, ut, primo res gestas et domi et foris, deinde mores et studia eius, tum de regni administratione et fine narrando, nihil de his quae cognitu vel digna vel necessaria sunt praetermittam.

SagracaodeCarlosMagnoSacredeCharlemagneKarldergrosse[5] Omnium bellorum, quae gessit, primo Aquitanicum, a patre inchoatum, sed nondum finitum, quia cito peragi posse videbatur, fratre adhuc vivo, etiam et auxilium ferre rogato, suscepit. Et licet eum frater promisso frustrasset auxilio, susceptam expeditionem strenuissime exsecutus non prius incepto desistere aut semel suscepto labori cedere voluit, quam hoc, quod efficere moliebatur, perseverantia quadam ac iugitate perfecto fine concluderet. Nam et Hunoldum, qui post Waifarii mortem Aquitaniam occupare bellumque iam poene peractum reparare temptaverat, Aquitaniam relinquere et Wasconiam petere coegit. Quem tamen ibi consistere non sustinens, transmisso amne Garonna et aedificato castro Frontiaco, Lupo Wasconum duci per legatos mandat, ut perfugam reddat; quod ni festinato faciat, bello se eum expostulaturum. Sed Lupus saniori usus consilio non solum Hunoldum reddidit, sed etiam se ipsum cum provincia cui praeerat eius potestati permisit.

[6] Conpositis in Aquitania rebus eoque bello finito, regni quoque socio iam rebus humanis exempto, rogatu et precibus Hadriani Romanae urbis episcopi exoratus bellum contra Langobardos suscepit. Quod prius quidem et a patre eius, Stephano papa supplicante, cum magna difficultate susceptum est; quia quidam e primoribus Francorum, cum quibus consultare solebat, adeo voluntati eius renisi sunt, ut se regem deserturos domumque redituros libera voce proclamarent. Susceptum tamen est tunc contra Haistulfum regem et celerrime conpletum. Sed licet sibi et patri belli suscipiendi similis ac potius eadem causa subesse videretur, haud simili tamen et labore certatum et fine constat esse conpletum. Pippinus siquidem Haistulfum regem paucorum dierum obsidione apud Ticenum conpulit et obsides dare et erepta Romanis oppida atque castella restituere atque, ut reddita non repeterentur, sacramento fidem facere; Karolus vero post inchoatum a se bellum non prius destitit, quam et Desiderium regem, quem longa obsidione fatigaverat, in deditionem susciperet, filium eius Adalgisum, in quem spes omnium inclinatae videbantur, non solum regno, sed etiam Italia excedere conpelleret, omnia Romanis erepta restitueret, Hruodgausum Foroiuliani ducatus praefectum res novas molientem opprimeret totamque Italiam suae ditioni subiugaret subactaeque filium suum Pippinum regem inponeret. Italiam intranti quam difficilis Alpium transitus fuerit, quantoque Francorum labore invia montium iuga et eminentes in caelum scopuli atque asperae cautes superatae sint, hoc loco describerem, nisi vitae illius modum potius quam bellorum, quae gessit, eventus memoriae mandare praesenti opere animo esset propositum. Finis tamen huius belli fuit subacta Italia et rex Desiderius perpetuo exilio deportatus et filius eius Adalgisus Italia pulsus et res a Langobardorum regibus ereptae Hadriano Romanae ecclesiae rectori restitutae.

[7] Post cuius finem Saxonicum, quod quasi intermissum videbatur, repetitum est. Quo nullum neque prolixius neque atrocius Francorumque populo laboriosius susceptum est; quia Saxones, sicut omnes fere Germaniam incolentes nationes, et natura feroces et cultui daemonum dediti nostraeque religioni contrarii neque divina neque humana iura vel polluere vel transgredi inhonestum arbitrabantur. Suberant et causae, quae cotidie pacem conturbare poterant, termini videlicet nostri et illorum poene ubique in plano contigui, praeter pauca loca, in quibus vel silvae maiores vel montium iuga interiecta utrorumque agros certo limite disterminant, in quibus caedes et rapinae et incendia vicissim fieri non cessabant. Quibus adeo Franci sunt irritati, ut non iam vicissitudinem reddere, sed apertum contra eos bellum suscipere dignum iudicarent. Susceptum est igitur adversus eos bellum, quod magna utrimque animositate, tamen maiore Saxonum quam Francorum damno, per continuos triginta tres annos gerebatur. Poterat siquidem citius finiri, si Saxonum hoc perfidia pateretur. Difficile dictu est, quoties superati ac supplices regi se dediderunt, imperata facturos polliciti sunt, obsides qui imperabantur absque dilatione dederunt, legatos qui mittebantur susceperunt, aliquoties ita domiti et emolliti, ut etiam cultum daemonum dimittere et Christianae religioni se subdere velle promitterent; Sed sicut ad haec facienda aliquoties proni, sic ad eadem pervertenda semper fuere praecipites, non sit ut satis aestimare, ad utrum horum faciliores verius dici possint; quippe cum post inchoatum cum eis bellum vix ullus annus exactus sit, quo non ab eis huiuscemodi facta sit permutatio. Sed magnanimitas regis ac perpetua tam in adversis quam in prosperis mentis constantia nulla eorum mutabilitate vel vinci poterat vel ab his quae agere coeperat defatigari. Nam numquam eos huiuscemodi aliquid perpetrantes inpune ferre passus est, quin aut ipse per se ducto aut per comites suos misso exercitu perfidiam ulcisceretur et dignam ab eis poenam exigeret, usque dum, omnibus qui resistere solebant profligatis et in suam potestatem redactis, decem milia hominum ex his qui utrasque ripas Albis fluminis incolebant cum uxoribus et parvulis sublatos transtulit et huc atque illuc per Galliam et Germaniam multimoda divisione distribuit. Eaque conditione a rege proposita et ab illis suscepta tractum per tot annos bellum constat esse finitum, ut, abiecto daemonum cultu et relictis patriis caerimoniis, Christianae fidei atque religionis sacramenta susciperent et Francis adunati unus cum eis populus efficerentur.

[8] Hoc bello, licet per multum temporis spatium traheretur, ipse non amplius cum hoste quam bis acie conflixit, semel iuxta montem qui Osneggi dicitur in loco Theotmelli nominato et iterum apud Hasa fluvium, et hoc uno mense, paucis quoque interpositis diebus. His duobus proeliis hostes adeo profligati ac devicti sunt, ut ulterius regem neque provocare neque venienti resistere, nisi aliqua loci munitione defensi, auderent. Plures tamen eo bello tam ex nobilitate Francorum quam Saxonum et functi summis honoribus viri consumpti sunt. Tandemque anno tricesimo tertio finitum est, cum interim tot ac tanta in diversis terrarum partibus bella contra Francos et exorta sint et sollertia regis administrata, ut merito intuentibus in dubium venire possit, utrum in eo aut laborum patientiam aut felicitatem potius mirari conveniat. Nam biennio ante Italicum hoc bellum sumpsit exordium, et cum sine intermissione gereretur, nihil tamen ex his quae aliubi erant gerenda dimissum aut ulla in parte ab aeque operoso certamine cessatum est. Nam rex, omnium qui sua aetate gentibus dominabantur et prudentia maximus et animi magnitudine praestantissimus, nihil in his quae vel suscipienda erant vel exsequenda aut propter laborem detractavit aut propter periculum exhorruit, verum unumquodque secundumsuam qualitatem et subire et ferre doctus nec in adversis cedere nec in prosperis falso blandienti fortunae adsentiri solebat.

