set 012011
 

Perseguições aos primeiros cristãos

Ensaio do Pe. José Arnóbio Glavan, EP

Como vimos, as perseguições movidas pelo Império contra os cristãos, tinham como motivo, a insegurança que o cristianismo produzia ao paganismo, e de modo particular, no culto divino prestado aos imperadores, no que viam estes últimos, seu próprio poder político ameaçado. Não podendo, obviamente, declinar a verdadeira causa, encontravam-se na contingência de apresentar ao povo falsas razões para tal procedimento. Assacavam, assim, contra os cristãos acusações várias: ateísmo, por recusarem prestar culto aos deuses; causa de catástrofes públicas por descontentarem as divindades; banquetes licenciosos nos quais se praticava o canibalismo, numa alusão à Sagrada Eucaristia; etc.

Imperador Trajano

Imperador Trajano

Como vimos essas perseguições tiveram inicio com Nero, no ano de 64dC. Desta data até o começo do quarto século seguiram-se —  com crescente intensidade mas também com longos períodos de calmaria e relativa paz — várias grandes investidas.

Podemos dividir tal história em duas épocas: a primeira que vai de Nero (54-69) ao imperador Felipe, o árabe (244-249), e a segunda, de Décio (249-251) a Constantino Magno que, em 313, pelo edito de Milão põe fim, definitivamente, às perseguições.

Tratamos acima das perseguições de Nero e Domiciano,  que se sucederam no trono imperial com o intervalo pacífico de dois imperadores: Vespasiano e Tito o antigo general da tomada de Jerusalém.

A Domiciano sucedeu Trajano  (98-117). Sob seu governo foi elaborado, para uso das autoridades militares do Império, um regulamento com o qual se pretendia dar aparência de legalidade jurídica à opressão aos seguidores de Jesus Cristo. Previa-se que estes não deveriam ser objeto de busca e captura sumárias, nem valeriam, contra eles, denúncias anônimas. Também seriam “benevolamente” agraciados com a liberdade no caso de renegarem a fé. É deste tempo o famoso martírio do grande apologeta Santo Inácio de Antioquia.

Após as sangrentas perseguições de Marco Aurélio (161-180) sob cujo governo deu-se, provavelmente, o martírio de santa Cecília, e de Septimo Severo (193-211), encerra-se a primeira época de perseguições e segue-se quase meio século de relativa tranqüilidade.

A Segunda época abre-se com o imperador Décio e vai até o edito de liberdade concedido por Constantino I.

Décio (249-251) preocupado com o paulatino enfraquecimento do Império, e do culto pagão oficial, resolveu reforçá-lo, decretando a obrigatoriedade para todos os cidadãos de manifestar por um ato público, sua submissão aos deuses. Para testemunho disso, deveriam oferecer publicamente um sacrifício às divindades, mediante o qual receberiam um libellus (certificado) do cumprimento da lei. As penas de prisão, confisco de bens, escravidão e mesmo a de morte, eram aplicáveis aos refratários. É este o fato novo, que justifica a classificação de uma nova etapa na história das perseguições e que de certo modo altera, fundamentalmente, os procedimentos legais iniciados por Trajano. De fato, para efeito do cumprimento dessa lei, os cristãos podiam já ser procurados e eram estes, naturalmente, os mais visados. Data deste período o glorioso martírio de Santa Águeda.

O resultado foi que a perseguição se intensificou imensamente. Cristãos houve, que diante de ameaças de atrozes sofrimentos, vacilaram acabando por ceder às exigências imperiais; são os lapsi (caídos). Numerosos dentre eles, entretanto, se arrependiam e voltavam implorando o perdão, e não poucos lavavam suas faltas no sangue, pelo martírio que então corajosamente enfrentavam. A Igreja se enriqueceu,  assim, com uma multidão incontável de gloriosos mártires, de ambos os sexos e todas as idades, que povoaram o firmamento da História, e fecundaram, como nunca, a Santa Igreja de Deus. Tal fato provocou o dito célebre de Tertuliano de que esse sangue é semens Christianorum [semente de cristãos](1). Sucederam-se os imperadores Treboniano Galo (251-253), sob cujo governo houve relativa paz, e Valeriano (253-260), que recrudesceu as perseguições. Entretanto, quem se excedeu a todos na violência foi Diocleciano (284-305), que promoveu a última e a mais sangrenta das perseguições.

