set 302011
 

Leve ao menos esta lembrança…

Agradecida ao mendigo que salvou a vida de seu filho, a boa mãe lhe deu uma Medalha Milagrosa como lembrança. O andarilho pouco tinha de piedoso, mas ficou comovido com a fé daquela mulher.
Carlos Tonelli

Para ler a versão latina (in latine)

Alegres e despreocupados, Pedro e Maurício, dois meninos de sete anos, voltam da escola pelos caminhos de uma aldeia do interior da Bélgica em fins do século XIX. Passando por uma ponte sobre o rio Meuse que circunda o vilarejo, olham para suas imagens refletidas nas águas e atiram algumas pedras para ver quem conseguia “acertar” o outro. Seguindo adiante, continuam sua brincadeira. De repente, Pedro se aproxima demais do barranco, resvala e cai no rio.

— Socorro! Socorro! — gritava, na margem, Maurício.

— Socorro! — bradava Pedro, que a custo conseguia manter a cabeça fora da água.

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Entretanto, o povoado estava um pouco distante, seus gritos infantis não chegavam até lá. O socorro lhes veio de onde ninguém esperava: um mendigo que descansava embaixo da ponte atirou-se ao rio sem perda de tempo e logo retornou trazendo o menino são e salvo. Depois de acalmar as duas crianças, decidiu acompanhá-las até a aldeia.

Imagine-se o susto da mãe ao ver chegar seu filho, todo molhado, nos braços de um desconhecido maltrapilho. Posta a par do que havia acontecido, agasalhou com todo carinho o filho e logo se voltou para seu benfeitor:

— Como poderei agradecer-lhe, senhor? Sou pobre também, mas quero mostrar-lhe minha gratidão.

— Não se preocupe, senhora. Dê graças ao bom Deus, como dizia minha mãe, por neste dia eu estar descansando debaixo daquela ponte.

— Por favor, gostaria tanto de dar-lhe alguma coisa!

— Bom, já que insiste tanto, um prato de comida não me faria mal, pois há muito tempo não como algo quente.

Transbordante de gratidão, preparou ela para o mendigo o melhor almoço que pôde. Quando este, depois de larga conversa, estava por sair, ela tirou do pescoço do filho uma corrente prateada com a Medalha Milagrosa e lhe disse:

— Meu senhor, leve ao menos esta lembrança. Certa estou de que foi Nossa Senhora quem dispôs tudo, pois todos os dias peço a Ela que proteja meu filho. Tenha sempre esta medalha no pescoço, eu lhe peço. Este é o maior bem que lhe posso fazer.

O andarilho pouco tinha de piedoso, mas ficou comovido com a fé e o zelo maternal daquela mulher, pois esta lhe trouxe à lembrança a doce fisionomia de outra senhora, que há muitos anos ele não via, e que o carregou nos braços quando criança e também o recomendava diariamente à Mãezinha do Céu… Tomou, pois, a medalha, pôs no pescoço, despediu-se e nunca mais foi visto naquela aldeia.

Pedro cresceu e, sendo já um jovem vigoroso, ouviu o chamado de Jesus para abandonar todos os bens desta terra e decidiu ser missionário. Cerca de 20 anos depois do episódio narrado acima, ei-lo sacerdote, designado pelos superiores para atender os doentes pobres num hospital das Irmãs de Caridade, no interior da França.

Cruzou ele pela primeira vez os amenos jardins daquela casa religiosa e foi apresentar-se à Madre Superiora. Esta o cumprimentou com respeito e lhe disse:

— Padre, como é providencial sua chegada! Estamos com um enfermo em estado terminal e em sério risco de morrer impenitente. Por favor, veja logo o que é possível fazer por ele!

O jovem padre dirigiu-se à capela, rogando a Jesus Eucarístico que lhe inspirasse palavras adequadas para tocar aquele coração endurecido. Voltou os olhos para uma imagem da Virgem e implorou-lhe com toda confiança: “Refúgio dos Pecadores, rogai por ele!”

medalhamilagrosaarautosmiraculousmedailnossasenhoradasgracasbrasilmariamaedejesusCom passo sereno, entrou na enfermaria, onde o doente lhe deu a pior acolhida possível:

— Fora daqui! Não quero nada com padres. Fique do lado de fora, você com seus santos!

Disposto a tudo fazer para salvar aquela alma, Pe. Pedro não se deixou abalar por esse rugido de impiedade. Notando que o ímpio falava com um sotaque pouco comum na região, aproveitou-se do fato para entabular uma conversa.

— Ora veja! Você não é francês, não é verdade? Você parece ser… belga. Acertei?

— Sim, e como sabe?

— Pelo seu sotaque. Há quanto tempo está aqui?

Com isso foi se aproximando da cama do enfermo. Mostrando-lhe um sorriso nos lábios e um rosto radiante de bondade, prosseguiu:

— Sabe, sou belga também, da região do vale do rio Meuse, e brinquei muito às suas margens. E você, de onde é?