[9] Cum enim assiduo ac poene continuo cum Saxonibus bello certaretur, dispositis per congrua confiniorum loca praesidiis, Hispaniam quam maximo poterat belli apparatu adgreditur; saltuque Pyrinei superato, omnibus, quae adierat, oppidis atque castellis in deditionem acceptis, salvo et incolomi exercitu revertitur; praeter quod in ipso Pyrinei iugo Wasconicam perfidiam parumper in redeundo contigit experiri. Nam cum agmine longo, ut loci et angustiarum situs permittebat, porrectus iret exercitus, Wascones in summi montis vertice positis insidiis – est enim locus ex opacitate silvarum, quarum ibi maxima est copia, insidiis ponendis oportunus – extremam impedimentorum partem et eos qui novissimi agminis incedentes subsidio praecedentes tuebantur desuper incursantes in subiectam vallem deiciunt, consertoque cum eis proelio usque ad unum omnes interficiunt, ac direptis impedimentis, noctis beneficio, quae iam instabat, protecti summa cum celeritate in diversa disperguntur. Adiuvabat in hoc facto Wascones et levitas armorum et loci, in quo res gerebatur, situs, econtra Francos et armorum gravitas et loci iniquitas per omnia Wasconibus reddidit impares. In quo proelio Eggihardus regiae mensae praepositus, Anshelmus comes palatii et Hruodlandus Brittannici limitis praefectus cum aliis conpluribus interficiuntur. Neque hoc factum ad praesens vindicari poterat, quia hostis re perpetrata ita dispersus est, ut ne fama quidem remaneret, ubinam gentium quaeri potuisset.

Capela Palatina Imperatoris Caroli Magni
Capela Palatina Imperatoris Karoli Magni

[10] Domuit et Brittones, qui ad occidentem in extrema quadam parte Galliae super litus oceani residentes dicto audientes non erant, missa in eos expeditione, qua et obsides dare et quae imperarentur se facturos polliceri coacti sunt. Ipse postea cum exercitu Italiam ingressus ac per Romam iter agens Capuam Campaniae urbem accessit atque ibi positis castris bellum Beneventanis, ni dederentur, comminatus est. Praevenit hoc dux gentis Aragisus: filios suos Rumoldum et Grimoldum cum magna pecunia obviam regi mittens rogat, ut filios obsides suscipiat, seque cum gente imperata facturum pollicetur, praeter hoc solum, si ipse ad conspectum venire cogeretur. Rex, utilitate gentis magis quam animi eius obstinatione considerata, et oblatos sibi obsides suscepit eique, ut ad conspectum venire non cogeretur, pro magno munere concessit; unoque ex filiis, qui minor erat, obsidatus gratia retento, maiorem patri remisit; legatisque ob sacramenta fidelitatis a Beneventanis exigenda atque suscipienda cum Aragiso dimissis Romam redit, consumptisque ibi in sanctorum veneratione locorum aliquot diebus in Galliam revertitur.

[11] Baioaricum deinde bellum et repente ortum et celeri fine conpletum est. Quod superbia simul ac socordia Tassilonis ducis excitavit; qui hortatu uxoris, quae filia Desiderii regis erat ac patris exilium per maritum ulcisci posse putabat, iuncto foedere cum Hunis, qui Baioariis sunt ab oriente contermini, non solum imperata non facere, sed bello regem provocare temptabat. Cuius contumaciam, quia nimia videbatur, animositas regis ferre nequiverat, ac proinde copiis undique contractis Baioariam petiturus ipse ad Lechum amnem cum magno venit exercitu. Is fluvius Baioarios ab Alamannis dividit. Cuius in ripa castris conlocatis, priusquam provinciam intraret, animum ducis per legatos statuit experiri. Sed nec ille pertinaciter agere vel sibi vel genti utile ratus supplex se regi permisit, obsides qui imperabantur dedit, inter quos et filium suum Theodonem, data insuper fide cum iuramento, quod ab illius potestate ad defectionem nemini suadenti adsentire deberet. Sicque bello, quod quasi maximum futurum videbatur, celerrimus est finis inpositus. Tassilo tamen postmodum ad regem evocatus neque redire permissus, neque provincia, quam tenebat, ulterius duci, sed comitibus ad regendum commissa est.

[12] His motibus ita conpositis, Sclavis, qui nostra consuetudine Wilzi, proprie vero, id est sua locutione, Welatabi dicuntur, bellum inlatum est. In quo et Saxones velut auxiliares inter ceteras nationes, quae regis signa iussae sequebantur, quamquam ficta et minus devota oboedientia, militabant. Causa belli erat, quod Abodritos, qui cum Francis olim foederati erant, adsidua incursione lacessebant nec iussionibus coerceri poterant. Sinus quidam ab occidentali oceano orientem versus porrigitur, longitudinis quidem inconpertae, latitudinis vero quae nusquam centum milia passuum excedat, cum in multis locis contractior inveniatur. Hunc multae circumsedent nationes; Dani siquidem ac Sueones, ques Nordmannos vocamus, et septentrionale litus et omnes in eo insulas tenent. At litus australe Sclavi et Aisti et aliae diversae incolunt nationes; inter quos vel praecipui sunt, quibus tunc a rege bellum inferebatur, Welatabi. Quos ille una tantum et quam per se gesserat expeditione ita contudit ac domuit, ut ulterius imperata facere minime rennuendum iudicarent.

[13] Maximum omnium, quae ab illo gesta sunt, bellorum praeter Saxonicum huic bello successit, illud videlicet, quod contra Avares sive Hunos susceptum est. Quod ille et animosius quam cetera et longe maiori apparatu administravit. Unam tamen per se in Pannoniam – nam hanc provinciam ea gens tum incolebat – expeditionem fecit, cetera filio suo Pippino ac praefectis provinciarum, comitibus etiam atque legatis perficienda commisit. Quod cum ab his strenuissime fuisset administratum, octavo tandem anno conpletum est. Quot proelia in eo gesta, quantum sanguinis effusum sit, testatur vacua omni habitatore Pannonia et locus, in quo regia Kagani erat, ita desertus, ut ne vestigium quidem in eo humanae habitationis appareat. Tota in hoc bello Hunorum nobilitas periit. tota gloria decidit. Omnis pecunia et congesti ex longo tempore thesauri direpti sunt. Neque ullum bellum contra Francos exortum humana potest memoria recordari, quo illi magis ditati et opibus aucti sint. Quippe cum usque in id temporis poene pauperes viderentur, tantum auri et argenti in regia repertum, tot spolia pretiosa in proeliis sublata, ut merito credi possit hoc Francos Hunis iuste eripuisse, quod Huni prius aliis gentibus iniuste eripuerunt. Duo tantum ex proceribus Francorum eo bello perierunt: Ericus dux Foroiulanus in Liburnia iuxta Tharsaticam maritimam civitatem insidiis oppidanorum interceptus, et Geroldus Baioariae praefectus in Pannonia, cum contra Hunos proeliaturus aciem strueret, incertum a quo, cum duobus tantum, qui eum obequitantem ac singulos hortantem comitabantur, interfectus est. Ceterum incruentum poene Francis hoc bellum fuit et prosperrimum exitum habuit, tametsi diutius sui magnitudine traheretur.