Imperium_Mapa_Romao_Imperio_Roma_deroma_mapa_Vaticano_MuseusComeçou por reorganizar o império, dividindo-o em duas unidades políticas, instituindo assim  a diarquia (dois governos): a do Oriente, cujo governo reservou a si, e a do Ocidente confiada a Maximiano, soldado rude mas extraordinariamente enérgico. Completou, posteriormente tal reforma, constituindo mais duas unidades e nomeando mais dois imperadores para as governarem, gozando estes, entretanto, de honras inferiores. O título de César Augusto era atribuído aos dois primeiros enquanto aos outros se dava, simplesmente, o de César. Estava instituída assim a chamada   tetrarquia (quatro governos), com dois Augustos e dois Césares, sendo que aos Augustos deveriam suceder, como herdeiros, os Césares, e novos Césares serem nomeados.

Quando Diocleciano instituiu a tetrarquia, havia já trinta anos que os cristãos estavam em paz.  Por toda parte eles se multiplicavam e mesmo entre os funcionários do Império, magistrados, soldados, numerosos eram os cristãos. Dizia-se que as próprias esposa e filha, de Diocleciano, Prisca e Valéria, acalentavam simpatia para com  a religião de Cristo, e até mesmo — certamente exagero — que o César Constâncio Cloro, estava prestes a se converter.

Certo é que por toda parte o paganismo deixava entrever sua ruína próxima. O famoso dito de Tertuliano hipoteticamente dirigido ao Imperador, em começos do III século, é sintomático neste sentido: “Não somos senão de ontem, mas enchemos vossas cidades; vossas casas vossas praças; o Exército e o Conselho Real; os campos e as tribos, vossos palácios o Senado e o Fórum. Se nós nos retirarmos, sereis esmagados por vossa imensa solidão.

Ao que parece foi o César Galério, inimigo do partido de Constâncio Cloro simpático ao Cristianismo, que alertou Diocleciano para esta situação e o induziu a mover a mais atroz de todas as perseguições, desencadeada no ano de 295, e por cerca de dez anos fez correr o sangue de milhares de mártires entre eles Santa Inês, São Sebastião, Santa Catarina de Alexandria, São Brás, Santos Cosme e Damião, entre muitíssimos outros.

Bibliografia

(1) Plures efficimur quoties metimur a vobis, semens est sanguis christianorum (quanto mais somos dizimados por vós tanto mais crescemos, o sangue dos cristãos é semente), in Tertuliano, Apologeticum, 50

ago 232011
 

A Igreja deixa o ninho

Pe. José Glavan, EP

Na Palestina como vimos, onde de suas raízes judaicas nasceu o cristianismo, o desenvolvimento das comunidades foi muito dificultado pela oposição e perseguição que a estrutura oficial do judaismo movia contra os cristãos. Mas mesmo assim não deixaram de crescer, e São Tiago Maior foi, provavelmente, o primeiro apóstolo a morrer por Cristo, na perseguição movida por Herodes Agripa (cf. At 12, 1-2), tornado rei por beneplácito do imperador Calígula. Vinte anos depois a violência  desatou-se contra Tiago Menor o “irmão” do senhor, bispo de Jerusalém. Acusado injustamente pelo sumo sacerdote Anás, foi condenado à morte. Atirado do alto da torre do Templo, conservava ainda um resto de vida que lhe foi, em seguida, arrancada pelo apedrejamento e por golpes de massa, o que lhe valeu, por volta do ano 62, a coroa do martírio.

Musei Capitolini_Romano_Cavaleiro_Imperador_Estatua_Equeste_Museus_Capitolinos_Roma

Os imperadores romanos perseguiam os primeiros cristãos

A perseguição aos cristãos de Jerusalém acabou por favorecer a expansão do cristianismo, levando os Apóstolos e seus discípulos a pregar em terras distantes.

Por outro lado, a presença de alguns grupos nacionalistas radicais dentro do Judaísmo, como os zelotas, ou os sicários, sempre prontos a promover sangrentas rebeliões, exasperava continuamente os romanos provocando violentas reações com sucessivas guerras. No ano 70dC, o general Tito, move uma última guerra contra Jerusalém e inicia um cruel cerco de seis meses, ao fim do qual os soldados romanos transpõem as altas muralhas da cidade, tomam-na e passam os sobreviventes a fio de espada. Estima-se  em um milhão e oitocentos mil as vítimas do cerco e da tomada da cidade.

