nov 012011
 

Acqua alle funi!

Nesse momento de suprema aflição, um dos assistentes, desafiando temerariamente a pena capital, pôs-se a gritar com possante voz: “Água nas cordas!”. Era o único meio de impedir o desastre iminente.
Marcos Enoc Silva Antonio

Para ler em latim, clique aqui (latine)

Ao fiel peregrino ou ao curioso turista, impossível é passar despercebida a presença, bem no centro da Praça de São Pedro, do esguio obelisco encimado por uma cruz de bronze na qual se guarda, como a abençoar o mundo, um fragmento do Santo Lenho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Olebisconapracadesaopedroafrescodabibliotecavaticanapiazzadisantpietroromavaticanocittaciudaddelvaticanovaticancity

Modelado há cerca de 4 milênios em um só bloco de pedra vermelha de Assuão, foi ele transportado de Alexandria para Roma no ano 37 por ordem do imperador Calígula. Estava destinado a ornar a spina ou eixo central do Circo do Vaticano, cuja construção, começada por esse imperador, seria finalizada por Nero.

Foi nesse estádio hoje desaparecido, situado na lateral esquerda da atual Basílica Vaticana, que numerosos cristãos, entre os quais São Pedro, receberam a palma do martírio, tendo o ancestral monólito por muda testemunha dos seus suplícios.

Passaram-se os anos e o circo foi abandonado e transformado em cemitério. O obelisco, porém, manteve-se inamovível, indicando o lugar onde o primeiro Papa oferecera sua vida por Cristo. E assim permaneceu por quinze séculos, até que, em 1586, Sisto V decidiu transladá-lo para sua atual posição, frente à fachada principal da Basílica de São Pedro. Tarefa nada fácil, pois embora ambos locais distem apenas algumas centenas de metros, as proporções do monólito são monumentais: mede quase 25 metros de comprimento, descontados a base e a cruz, e ultrapassa as 350 toneladas de peso.

O planejamento e execução da colossal empresa ficaram a cargo do arquiteto Domenico Fontana, quem após gastar alguns meses fazendo cálculos e testes, fabricando instrumentos e maquinários, deu início às operações com ajuda de 900 homens, 140 cavalos, uma infinidade de roldanas e centenas de metros de corda.

No dia determinado para reerguer na Praça de São Pedro o grande bloco de pedra, 10 de setembro de 1586, os habitantes de Roma acorreram em massa para presenciar essa façanha de engenharia. Visando evitar vozerios e agitações prejudiciais às delicadas manobras, as autoridades impuseram a todos, espectadores e obreiros, a proibição de pronunciar qualquer palavra… sob pena de morte!

Domenico Fontana, o único autorizado a falar, deu ordem para pôr em ação a complexa aparelhagem de andaimes, cordas e roldanas. Ouviam-se apenas os gemidos de esforço dos trabalhadores, o relinchar dos cavalos, o tamborilar de suas patas sobre o solo e o ranger das cordas esticadas.

Vagarosa e solenemente, ia-se erguendo o obelisco… Mas, a certa altura, uma preocupante fumaça começou a desprender-se das cordas de cânhamo, aquecidas pelo esforço a que estavam sendo submetidas. Algumas já estavam prestes a se romper, tornando iminente o desastre. Embora todos sentissem o perigo, ninguém pronunciava palavra, temendo a sentença de morte.

Nesse momento de suprema aflição, um dos assistentes, o Capitão Benedetto Bresca, desafiando temerariamente a pena capital, pôs-se a gritar com possante voz: “Acqua alle funi! – Água nas cordas!”. Marinheiro experimentado, sabia que o cânhamo se enrijece e contrai ao ser molhado, e esse era o único meio de impedir a queda do monólito.

Enquanto a guarda prendia o Capitão Bresca, Domenico Fontana bradava ordens para jogar imediatamente água nas cordas, que logo recuperaram sua resistência. E o obelisco, para alegria dos romanos, endireitou-se sobre sua base coroando com êxito, os meses de planejamento e esforços do arquiteto.

No meio da exultação geral, o Capitão Bresca compareceu diante do Papa, não para receber a sentença de morte, mas sim profundas manifestações de agradecimento. Com efeito, Sisto V, já informado do ocorrido, fez questão de recompensá-lo por sua ousadia e pela oportunidade de sua advertência.

Em prêmio à nobre e intrépida atitude deu-lhe o direito de hastear em seu navio a bandeira pontifícia. Além disso, concedeu à sua família e à sua cidade natal, Bordighera, o privilégio de fornecer, de modo exclusivo, as palmas para a celebração do Domingo de Ramos na Basílica do Vaticano, tradição que, 425 anos depois, ainda se conserva.

(Marcos Enoc Silva Antonio. Revista Arautos do Evangelho. N. 99, Out. 2011, p.50)

Obelisco da Praça de São Pedro, Vaticano

Obelisco da Praça de São Pedro, Vaticano

nov 012011
 

Aquam funibus!

Para ler em português (lusitane)

Legibus, quamvis iustae sint et necessariae, gravissimo casu interdum oboedire non possumus.

Anno 1586º, Sixtus eius nomine V Pontifex Maximus, magnum obeliscum, qui Caligula anno 37º ex Alexandria, ut spina in Gaii et Neronis Circo staret, importare iusserat, apud Sanctum Petrum, qui non longe ab eo Circo aberat, in platea videri voluit; ad hanc rem conficiendam Domenico Fontanae architecto mandatum dedit; obeliscum vero in altitudinem metra 25 et ponderis chiliogrammorum milia 350 erat, quapropter Fontana 900 operariis, 140 equis longissimisque funibus usus est atque ex ligneis virgis magnum tabulatum struxit, eo consilio ut obeliscus levari posset.Olebisconapracadesaopedroafrescodabibliotecavaticanapiazzadisantpietroromavaticanocittaciudaddelvaticanovaticancity

Die autem 10 mensis Decembris Romani incolae ad Sanctum Petrum convenerunt ut magnum opus fieri spectarent; Sixtus autem Papa, suadente Fontana, morte minatus est cuicumque verbum diceret sive spectatori sive operario, nam nisi omnes absolute silerent, architecti voces iussionesque in re valde periculosa non audirentur. Domenicus Fontana qui unice loquebatur operae initium dedit,  compaginesque, machinae, phalangae, rotae, operarum equorumque robore per funes movere coeperunt; audiebantur vero hinnitus et laborantium gemitus et rotarum funiumque tensarum fremitus.

In Fontanae administris erat capitanus Iohannes Bresca, qui cum fumum ex funibus oriri videretur, nam contentione se calefiebant et paene incendebantur, magna voce clamavit “aquam funibus” (“acqua alle funi”); sciebat enim, quod fuerat nauta, cannabinos funes aquarum contractione firmari. Dum Fontana quoque pro funibus aquam operariis imperat et custodes Brescae manum iniciunt ut capitis ob delictum puniatur, funes compaginesque tandem restiterunt operamque omnes feliciter perfectam viderunt. Sixtus V non solum strenuo capitano pepercit sed etiam privilegium dedit ut omni die Domenica Ramorum ipse et concives eius (qui Bordigherae erat natus) palmas apud Sanctum Petrum unice venditarent, quae consuetudo ad nostros dies adhuc servatur.

Fons: fasciculi menstrui quibus titulus (Hisp.) Heraldos del Evangelio, Nº99, Oct. 2011, pág.50, auctore Marcos Enoc Silva Antonio

Scripsit Paulus Kangiser