[14] Post quod et Saxonicum suae prolixitati convenientem finem accepit. Boemanicum quoque et Linonicum, quae postea exorta sunt, diu durare non potuerunt. Quorum utrumque ductu Karoli iunioris celeri fine conpletum est. Ultimum contra Nordmannos, qui Dani vocantur, primo pyraticam exercentes, deinde maiori classe litora Galliae atque Germaniae vastantes, bellum susceptum est. Quorum rex Godofridus adeo vana spe inflatus erat, ut sibi totius Germaniae promitteret potestatem. Frisiam quoque atque Saxoniam haud aliter atque suas provincias aestimabat. Iam Abodritos, vicinos suos, in suam ditionem redegerat, iam eos sibi vectigales fecerat. Iactabat etiam se brevi Aquasgrani, ubi regis comitatus erat, cum maximis copiis adventurum. Nec dictis eius, quamvis vanissimis, omnino fides abnuebatur, quin potius putaretur tale aliquid inchoaturus, nisi festinata fuisset morte praeventus. Nam a proprio satellite interfectus et suae vitae et belli a se inchoati finem acceleravit.

Albrecht_Dürer_047[15] Haec sunt bella, quae rex potentissimus per annos XLVII – tot enim annis regnaverat – in diversis terrarum partibus summa prudentia atque felicitate gessit. Quibus regnum Francorum, quod post patrem Pippinum magnum quidem et forte susceperat, ita nobiliter ampliavit, ut poene duplum illi adiecerit. Nam cum prius non amplius quam ea pars Galliae, quae inter Rhenum et Ligerem oceanumque ac mare Balearicum iacet, et pars Germaniae, quae inter Saxoniam et Danubium Rhenumque ac Salam fluvium, qui Thuringos et Sorabos dividit, posita a Francis qui Orientales dicuntur incolitur, et praeter haec Alamanni atque Baioarii ad regni Francorum potestatem pertinerent: ipse per bella memorata primo Aquitaniam et Wasconiam totumque Pyrinei montis iugum et usque ad Hiberum amnem, qui apud Navarros ortus et fertilissimos Hispaniae agros secans sub Dertosae civitatis moenia Balearico mari miscetur; deinde Italiam totam, quae ab Augusta Praetoria usque in Calabriam inferiorem, in qua Graecorum ac Beneventanorum constat esse confinia, decies centum et eo amplius passuum milibus longitudine porrigitur; tum Saxoniam, quae quidem Germaniae pars non modica est et eius quae a Francis incolitur duplum in late habere putatur, cum ei longitudine possit esse consimilis; post quam utramque Pannoniam et adpositam in altera Danubii ripa Daciam, Histriam quoque et Liburniam atque Dalmaciam, exceptis maritimis civitatibus, quas ob amicitiam et iunctum cum eo foedus Constantinopolitanum imperatorem habere permisit; deinde omnes barbaras ac feras nationes, quae inter Rhenum ac Visulam fluvios oceanumque ac Danubium positae, lingua quidem poene similes, moribus vero atque habitu valde dissimiles, Germaniam incolunt, ita perdomuit, ut eas tributarias efficeret; inter quas fere praecipuae sunt Welatabi, Sorabi, Abodriti, Boemani – cum his namque bello conflixit -; ceteras, quarum multo maior est numerus, in deditionem suscepit.

[16] Auxit etiam gloriam regni sui quibusdam regibus ac gentibus per amicitiam sibi conciliatis. Adeo namque Hadefonsum Galleciae atque Asturicae regem sibi societate devinxit, ut is, cum ad eum vel litteras vel legatos mitteret, non aliter se apud illum quam proprium suum appellari iuberet. Scottorum quoque reges sic habuit ad suam voluntatem per munificentiam inclinatos, ut eum numquam aliter nisi dominum seque subditos et servos eius pronuntiarent. Extant epistolae ab eis ad illum missae, quibus huiusmodi affectus eorum erga illum indicatur. Cum Aaron rege Persarum, qui excepta India totum poene tenebat orientem, talem habuit in amicitia concordiam, ut is gratiam eius omnium, qui in toto orbe terrarum erant, regum ac principum amicitiae praeponeret solumque illum honore ac munificentia sibi colendum iudicaret. Ac proinde, cum legati eius, quos cum donariis ad sacratissimum Domini ac salvatoris nostri sepulchrum locumque resurrectionis miserat, ad eum venissent et ei domini sui voluntatem indicassent, non solum quae petebantur fieri permisit, sed etiam sacrum illum et salutarem locum, ut illius potestati adscriberetur, concessit; et revertentibus legatis suos adiungens inter vestes et aromata et ceteras orientalium terrarum opes ingentia illi dona direxit, cum ei ante paucos annos eum, quem tunc solum habebat, roganti mitteret elefantum. Imperatores etiam Constantinopolitani, Niciforus, Michahel et Leo, ultro amicitiam et societatem eius expetentes conplures ad eum misere legatos. Cum quibus tamen propter susceptum a se imperatoris nomen et ob hoc eis, quasi qui imperium eis eripere vellet, valde suspectum foedus firmissimum statuit, ut nulla inter partes cuiuslibet scandali remaneret occasio. Erat enim semper Romanis et Grecis Francorum suspecta potentia. Unde et illud Grecum extat proverbium: ton Phragkon philon echis, gitona ouk echis.

[17] Qui cum tantus in ampliando regno et subigendis exteris nationibus existeret et in eiusmodi occupationibus assidue versaretur, opera tamen plurima ad regni decorem et commoditatem pertinentia diversis in locis inchoavit, quaedam etiam consummavit. Inter quae praecipua fere non inmerito videri possunt basilica sanctae Dei genitricis Aquisgrani opere mirabili constructa et pons apud Mogontiacum in Rheno quingentorum passuum longitudinis – nam tanta est ibi fluminis latitudo; qui tamen uno, antequam decederet, anno incendio conflagravit, nec refici potuit propter festinatum illius decessum, quamquam in ea meditatione esset, ut pro ligneo lapideum restitueret. Inchoavit et palatia operis egregii, unum haud longe a Mogontiaco civitate, iuxta villam cui vocabulum est Ingilenheim, alterum Noviomagi super Vahalem fluvium, qui Batavorum insulam a parte meridiana praeterfluit. Praecipue tamen aedes sacras ubicumque in toto regno suo vetustate conlapsas conperit, pontificibus et patribus, ad quorum curam pertinebant, ut restaurarentur, imperavit, adhibens curam per legatos, ut imperata perficerent.