Um historiador israelita, contemporâneo desses acontecimentos, Flávio Josefo, narra cenas atrozes do acontecimento: durante o cerco, a fome assolou Jerusalém de maneira que os habitantes passaram a cozer o couro dos calçados para com eles se alimentarem, depois de consumidos todos os animais disponíveis, mesmo cavalos cães ratos, e até mesmo o que de mais repugnante encontravam. Não faltaram cenas horríveis de canibalismo: os que sucumbiam pela fome tinham suas carnes objeto de uma sinistra disputa pelos sobreviventes. Josefo conta o caso de uma mãe que sacrificou seu filho recém nascido para alimentar-se de suas carnes, fato que horrorizou até mesmo os mais ferozes bandidos (1). Entre os infelizes que buscavam a fuga, alguns engoliam moedas de ouro para lograrem escapar com suas riquezas. Um deles, porém, foi descoberto, a notícia correu célere, e o resultado foi uma horrível matança de fugitivos, que tinham seus ventres abertos pela espada. O historiador israelita diz que numa só noite dois mil fugitivos encontraram este triste fim.

Tito havia dado ordem para poupar o Templo, pois conhecia bem o que ele representava para os judeus, e não queria levar a vindita além de certo limite. Entretanto, no delírio da matança e da embriaguez, um soldado atirou uma tocha acesa no interior do Templo, provocando um imenso incêndio que destruiu aquele majestoso edifício, onde tantas vezes ressoara a voz do Divino Mestre, e de onde, ao sair, Jesus profetizara seu triste fim (2).

Pouco depois, nova incursão dos romanos leva à completa destruição da cidade. Seus habitantes que alcançaram escapar à sanha sanguinária dos romanos, dispersam-se pelo mundo, principalmente em Alexandria, no Egito, em Roma e no norte da África. No ano 130 o imperador Adriano reconstroe a cidade dando-lhe o nome pagão de Aelia Capitolina, e nos lugares santos, erige templos em honra a Júpiter e Afrodite.

Conta ainda, Josefo, um curioso e trágico episódio: quatro anos antes do cerco de Jerusalém, viu-se um camponês, junto às muralhas da cidade, a bradar: “voz sai do Oriente, voz sai do Ocidente, uma voz vem dos quatro ventos: voz contra Jerusalém e contra o Templo; voz contra os recém nascidos e contra os recém casados; voz contra todo o povo” A partir daí, dia e noite percorria a cidade a repetir as mesmas palavras, e redobrava os brados nos dias de festa. Preso, interrogado e açoitado, a cada pergunta ou açoite respondia sem se queixar: “desgraça para Jerusalém!” Considerado louco inofensivo foi posto em liberdade. Continuou assim por sete anos e meio repetindo, com sempre maior insistência, seus misteriosos vaticínios.

Certo dia, por ocasião do último cerco de Jerusalém enquanto repetia seus habituais brados acrescentou: “desgraça para mim também!” Neste instante cai morto atingido por uma pedra arremessada por uma máquina de guerra dos romanos. Curiosamente, este homem levava o mesmo nome de nosso Divino Redentor: chamava-se Jesus. (3)

Cinqüenta anos após a tomada de Jerusalém, aparece um aventureiro judeu ladrão e celerado, Barcochébas, cujo nome significa “filho da estrela”, dizendo-se a estrela de Jacob (cf. Nm 24, 17) e unicamente por seu nome se apresenta como o verdadeiro Messias (4). Encontra logo uma multidão de crédulos que o seguem, desencadeando assim nova sedição. Uma vez mais os romanos intervêm, sufocam a rebelião e Adriano, depois de executar horrível matança, os deporta para sempre da Judéia. Aliás o levante de Barcochébas não foi o único. Numerosos foram os falsos messias que nesse período se apresentaram, entretanto o que mais impressiona é a facilidade com que conseguiam crédulos adeptos.

Premidos por todas essas catástrofes, e submetidos a diáspora (dispersão) os judeus, representados por rabinos fariseus, se reúnem num sínodo, na cidade de Jâmnia (5), por volta do ano 90dC, onde definiram posições relacionadas à versão hebraica das Sagradas Escrituras, e à disciplina judaica. Alguns anos depois, no início do segundo século, esses mesmos rabinos fariseus vinham a fechar seu cânon das Escrituras, resultando, mais tarde, no chamado Texto Massorético, ou a Bíblia hebraica como hoje se conhece. Naquela época, entretanto, a Igreja já se tinha desligado definitivamente das estruturas do judaismo onde tinha nascido, e se desenvolvia em suas próprias bases institucionais e com sua vida própria, movidas ambas pelo Divino Espírito Santo. Deixava assim seu “ninho” para voar livre, nos horizontes da História da Salvação.