O doente mostrava-se aliviado em poder conversar um pouco com um conterrâneo. Procurando ser amável ao máximo, o sacerdote conduziu aos poucos a conversa para assuntos religiosos e, discretamente, tirou a estola da maleta.

Vendo isso, o intratável enfermo descarregou sobre ele um novo surto de imprecações, enquanto procurava erguer-se em seu leito. Ao fazer esse movimento, deixou aparecer sobre seu peito desnudo uma corrente prateada da qual pendia uma Medalha Milagrosa.

O Pe. Pedro reconheceu-a imediatamente! Ocultando a forte emoção que sentia, perguntou:

— Diga-me, quem lhe deu essa medalha?

Como resposta, ouviu do infeliz ateu a história de como ele, cerca de 20 anos antes, a ganhara de presente da mãe de um menino que ele havia salvado das águas do rio.

Sem conter alguns soluços, disse-lhe o sacerdote:

— Sou eu esse menino! Estive sempre à procura daquele mendigo. Por ele rezei todos os dias. Desde que sou padre, lembro-me dele em todas as minhas Missas. E agora o encontro aqui! Veja bem, meu amigo e benfeitor, isto é uma prova de quanto Nossa Senhora lhe quer bem. Assim como Ela, há 20 anos, encaminhou você para aquela ponte a fim de me salvar a vida, agora Ela mesma me traz aqui, como sacerdote de Cristo, para salvar sua alma.

Tocado pela graça, o mendigo derramou muitas lágrimas de arrependimento. Depois de uma sincera confissão de toda a sua longa vida de pecados, recebeu a Unção dos Enfermos, depois o Santo Viático, e expirou serenamente na paz do Senhor.

set 112011
 
História para crianças… ou para adultos cheios de fé

Você morreu por mim…

O fanfarrão levantou a cabeça, e os olhos do Cristo pareciam estar cravados nos seus. Esforçou-se, mas não conseguiu escapar desse olhar.
Elizabeth MacDonald

Para visualizar a tradução para o latim por Pablo Kangiser, clique aqui.

fielajoelhadodiantedacruzjesusmorreucatedralpiedadefeamororacaorezaEm meio ao ruído, à fuligem e ao intenso movimento da Quinta Avenida, em Nova York, conversavam diversos rapazes, alguns sentados no chão, outros nos degraus de um dos famosos pontos dessa enorme cidade: a Catedral de São Patrício. Pouco educados, roupas mal cuidadas e atitude frívola, eles eram simplesmente um grupo a mais de jovens que, nos tristes anos da década de 1930, passavam a melhor parte da vida a vagabundear pelas ruas das grandes metrópoles.
Naquela tarde de verão, eles pareciam estar de ânimo mais exaltado que de costume. Um deles — alto, sardento, ruivo e com ares de valentão — era o centro da agitada conversa, melhor dizendo, algazarra. Com muitos gestos, jactava-se de suas brigas e proezas. Na verdade, ele tinha algumas qualidades importantes para quem decidiu passar a maior parte da vida na rua: era ágil, atrevido e desafiante.
Inesperadamente, um de seus companheiros, talvez já farto de tantas fanfarronadas, lançou-lhe um desafio:
— Olha, brigar contra dois ou três, atravessar à noite o rio a nado… muita gente faz. Se você é mesmo corajoso como diz, entre agora nesta igreja “grandona”, vá ao confessionário e faça uma confissão em regra! Vá… Vá, e venha nos contar depois como o padre ouviu seus pecados e que resposta lhe deu…
Essa proposta foi acolhida com uma estrondosa gargalhada. Fazer uma falsa confissão e depois divertir-se à custa do ministro de Deus, nunca ninguém tinha pensado numa tão boa idéia! Todos os olhos estavam fixos no fanfarrão, observando como reagiria.
Este decidiu-se logo. Com ares de bravura, caminhou com passos largos em direção ao imponente portal de bronze da igreja, enquanto seus comparsas o estimulavam com risos, palmas e assobios.