Molitus est et classem contra bellum Nordmannicum, aedificatis ad hoc navibus iuxta flumina, quae et de Gallia et de Germania septentrionalem influunt oceanum. Et quia Nordmanni Gallicum litus atque Germanicum assidua infestatione vastabant, per omnes portus et ostia fluminum, qua naves recipi posse videbantur, stationibus et excubiis dispositis, ne qua hostis exire potuisset, tali munitione prohibuit. Fecit idem a parte meridiana in litore provinciae Narbonensis ac Septimaniae, toto etiam Italiae litore usque Romam contra Mauros nuper pyraticam exercere adgressos; ac per hoc nullo gravi damno vel a Mauris Italia vel Gallia atque Germania a Nordmannis diebus suis adfecta est, praeter quod Centumcellae civitas Etruriae per proditionem a Mauris capta atque vastata est, et in Frisia quaedam insulae Germanico litori contiguae a Nordmannis depraedatae sunt.

[18] Talem eum in tuendo et ampliando simulque ornando regno fuisse constat. Cuius animi dotes et summam in qualicumque et prospero et adverso eventu constantiam ceteraque ad interiorem atque domesticam viram pertinentia iam abhinc dicere exordiar.

Post mortem patris cum fratre regnum partitus tanta patientia simultates et invidiam eius tulit, ut omnibus mirum videretur, quod ne ad iracundiam quidem ab eo provocari potuisset. Deinde cum matris hortatu filiam Desiderii regis Langobardorum duxisset uxorem, incertum qua de causa, post annum eam repudiavit et Hildigardam de gente Suaborum praecipuae nobilitatis feminam in matrimonium accepit; de qua tres filios, Karolum videlicet, Pippinum et Hludowicum, totidemque filias, Hruodtrudem et Berhtam et Gislam, genuit. Habuit et alias tres filias, Theoderadam et Hiltrudem et Hruodhaidem, duas de Fastrada uxore, quae de Orientalium Francorum, Germanorum videlicet, gente erat, tertiam de concubina quadam, cuius nomen modo memoriae non occurrit. Defuncta Fastrada Liutgardam Alamannam duxit, de qua nihil liberorum tulit. Post cuius mortem quattuor habuit concubinas, Madelgardam scilicet, quae peperit ei filiam nomine Ruothildem, Gersuindam Saxonici generis, de qua ei filia nomine Adaltrud nata est, et Reginam, quae ei Drogonem et Hugum genuit, et Adallindem, ex qua Theodericum procreavit.

Mater quoque eius Berhtrada in magno apud eum honore consenuit. Colebat enim eam cum summa reverentia, ita ut nulla umquam invicem sit exorta discordia, praeter in divortio filiae Desiderii regis, quam illa suadente acceperat. Decessit tandem post mortem Hildigardae, cum iam tres nepotes suos totidemque neptes in filii domo vidisset. Quam ille in eadem basilica, qua pater situs est, apud Sanctum Dionisium, magno cum honore fecit humari. Erat ei unica soror nomine Gisla, a puellaribus annis religiosae conversationi mancipata, quam similiter ut matrem magna coluit pietate. Quae etiam paucis ante obitum illius annis in eo, quo conversata est, monasterio decessit.

[19] Liberos suos ita censuit instituendos, ut tam filii quam filiae primo liberalibus studiis, quibus et ipse operam dabat, erudirentur. Tum filios, cum primum aetas patiebatur, more Francorum equitare, armis ac venatibus exerceri fecit, filias vero lanificio adsuescere coloque ac fuso, ne per otium torperent, operam impendere atque ad omnem honestatem erudiri iussit. Ex his omnibus duos tantum filios et unam filiam, priusquam moreretur, amisit, Karolum, qui natu maior erat, et Pippinum, quem regem Italiae praefecerat, et Hruodtrudem, quae filiarum eius primogenita et a Constantino Grecorum imperatore desponsata erat. Quorum Pippinus unum filium suum Bernhardum, filias autem quinque, Adalhaidem, Atulam, Gundradam, Berhthaidem ac Theoderadam, superstites reliquit. In quibus rex pietatis suae praecipuum documentum ostendit, cum filio defuncto nepotem patri succedere et neptes inter filias suas educari fecisset. Mortes filiorum ac filiae pro magnanimitate, qua excellebat, minus patienter tulit, pietate videlicet, qua non minus insignis erat, conpulsus ad lacrimas. Nuntiato etiam sibi Hadriani Romani pontificis obitu, quem in amicis praecipuum habebat, sic flevit, acsi fratrem aut carissimum filium amisisset. Erat enim in amicitiis optime temperatus, ut eas et facile admitteret et constantissime retineret, colebatque sanctissime quoscumque hac adfinitate sibi coniunxerat.

Filiorum ac filiarum tantam in educando curam habuit, ut numquam domi positus sine ipsis caenaret, numquam iter sine illis faceret. Adequitabant ei filii, filiae vero poene sequebantur, quarum agmen extremum ex satellitum numero ad hoc ordinati tuebantur. Quae cum pulcherrimae essent et ab eo plurimum diligerentur, mirum dictu, quod nullam earum cuiquam aut suorum aut exterorum nuptum dare voluit, sed omnes secum usque ad obitum suum in domo sua retinuit, dicens se earum contubernio carere non posse. Ac propter hoc, licet alias felix, adversae fortunae malignitatem expertus est. Quod tamen ita dissimulavit, acsi de eis nulla umquam alicuius probri suspicio exorta vel fama dispersa fuisset.

Dextra Caroli Magni Imperatoris
Dextra Karoli Magni

[20] Erat ei filius nomine Pippinus ex concubina editus, cuius inter ceteros mentionem facere distuli, facie quidem pulcher, sed gibbo deformis. Is, cum pater bello contra Hunos suscepto in Baioaria hiemaret, aegritudine simulata, cum quibusdam e primoribus Francorum, qui eum vana regni promissione inlexerant, adversus patrem coniuravit. Quem post fraudem detectam et damnationem coniuratorum detonsum in coenobio Prumia religiosae vitae iamque volentem vacare permisit. Facta est et alia prius contra eum in Germania valida coniuratio. Cuius auctores partim luminibus orbati, partim membris incolomes, omnes tamen exilio deportati sunt; neque ullus ex eis est interfectus nisi tres tantum; qui cum se, ne conprehenderentur, strictis gladiis defenderent, aliquos etiam occidissent, quia aliter coerceri non poterant, interempti sunt. Harum tamen coniurationum Fastradae reginae crudelitas causa et origo extitisse creditur. Et idcirco in ambabus contra regem conspiratum est, quia uxoris crudelitati consentiens a suae naturae benignitate ac solita mansuetudine inmaniter exorbitasse videbatur. Ceterum per omne vitae suae tempus ita cum summo omnium amore atque favore et domi et foris conversatus est, ut numqunm ei vel minima iniustae crudelitatis nota a quoquam fuisset obiecta.