Chegamos assim ao fim do primeiro século e início do segundo, com o que se  encerra o chamado período apostólico — que conhecera a Cristo Nosso Senhor e no qual vivera e atuara os apóstolos e as testemunhas oculares da vida e dos ensinamentos de Jesus —  e se abre o período denominado subapostólico. Abre-se também a era dos Padres da Igreja, e apologetas, como veremos mais adiante.

Bibliografia

(1) Flavio Josefo, “História dos Hebreus”, II, Liv. VI, cap. XXXI, 476, Edit. Da Américas São Paulo, 1963. (2) cf. Mt 1-2; (3) Flavio Josefo op. cit. Liv. V, cap. XXXVI, 429. (4) cf. Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, IV, 6,8; (5) Antiga cidade filistéia na costa mediterrânea a 20 km ao sul de Jafa. Nela se instalou uma escola rabínica célebre, depois de 70 dC foi sede do Sinédrio, e centro espiritual do judaismo até 135dC.

ago 082011
 

No editorial da edição de 28 de fevereiro de Octava dies, o Diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, denuncia a perseguição de que são vítima os cristãos em diversos países como Iraque, Índia, Paquistão e regiões da África. Depois de salientar que a violência anticristã reacendeu nestes dias, o porta-voz do Vaticano alerta: “Os recentes e brutais homicídios confirmam a mesma estratégia sistemática, contra a qual as autoridades parecem não ser capazes de apresentar
soluções eficazes”.

Se eles fazem isto ao lenho verde, que acontecerá ao seco? (Lc 23,31)

Se eles fazem isto ao lenho verde, que acontecerá ao seco? (Lc 23,31)

Em outro campo de observação, o jornal alemão Der Spiegel (1/3/2010) divulga notícia de que os cristãos são considerados o grupo religioso mais perseguido em todo o mundo: na Malásia, incendeiam-se suas igrejas; no Vietnã, a polícia agride e detém sacerdotes e fiéis, e o governo confisca propriedades eclesiásticas; no Egito, alegando crime de “alta traição”, o ministro da religião defende a legalidade da pena de morte para quem se converte ao Cristianismo.
Segundo a ONG Open Doors, 100 milhões de cristãos vivem em países onde não podem conseguir emprego, não têm permissão para construir igrejas nem comprar artigos religiosos. Além dessa forma menos ofensiva de discriminação, há uma mais brutal, que inclui extorsão, roubo, expulsão, sequestro e até assassinato.

jul 262011
 

Alcançada a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma Lei, a  fim de remir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos [como filhos] a sua adoção(Gl 4, 4-5).

Sagrada Família, Paróquia de Bilbao (Espanha)

Sagrada Família, Paróquia de Bilbao (Espanha)

Roma no tempo de Jesus e Maria tinha expandido seu domínio por quase todo o mundo conhecido de então. Era um só e imenso império. Pelas armas das famosas legiões romanas, os povos iam sendo, sucessivamente, submetidos ao poderio dos césares, e se estabelecia, deste modo, a famosa  Pax Romana (paz romana). Singular paz, imposta pela coação e pela força! O Mediterrâneo torna-se um mar romano, o Mare Nostrum (nosso mar). Três milhões de quilômetros quadrados e aproximadamente sessenta milhões de habitantes.

Ao nascer, a Igreja se encontrou dentro deste quadro político-social, e mais uma vez a Divina Providencia dispunha realidades temporais em benefício das espirituais; acontecimentos humanos em vista da edificação e missão da Igreja; meios contingentes e passageiros em função de fins eternos.

De fato, a Igreja, pequena semente de um “Reino que jamais será destruído” (1), de um “império” espiritual, uno e católico (universal) — incomparavelmente maior do que o império dos césares —, encontrou, preparado por Deus, um “canteiro”, também ele uno e universal, no qual deveria constituir-se, desenvolver-se e expandir sua missão.

Um grande pensador cristão dos primeiros tempos do cristianismo, Orígenes,  assim se exprimiu: “Deus preparou os povos e fez com que o Império Romano dominasse o mundo inteiro […] porque a existência de muitos reinos teria sido um obstáculo à propagação da doutrina de Deus sobre a terra” (2). E o famoso teólogo e pregador do século XVII, Bossuet, escreveu: “Deus que, no mesmo tempo, tinha resolvido reunir o povo novo [cristão] de todas as nações, reuniu primeiramente as terras e os mares sob um imenso império” (3).