Não obstante, uma vez ultrapassada a maciça porta, viu que de nada lhe adiantava continuar simulando valentia, pois a catedral estava vazia. Os poucos ruídos da cidade que ali penetravam, amainavam-se nas grossas paredes, pareciam transformados e até mesmo em algo enobrecidos. A luz do sol, filtrando através dos vitrais, resplandecia em tons de rubi, safira e esmeralda. Em meio à penumbra, grandes colunas erguiam-se majestosamente do piso de pedra e perdiam-se num céu de ogivas.
Sem perceber, o “herói” da rua ia-se deixando impressionar por esse ambiente de sacralidade totalmente desconhecido para ele, mas logo lembrou-se do objetivo com o qual ali entrara, e reagiu: “Ora bolas! Eu nunca fui de prestar atenção nessas coisas! Vamos terminar com isso!”
Afundou as mãos nos bolsos e caminhou apressado até o confessionário. Percebendo através da grade o vulto de um padre, ajoelhou-se de modo grosseiro e ruidoso, e sem cerimônia lançou uma verdadeira torrente de abominações. Ele não deixou nenhum detalhe oculto; pelo contrário, ressaltou os aspectos que, na sua opinião, deveriam causar maior choque e repulsa. Descreveu tudo num tom de deboche que por certo teria causado surpresa até mesmo a seus camaradas. Após alguns minutos dessa violência verbal, na qual não faltaram injúrias e insultos ao sacerdote, encerrou a “confissão” tão abruptamente como havia começado.
No entanto, recebeu como única resposta um grave silêncio. Meio perplexo, estava já a ponto de levantar-se e sair, quando foi detido pela voz serena e segura do ministro de Deus, o qual tudo ouvira impassível:
— Bem, meu filho, já que você teve a coragem de “confessar” seus pecados, vejamos se é capaz também de cumprir a penitência que vou lhe impor. Na nave lateral da igreja você encontrará um grande crucifixo; pondo-se diante dele, diga em voz alta a seguinte frase, apenas dez vezes: “Você morreu por mim e eu não me importo com isso!”
Por essa o meliante não esperava! Imaginava que o padre ficaria intimidado ou, melhor ainda, furioso. Seu plano era representar a comédia da confissão e retirar-se logo em seguida, para contar à gangue sua espetacular “proeza”, mas pensou um pouco e decidiu prolongar a farsa: “Vou cumprir a penitência, pois isso vai tornar ainda mais divertida a brincadeira!”

Saindo do confessionário, a igreja parecia-lhe ainda mais magnífica que antes… Dirigiu-se para a nave lateral, mas sentiu-se perturbado ao ouvir os sons de seus próprios passos, pois naquele ambiente sacral até as menores coisas eram carregadas de gravidade e significado.
Foi fácil achar o crucifixo. Olhou em volta atentamente e percebeu com alívio que, além dele, só havia ali a silenciosa imagem do Crucificado. Com as mãos enterradas nos bolsos, parou bem em frente e disse em alta voz:
“Você morreu por mim e eu não me importo com isso!”
Sua voz reboou pelos arcos da catedral. Ele não se lembrava de jamais ter estado nalgum lugar tão silencioso como aquela igreja. Inquieto, segurou durante alguns instantes a própria respiração, para ouvir melhor o que acontecia…
Depois de uma pausa, com os olhos fixos no crucifixo, repetiu a frase. Mas já não ousou falar alto, seu tom era quase sussurrado:
“Você morreu por mim e eu não me importo com isso!”
A imagem do crucifixo parecia absorvê-lo… Como explicar isso? Não era senão uma escultura pendurada em um pedaço de madeira. O que havia naquilo capaz de atrair tanto a atenção de alguém? Oh! era a expressividade de toda a figura, especialmente da fisionomia. Como alguém tão cheio de ferimentos poderia estar tão calmo? Era uma calma cheia de paz, e sem ressentimentos, a despeito das provas evidentes de ter sido vítima dos mais violentos maus-tratos.
O rapaz parou, hesitante, e esfregou os olhos. “Droga, estou ficando impressionado…” Após uma pausa maior que a anterior, repetiu a terrível frase:
“Você morreu por mim e… eu… eu… não me importo com isso!”
Dessa vez, porém, disse olhando para o chão. “Como é isso? Então não tenho coragem de fitar uma estátua?” Levantou a cabeça, e os olhos do Cristo pareciam estar cravados nos seus. Esforçou-se, mas não conseguiu escapar desse olhar. Começou a sentir um suor na testa. Tentou mais uma vez:
“Você morreu por mim e… eu… eu… não…”
Não terminou a frase. Sua voz ressoava em seus próprios ouvidos como um carrilhão. Parecia-lhe que já nada mais havia em torno de si. Somente aquele olhar, fincado no seu. As palavras latejavam em sua cabeça: “Morreu por mim… Morreu por mim… Morreu por mim…”

Quando se deu conta, estava ajoe­lhado, ou melhor, sentado sobre as próprias pernas, e tinha o rosto coberto de lágrimas. Quanto tempo teria ficado ali? Com dificuldade, levantou-se, e parecia mudado. Em algum lugar de seu coração, acendera-se uma luz. Agora ele via claramente que existe um Deus, e este Deus é bom. Não, não podia mais rir d’Ele, não podia mais ofendê-Lo. Não podia mais pecar!
Saiu correndo, de volta ao confessionário. Lá continuava pacientemente o mesmo sacerdote, ao qual fez uma autêntica e sincera confissão. Algumas semanas depois, os franciscanos recebiam mais um noviço. Milagres como esse, só os faz Aquele manso e silencioso mártir pendente do madeiro. Aquele cujos divinos olhos possuem mais eloqüência do que todas as palavras que já foram ou serão ditas…