[21] Amabat peregrinos et in eis suscipiendis magnam habebat curam, adeo ut eorum multitudo non solum palatio, verum etiam regno non inmerito videretur onerosa. Ipse tamen prae magnitudine animi huiuscemodi pondere minime gravabatur, cum etiam ingentia incommoda laude liberalitatis ac bonae famae mercede conpensaret.

[22] Corpore fuit amplo atque robusto, statura eminenti, quae tamen iustam non excederet – nam septem suorum pedum proceritatem eius constat habuisse mensuram -, apice capitis rotundo, oculis praegrandibus ac vegetis, naso paululum mediocritatem excedenti, canitie pulchra, facie laeta et hilari. Unde formae auctoritas ac dignitas tam stanti quam sedenti plurima adquirebatur; quamquam cervix obesa et brevior venterque proiectior videretur, tamen haec ceterorum membrorum celabat aequalitas. Incessu firmo totaque corporis habitudine virili; voce clara quidem, sed quae minus corporis formae conveniret.

Valitudine prospera, praeter quod, antequam decederet, per quatuor annos crebro febribus corripiebatur, ad extremum etiam uno pede claudicaret. Et tunc quidem plura suo arbitratu quam medicorum consilio faciebat, quos poene exosos habebat, quod ei in cibis assa, quibus assuetus erat, dimittere et elixis adsuescere suadebant.

Exercebatur assidue equitando ac venando; quod illi gentilicium erat, quia vix ulla in terris natio invenitur, quae in hac arte Francis possit aequari.

Delectabatur etiam vaporibus aquarum naturaliter calentium, frequenti natatu corpus exercens; cuius adeo peritus fuit, ut nullus ei iuste valeat anteferri. Ob hoc etiam Aquisgrani regiam exstruxit ibique extremis vitae annis usque ad obitum perpetim habitavit. Et non solum filios ad balneum, verum optimates et amicos, aliquando etiam satellitum et custodum corporis turbam invitavit, ita ut nonnumquam centum vel eo amplius homines una lavarentur.

[23] Vestitu patrio, id est Francico, utebatur. Ad corpus camisam lineam, et feminalibus lineis induebatur, deinde tunicam, quae limbo serico ambiebatur, et tibialia; tum fasciolis crura et pedes calciamentis constringebat et ex pellibus lutrinis vel murinis thorace confecto umeros ac pectus hieme muniebat, sago veneto amictus et gladio semper accinctus, cuius capulus ac balteus aut aureus aut argenteus erat. Aliquoties et gemmato ense utebatur, quod tamen nonnisi in praecipuis festivitatibus vel si quando exterarum gentium legati venissent. Peregrina vero indumenta, quamvis pulcherrima, respuebat nec umquam eis indui patiebatur, excepto quod Romae semel Hadriano pontifice petente et iterum Leone successore eius supplicante longa tunica et clamide amictus, calceis quoque Romano more formatis induebatur. In festivitatibus veste auro texta et calciamentis gemmatis et fibula aurea sagum adstringente, diademate quoque ex auro et gemmis ornatus incedebat. Aliis autem diebus habitus eius parum a communi ac plebeio abhorrebat.

[24] In cibo et potu temperans, sed in potu temperantior, quippe qui ebrietatem in qualicumque homine, nedum in se ac suis, plurimum abhominabatur. Cibo enim non adeo abstinere puterat, ut saepe quereretur noxia corpori suo esse ieiunia. Convivabatur rarissime, et hoc praecipuis tantum festivitatibus, tunc tamen cum magno hominum numero. Caena cotidiana quaternis tantum ferculis praebebatur, praeter assam, quam venatores veribus inferre solebant, qua ille libentius quam ullo alio cibo vescebatur. Inter caenandum aut aliquod acroama aut lectorem audiebat. Legebantur ei historiae et antiquorum res gestae. Delectabatur et libris sancti Augustini, praecipueque his qui de civitate Dei praetitulati sunt. Vini et omnis potus adeo parcus in bibendo erat, ut super caenam raro plus quam ter biberet. Aestate post cibum meridianum pomorum aliquid sumens ac semel bibens, depositis vestibus et calciamentis, velut noctu solitus erat, duabus aut tribus horis quiescebat.

Noctibus sic dormiebat, ut somnum quater aut quinquies non solum expergescendo, sed etiam desurgendo interrumperet. Cum calciaretur et amiciretur, non tantum amicos admittebat, verum etiam, si comes palatii litem aliquam esse diceret, quae sine eius iussu definiri non posset, statim litigantes introducere iussit et, velut pro tribunali sederet, lite cognita sententiam dixit; nec hoc tantum eo tempore, sed etiam quicquid ea die cuiuslibet officii agendum aut cuiquam ministrorum iniungendum erat expediebat.

Carolus Magnus et Alcuinus

Karolus Magnus et Alcuinus

[25] Erat eloquentia copiosus et exuberans poteratque quicquid vellet apertissime exprimere. Nec patrio tantum sermone contentus, etiam peregrinis linguis ediscendis operam impendit. In quibus Latinam ita didicit, ut aeque illa ac patria lingua orare sit solitus, Grecam vero melius intellegere quam pronuntiare poterat. Adeo quidem facundus erat, ut etiam dicaculus appareret.

Artes liberales studiosissime coluit, earumque doctores plurimum veneratus magnis adficiebat honoribus. In discenda grammatica Petrum Pisanum diaconem senem audivit, in ceteris disciplinis Albinum cognomento Alcoinum, item diaconem, de Brittania Saxonici generis hominem, virum undecumque doctissimum, praeceptorem habuit, apud quem et rethoricae et dialecticae, praecipue tamen astronomiae ediscendae plurimum et temporis et laboris inpertivit. Discebat artem conputandi et intentione sagaci siderum cursum curiosissime rimabatur.

Temptabat et scribere tabulasque et codicellos ad hoc in lecto sub cervicalibus circumferre solebat, ut, cum vacuum tempus esset, manum litteris effigiendis adsuesceret, sed parum successit labor praeposterus ac sero inchoatus.

[26] Religionem Christianam, qua ab infantia fuerat inbutus, sanctissime et cum summa pietate coluit, ac propter hoc plurimae pulchritudinis basilicam Aquisgrani exstruxit auroque et argento et luminaribus atque ex aere solido cancellis et ianuis adornavit. Ad cuius structuram cum columnas et marmora aliunde habere non posset. Roma atque Ravenna devehenda curavit. Ecclesiam et mane et vespere, item nocturnis horis et sacrificii tempore, quoad eum valitudo permiserat, inpigre frequentabat, curabatque magnopere, ut omnia quae in ea gerebantur cum qua maxima fierent honestate, aedituos creberrime commonens, ne quid indecens aut sordidum aut inferri aut in ea remanere permitterent. Sacrorum vasorum ex auro et argento vestimentorumque sacerdotalium tantam in ea copiam procuravit, ut in sacrificiis celebrandis ne ianitoribus quidem, qui ultimi ecclesiastici ordinis sunt, privato habitu ministrare necesse fuisset. Legendi atque psallendi disciplinam diligentissime emendavit. Erat enim utriusque admodum eruditus, quamquam ipse nec publice legeret nec nisi submissim et in commune cantaret.