“Se eles fazem isto ao lenho verde , que acontecerá ao seco?” (LC 23,31) – Primeiras perseguições

Jesus Cristo Nosso Senhor prevenira seus apóstolos de que não propagariam o Evangelho sem sofrerem perseguições (4), e estas lhes vieram abundantemente. De fato, ao se lançarem à tarefa da evangelização ordenada pelo Divino Mestre, seus discípulos, que de início se moviam quase exclusivamente nos meios do judaísmo, encontraram sob o reinado de Herodes Agripa e da parte do Sinédrio, saduceus e fariseus, e das sinagogas, as primeiras perseguições.

Pedro e João são levados ao cárcere (5), violência que se repete com os apóstolos quando chegam a ser açoitados (6), e só foram salvos da morte pela intervenção do famoso rabino Gamaliel (7). O diácono Estevão é também objeto do ódio do Sinédrio. Supliciado pelo apedrejamento, recebeu a glória de ser o primeiro mártir cristão (8). Não tendo ainda a idade exigida pelas leis judaicas para participar de um apedrejamento, um jovem e fogoso fariseu, discípulo de Gamaliel, favorecia e estimulava os executores daquela iníqua sentença de morte, guardando-lhes os mantos. Chamava-se Saulo (9).

Martírio de São Paulo (Museu do Prado, Madrid)

Martírio de São Paulo (Museu do Prado, Madrid)

Pelos caminhos deste jovem fariseu, entretanto, passou Cristo Jesus, e de perseguidor que era fez-se fervoroso anunciador do Evangelho, de Saulo tornou-se  Paulo, o grande Apóstolo das Gentes.

Não demorou para que o Império percebesse o poder de expansão da Igreja nascente, e pressentisse que as poderosas estruturas do paganismo viriam a estremecer em face da extraordinária atração que o Ressuscitado exercia sobre os povos, até então pacificamente submetidos aos falsos deuses.

Corria o ano 54dC, e sobre o trono imperial, sucedendo a Calígula que se fizera adorar como deus erigindo estátua em sua honra no próprio templo de Jerusalém, sentava-se Nero (54-68). No mês de julho de 64dC ocorreu o famoso incêndio de Roma:  por seis dias e seis noites a cidade ardeu em chamas. Muito difundida foi, na ocasião — hipótese que não se pode descartar — a versão de que o próprio imperador, desejoso de alterar o urbanismo da cidade, não encontrou melhor modo do que destruí-la pelo fogo para depois reconstruí-la em padrões novos, alexandrinos. O sinistro espetáculo, o desespero de uma população com milhares de mortos, não era um “divertimento” indiferente ao imperador que passou para a História como lunático e sanguinário.

Crescia na opinião pública a convicção de que Nero era o causador do incêndio, o que fez com que este não recuasse diante da idéia de atribuir aos cristãos a autoria do crime. Para isso determinou a prisão em massa de seguidores de Jesus Cristo, que eram submetidos a atrozes torturas a fim de lhes arrancar falsas confissões. Alguns fraquejaram e se submeteram às imposições dos carrascos, e a partir disso desenvolveu-se uma das mais pavorosas carnificinas que o mundo tenha conhecido: os prisioneiros foram vestidos com peles de animais, conduzidos aos jardins imperiais, e submetidos a uma sinistra caçada, na qual muitos acabavam dilacerados pelos cães.

Ainda não satisfeito com essa barbárie, Nero dispôs que os corpos dos cristãos, vivos,  mortos ou agonizantes, fossem transformados em archotes humanos para iluminar as alamedas de seus jardins, as quais, ele próprio, vestido de cocheiro e conduzindo seu carro, se divertia em percorrer. São Clemente Romano, futuro Papa, foi testemunha ocular desses tenebrosos acontecimentos (10). Segundo o historiador Tácito, foi levada à morte, nesta ocasião, uma multitudo ingens (enorme multidão) (1).

Conta a Tradição que, pelo ano 67dC, os apóstolos São Pedro e São Paulo, padeceram também sob Nero, sofrendo o martírio, sendo o primeiro crucificado de cabeça para baixo, e o segundo, decapitado pela espada, privilégio dos cidadãos romanos.

Pe. Arnobio José Glavam, EP

Bibliografia

(1) cf. Dn 2, 44; (2) cf. Origenes, in Contra Celso, II, 30); (3) Bossuet, Discours sur l’Histoire Universel, Flammarion, Paris, 1963, p.304); (4) cf. Jo 15, 1-20); (5) cf. At 4, 1-22; (6) cf. At 5, 17-42); (7) At 5, 34-39; (8) At 7, 54-60; (9) At 7, 58; 8, 1; )  (10) (cf .Daniel- Rops,  A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, Loyola, 4ª edição, p.183; (11) Tácito, Annales, 15, 44.