[27] Circa pauperes sustentandos et gratuitam liberalitatem, quam Greci eleimosinam vocant, devotissimus, ut qui non in patria solum et in suo regno id facere curaverit, verum trans maria in Syriam et Aegyptum atque Africam, Hierosolimis, Alexandriae atque Cartagini, ubi Christianos in paupertate vivere conpererat, penuriae illorum conpatiens pecuniam mittere solebat; ob hoc maxime transmarinorum regum amicitias expetens, ut Christianis sub eorum dominatu degentibus refrigerium aliquod ac relevatio proveniret.

Colebat prae ceteris sacris et venerabilibus locis apud Romam ecclesiam beati Petri apostoli; in cuius donaria magna vis pecuniae tam in auro quam in argento necnon et gemmis ab illo congesta est. Multa et innumera pontificibus munera missa. Neque ille toto regni sui tempore quicquam duxit antiquius, quam ut urbs Roma sua opera suoque labore vetere polleret auctoritate, et ecclesia sancti Petri per illum non solum tuta ac defensa, sed etiam suis opibus prae omnibus ecclesiis esset ornata atque ditata. Quam cum tanti penderet, tamen intra XLVII annorum, quibus regnaverat, spatium quater tantum illo votorum solvendorum ac supplicandi causa profectus est.

[28] Ultimi adventus sui non solum hae fuere causae, verum etiam quod Romani Leonem pontificem multis affectum iniuriis, erutis scilicet oculis linguaque amputata, fidem regis implorare conpulerunt. Idcirco Romam veniens propter reparandum, qui nimis conturbatus erat, ecclesiae statum ibi totum hiemis tempus extraxit. Quo tempore imperatoris et augusti nomen accepit. Quod primo in tantum aversatus est, ut adfirmaret se eo die, quamvis praecipua festivitas esset, ecclesiam non intraturum, si pontificis consilium praescire potuisset. Invidiam tamen suscepti nominis, Romanis imperatoribus super hoc indignantibus, magna tulit patientia. Vicitque eorum contumaciam magnanimitate, qua eis procul dubio longe praestantior erat, mittendo ad eos crebras legationes et in epistolis fratres eos appellando.

[29] Post susceptum imperiale nomen, cum adverteret multa legibus populi sui deesse – nam Franci duas habent leges, in plurimis locis valde diversas – cogitavit quae deerant addere et discrepantia unire, prava quoque acperperam prolata corrigere, sed de his nihil aliud ab eo factum est, nisi quod pauca capitula, et ea inperfecta, legibus addidit. Omnium tamen nationum, quae sub eius dominatu erant, iura quae scripta non erant describere ac litteris mandari fecit. Item barbara et antiquissima carmina, quibus veterum regum actus et bella canebantur, scripsit memoriaeque mandavit. Inchoavit et grammaticam patrii sermonis.

Mensibus etiam iuxta propriam linguam vocabula inposuit, cum ante id temporis apud Francos partim Latinis, partim barbaris nominibus pronuntiarentur. Item ventos duodecim propriis appellationibus insignivit, cum prius non amplius quam vix quattuor ventorum vocabula possent inveniri. Et de mensibus quidem Ianuarium uuintarmanoth, Februarium hornung, Martium lenzinmanoth, Aprilem ostarmanoth, Maium uuinnemanoth, Iunium brachmanoth, Iulium heuuimanoth, Augustum aranmanoth, Septembrem uuitumanoth, Octobrem uuindumemanoth, Novembrem herbistmanoth, Decembrem heilagmanoth appellavit.

Ventis vero hoc modo nomina inposuit, ut subsolanum vocaret ostroniuuint, eurum ostsundroni, euroaustrum sundostroni, austrum sundroni, austroafricum sunduuestroni, africum uuestsundroni, zefyrum uuestroni, chorum uuestnordroni, circium norduuestroni, septentrionem nordroni, aquilonem nordostroni, vulturnum ostnordroni.

SanctusCarolusMagnusSanCarloMagnoSaintCarlKarldergrosseAachen_13[30] Extremo vitae tempore, cum iam et morbo et senectute premeretur, evocatum ad se Hludowicum filium, Aquitaniae regem, qui solus filiorum Hildigardae supererat, congregatis sollemniter de toto regno Francorum primoribus, cunctorum consilio consortem sibi totius regni et imperialis nominis heredem constituit, inpositoque capiti eius diademate imperatorem et augustum iussit appellari. Susceptum est hoc eius consilium ab omnibus qui aderant magno cum favore; nam divinitus ei propter regni utilitatem videbatur inspiratum. Auxitque maiestatem eius hoc factum et exteris nationibus nun minimum terroris incussit. Dimisso deinde in Aquitaniam filio, ipse more solito, quamvis senectute confectus, non longe a regia Aquensi venatum proficiscitur, exactoque in huiuscemodi negotio quod reliquum erat autumni, circa Kalendas Novembris Aquasgrani revertitur.

Cumque ibi hiemaret, mense Ianuario febre valida correptus decubuit. Qui statim, ut in febribus solebat, cibi sibi abstinentiam indixit, arbitratus hac continentia morbum posse depelli vel certe mitigari. Sed accedente ad febrem lateris dolore, quem Greci pleuresin dicunt, illoque adhuc inediam retinente neque corpus aliter quam rarissimo potu sustentante, septimo, postquam decubuit, die, sacra communione percepta, decessit, anno aetatis suae septuagesimo secundo et ex quo regnare coeperat quadragesimo septimo, V. Kalendas Februarii, hora diei tertia.

[31] Corpus more sollemni lotum et curatum et maximo totius populi luctu ecclesiae inlatum atque humatum est. Dubitatum est primo, ubi reponi deberet, eo quod ipse vivus de hoc nihil praecepisset. Tandem omnium animis sedit nusquam eum honestius tumulari posse quam in ea basilica, quam ipse propter amorem Dei et domini nostri Iesu Christi et ob honorem sanctae et aeternae virginis, genetricis eius, proprio sumptu in eodem vico construxit. In hac sepultus est eadem die, qua defunctus est, arcusque supra tumulum deauratus cum imagine et titulo exstructus. Titulus ille hoc modo descriptus est:

SUB HOC CONDITORIO SITUM EST CORPUS KAROLI MAGNI ATQUE ORTHODOXI IMPERATORIS, QUI REGNUM FRANCORUM NOBILITER AMPLIAVIT ET PER ANNOS XLVII FELICITER REXIT. DECESSIT SEPTUAGENARIUS ANNO DOMINI DCCCXIIII, INDICTIONE VII, V. KAL. FEBR.

[32] Adpropinquantis finis conplura fuere prodigia, ut non solum alii, sed etiam ipse hoc minitari sentiret. Per tres continuos vitaeque termino proximos annos et solis et lunae creberrima defectio et in sole macula quaedam atri coloris septem dierum spatio visa. Porticus, quam inter basilicam et regiam operosa mole construxerat, die ascensionis Domini subita ruina usque ad fundamenta conlapsa. Item pons Rheni apud Mogontiacum, quem ipse per decem annos ingenti labore et opere mirabili de ligno ita construxit, ut perenniter durare posse videretur, ita tribus horis fortuitu incendio conflagravit, ut, praeter quod aqua tegebatur, ne una quidem astula ex eo remaneret. Ipse quoque, cum ultimam in Saxoniam expeditionem contra Godofridum regem Danorum ageret, quadam die, cum ante exortum solis castris egressus iter agere coepisset, vidit repente delapsam caelitus cum ingenti lumine facem a dextra in sinistram per serenum aera transcurrere. Cunctisque hoc signum, quid portenderet, ammirantibus, subito equus, quem sedebat, capite deorsum merso decidit eumque tam graviter ad terram elisit, ut, fibula sagi rupta balteoque gladii dissipato, a festinantibus qui aderant ministris exarmatus et sine amiculo levaretur. Iaculum etiam, quod tunc forte manu tenebat, ita elapsum est, ut viginti vel eo amplius pedum spatio longe iaceret. Accessit ad hoc creber Aquensis palatii tremor et in domibus, ubi conversabatur, assiduus laqueariorum crepitus. Tacta etiam de caelo, in qua postea sepultus est, basilica, malumque aureum, quo tecti culmen erat ornatum, ictu fulminis dissipatum et supra domum pontificis, quae basilicae contigua erat, proiectum est. Erat in eadem basilica in margine coronae, quae inter superiores et inferiores arcus interiorem aedis partem ambiebat, epigramma sinopide scriptum, continens, quis auctor esset eiusdem templi, cuius in extremo versu legebatur: KAROLUS PRINCEPS. Notatum est a quibusdam eodem, quo decessit, anno paucis ante mortem mensibus eas, quae PRINCEPS exprimebant, litteras ita esse deletas, ut penitus non apparerent. Sed superiora omnia sic aut dissimulavit aut sprevit, acsi nihil horum ad res suas quolibet modo pertineret.

[33] Testamenta facere instituit, quibus filias et ex concubinis liberos ex aliqua parte sibi heredes faceret, sed tarde inchoata perfici non poterant. Divisionem tamen thesaurorum et pecuniae ac vestium aliaeque suppellectilis coram amicis et ministris suis annis tribus, antequam decederet, fecit, contestatus eos, ut post obitum suum a se facta distributio per illorum suffragium rata permaneret. Quidque ex his quae diviserat fieri vellet, breviario conprehendit; cuius ratio ne textus talis est:

IN NOMINE DOMINI DEI OMNIPOTENTIS, PATRIS ET FILII ET SPIRITUS SANCTI.

Descriptio atque divisio, quae facta est a gloriosissimo atque piissimo domno Karolo imperatore augusto anno ab incarnatione domini nostri Iesu Christi DCCCXI, anno vero regni eius in Francia XLIII et in Italia XXXVI, imperii autem XI, indictione IIII, quam pia et prudenti consideratione facere decrevit et Domino annuente perfecit de thesauris suis atque pecunia, quae in illa die in camera eius inventa est. In qua illud praecipue praecavere voluit, ut non solum eleimosinarum largitio, quae sollemniter apud Christianos de possessionibus eorum agitur, pro se quoque de sua pecunia ordine atque ratione perficeretur, sed etiam ut heredes sui omni ambiguitate remota, quid ad se pertinere deberet, liquido cognoscere et sine lite atque contentione sua inter se conpetenti partitione dividere potuissent.

Hac igitur intentione atque proposito omnem substantiam atque suppellectilem suam, quae in auro et argento gemmisque et ornatu regio in illa, ut dictum est, die in camera eius poterat inveniri, primo quidem trina divisione partitus est. Deinde easdem partes subdividendo de duabus partibus XX et unam partem fecit, tertiam integram reservavit. Et duarum quidem partium in XX et unam partem facta divisio tali ratione consistit, ut, quia in regno illius metropolitanae civitates XX et una esse noscuntur, unaquaeque illarum partium ad unamquamque metropolim per manus heredum et amicorum suorum eleimosinae nomine perveniat, et archiepiscopus, qui tunc illius ecclesiae rector extiterit, partem quae ad suam ecclesiam data est suscipiens cum suis suffraganeis partiatur, eo scilicet modo, ut pars tertia suae sit ecclesiae, duae vero partes inter suffraganeos dividantur. Harum divisionum, quae ex duabus primis partibus factae sunt et iuxta metropoleorum civitatum numerum XX et una esse noscuntur, unaquaeque ab altera sequestrata semotim in suo repositorio cum superscriptione civitatis, ad quam perferenda est, recondita iacet. Nomina metropoleorum, ad quas eadem eleimosina sive largitio facienda est, haec sunt: Roma, Ravenna, Mediolanum, Forum Iulii, Gradus, Colonia, Mogontiacus, Iuvavum quae et Salzburc, Treveri, Senones, Vesontio, Lugdunum, Ratumagus, Remi, Arelas, Vienna, Darantasia, Ebrodunum, Burdigala, Turones, Bituriges.

Unius autem partis, quam integram reservari voluit, talis est ratio, ut, illis duabus in supradictas divisiones distributis et sub sigillo reconditis, haec tertia in usu cotidiano versaretur, velut res, quam nulla voti obligatione a dominio possidentis alienatam esse constaret, et hoc tamdiu, quoadusque vel ille mansisset in corpore vel usum eius sibi necessarium iudicaret. Post obitum vero suum aut voluntariam saecularium rerum carentiam eadem pars quattuor subdivisionibus secaretur, et una quidem earum supradictis XX et unae partibus adderetur, altera a filiis ac filiabus suis filiisque ac filiabus filiorum suorum adsumpta iusta et rationabili inter eos partitione divideretur, tertia vero consueto Christianis more in usum pauperum fuisset erogata, quarta simili modo nomine eleimosinae in servorum et ancillarum usibus palatii famulantium sustentationem distributa veniret. Ad hanc tertiam totius summae portionem, quae similiter ut ceterae ex auro et argento constat, adiungi voluit omnia ex aere et ferro aliisque metallis vasa atque utensilia cum armis et vestibus alioque aut pretioso aut vili ad varies usus facto suppellectili, ut sunt cortinae, stragula, tapetia, filtra, coria, sagmata, et quicquid in camera atque vestiario eius eo die fuisset inventum, ut ex hoc maiores illius partis divisiones fierent et erogatio eleimosinae ad plures pervenire potuisset.

Capellam, id est ecclesiasticum ministerium, tam id quod ipse fecit atque congregavit, quam quod ad eum ex paterna hereditate pervenit, ut integrum esset neque ulla divisione scinderetur, ordinavit. Si qua autem invenirentur aut vasa aut libri aut alia ornamenta, quae liquido constaret eidem capellae ab eo conlata non fuisse, haec qui habere vellet dato iustae aestimationis pretio emeret et haberet. Similiter et de libris, quorum magnam in bibliotheca sua copiam congregavit, statuit, ut ab his qui eos habere vellent iusto pretio fuissent redempti, pretiumque in pauperibus erogatum.

Inter ceteros thesauros atque pecuniam tres mensas argenteas et auream unam praecipuae magnitudinis et ponderis esse constat. De quibus statuit atque decrevit, ut una ex his, quae forma quadrangula descriptionem urbis Constantinopolitanae continet, inter cetera donaria, quae ad hoc deputata sunt, Romam ad basilicam beati Petri apostoli deferatur, et altera, quae forma rotunda Romanae urbis effigie figurata est, episcopio Ravennatis ecclesiae conferatur. Tertiam, quae ceteris et operis pulchritudine et ponderis gravitate multum excellit, quae ex tribus orbibus conexa totius mundi descriptionem subtili ac minuta figuratione conplectitur, et auream illam, quae quarta esse dicta est, in tertiae illius et inter heredes suos atque in eleimosinam dividendae partis augmento esse constituit.

Hanc constitutionem atque ordinationem coram episcopis, abbatibus comitibusque, qui tunc praesentes esse potuerunt, quorumque hic nomina descripta sunt, fecit atque constituit. Episcopi: Hildibaldus, Richolfus, Arn, Wolfarius, Bernoinus, Laidradus, Iohannes, Theodulfus, Iesse, Heito, Waitgaudus.

Abbates: Fridugisus, Adalungus, Engilbertus, Irmino.

Comites: Walah, Meginherus, Otulfus, Stephanus, Unruocus, Burchardus, Meginhardus, Hatto, Rihwinus, Edo, Ercangarius, Geroldus, Bero, Hildigernus, Hroccolfus.

Haec omnia filius eius Hludowicus, qui ei divina iussione successit, inspecto eodem breviario, quam celerrime poterat post obitum eius summa devotione adimplere curavit.

ago 152011
 

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Curso de História da Igreja

Ensaio do Pe. José Glavan, EP

Para bem aprender o latim eclesiástico é conveniente saber um pouco de História da Igreja. Assim oferecemos ao leitor alguns ensaios de artigos de Pe. José Glavan, EP sobre a admirável aventura dos primeiros cristãos numa sociedade pagã.

Divisão da História

Perseguição e expansão no Império Romano

A Igreja deixa o ninho

O cristianismo perseguido (64-313 d.C.)

Constantino e o Edito de Milão

O que é o montanismo?

Gnosticismo, Marcionismo e Maniqueísmo

Padres da Igreja e os Concílios ecumênicos

Das catacumbas a Constantino

Os sucessores de Constantino: a liberdade da Igreja após o Edito de Milão

(A medida que são publicados os posts serão aqui acrescentados)

jul 092011
 

São Bento de Núrsia

São Bento de Núrsia (480-547) fundador da Ordem dos Beneditinos, hoje uma das maiores ordens monásticas do mundo, foi o autor “Regra de São Bento”, um dos mais importantes documentos utilizados como regulamento da vida monástica, fonte de inspiração de outras comunidades religiosas ao longo da História (LLORCA, Bernardino et al. Historia de la Iglesia Católica. 7 ed. Madrid: BAC, 2009. p. 615; COLOMBÁS et alia. San Bento, su vida y su regla. Madrid: Bac, 1954. p. 124).

Sua Regula Monasteriorum, escrita em latim, conta com 73 capítulos e um prólogo, foi retomada por São Bento de Aniane (século IX) antes das invasões normandas; que a estudou e codificou, dando origem a sua expansão por toda Europa carolíngia, pois a regra de São Bento é uma normatização da vida monástica mais completa e abrandente que as anteriores (ROPS, Daniel. A Igreja dos Tempos Bárbaros. Trad. Emérico da Gama. São Paulo: Quadrante, 1991).

Através da Ordem de Cluny e da centralização de todos os mosteiros que utilizavam a Regula, o modelo de São Bento foi adquirindo grande importância na vida religiosa européia durante a alta Idade Média. Como será considerado, seu exemplo fez surgiu nos séculos subsequentes diversas reformas, as quais buscavam recuperar um regime beneditino mais de acordo com a regra primitiva. Outras reformas (como a camaldulense, a olivetana ou a silvestriana), buscaram também dar ênfase a diferentes aspectos da Regra de São Bento (SASTRE SANTOS, Eutimio. La vita Religiosa nella storia della Chiesa e della società. Milano: Ancora, 1997. p. 140).

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Apesar dos diferentes momentos históricos, nos quais a disciplina, as perseguições ou as agitações políticas causaram uma certa decadência da prática da Regra de São Bento, os mosteiros beneditinos conseguiram manter, durante todos os tempos, um grande número de religiosos e religiosas. Atualmente, a ordem posssui cerca de 700 mosteiros masculinos e 900 mosteiros e casas religiosas femininas, espalhados pelos cinco continentes.

Ao descrever na figura do abade, o segundo capítulo da regula parece aludir a própria missão dos fundadores, que “faz as vezes do Cristo, pois é chamado pelo mesmo cognome que Este, no dizer do Apóstolo” (cf. Rm 8,15; Gal 4,6; SÃO BENTO DE NÚRCIA. Regra de São Bento. Bilingue. Trad. João ENOUT. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1990. p. 21). Em São Bento verifica-se ademais a diferença que há entre o fundador e o patriarca. Este último é uma espécie de ilustre fundador, a cuja família vê-se agregar congregações diversas ao longo dos séculos, como ocorreu posteriormente com São Francisco e São Domingos. Estes fundadores-patriarcas não fundaram todas numerosas congregações de votos simples que portam seu nome, mas essas instituições se nutrem de seu espírito e carisma.

Para Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias (2008), “o essencial da obra de Bento de Núrsia consistiu em fermentar uma sociedade cindida por revoltas, crises e guerras, transformando-a, aos poucos, na era ‘em que a filosofia do Evangelho governou os Estados’”[1]. Para Daniel Rops, a obra de São Bento realizou na prática sobre todo o mundo medieval o pensamento e o objetivo de Santo Agostinho (ROPS, 1991). Llorca afirma que,

“No grande eclipse da civilização antiga que sobreveio no tempo das invasões, apenas permaneceu outra luz, excetuando o florescente império visigótico, que aquela que teve de se refugiar na brilhante constelação de mosteiros espalhados pela França e os países setentrionais, especialmente na remota Irlanda. Os monges foram os transmissores do saber antigo para os séculos futuros” (LLORCA ET AL., 2003, v.2, p. 254, tradução minha).

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História de São Bento de Núrsia – O varão do qual nasceu uma civilização (Português)

Historia de San Benito, abad y patriarca de las religiones monacales de occidente (Español)


[1] Cf. Leão XIII, Immortale Dei, IV, 28. Disponível em: <www.vatican.va>. Acesso em: 18 mar. 2008.