jul 102012
 
As abelhas são símbolos de Cristo que nos dão o doce mel graça e a cera que produz a luz, tal como a fé

As abelhas são símbolos de Cristo que nos dão o doce mel graça e a cera que produz a luz, tal como a fé

“Alguns disseram que nas abelhas há uma parte da mente divina e do espírito etéreo”. O verso é de Virgílio, um grande poeta latino. A frase está presente num clássico poema do autor chamado Georgica. Há nesses versos uma profunda consideração acerca do instinto das abelhas, esses insetos admiráveis pelo senso de orientação, pela tenacidade no trabalho e pela fidelidade à comunidade. Já os antigos pagãos admiravam-se desse animalzinho do qual procede o benefício da doçura, com o mel de seus favos, e da luz, com a cera da qual se produz as velas.

Mais tarde, os cristãos dos primeiros tempos souberam ver os predicados desse animal a fim de ver nele uma figura de Cristo, que trouxe ao mundo a doçura da graça e a luz preciosa da fé. Essa imagem é inclusive usada no Praeconium pascal cantado na vigília do Sábado Santo. Indiretamente, parece estar presente no altar simbolizado pela vela, ou ainda no batismo, quando em certas comunidades cristãs dos primeiros séculos, dava-se ao recém batizado um pouco de mel.

Por outro lado, no poema abaixo, há uma noção acerca da onipresença divina. E de fato, ensina São Tomás de Aquino que Deus está presente sob três formas em sua Criação: primeiro, por potência, influxo ou poder, pois tudo está submetido a seu domínio; segundo, por presença, visão ou conhecimento, pois tudo está patente e como que descoberto a seus olhos; terceiro, por essência ou substância, pois Ele está em tudo, como causa de seu ser. Há ainda outras presenças de Deus, como a inabitação na alma do justo, realizada através da graça. Também a presença pessoal ou hipostática, única e exclusivamente de Cristo, pela qual sua humanidade adorável subsiste na própria pessoa do Verbo Divino. Por isso Ele é pessoalmente Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada. Temos, ademais, a presença sacramental ou eucarística, na qual Jesus Cristo está realmente presente sob as espécies do pão e do vinho. Há, por fim, a presença de visão ou manifestação, que é a do Céu. Deus está presente em toda parte, porém, não Se deixa ver em todo lugar, mas somente no Céu. Só na Visão Beatífica Ele Se manifesta face a face aos bem-aventurados. 

Ladeados por uma despretensiosa e literal tradução para o português, acompanhemos os versos do poeta latino nos quais se percebe, caso compararmos com a doutrina católica, uma insipiente noção a respeito da onipresença de Deus na criação tanto como Criador do Universo assim como inabitando as criaturas, especialmente nas astutas abelhas, talvez até confundindo-se com elas (o que seria um erro chamado panteísmo), mas de fato, conferindo-lhes a beleza da vida e a finalidade da existência.

Vergilius, Georgica IV.219-227

His quidam signis atque haec exempla secutiesse apibus partem divinae mentis et haustus aetherios dixere;deum namque ire per omnis terrasque tractusque maris caelumque profundum;

hinc pecudes, armenta, viros, genus omne ferarum,

quemque sibi tenuis nascentem arcessere vitas:

scilicet huc reddi deinde ac resoluta referri

omnia, nec morti esse locum, sed viva volare

sideris in numerum atque alto succedere caelo.

 

Deste sinal e seguindo este exemplo, alguns disseram que nas abelhas há uma parte da mente divina e do espírito etéreo;e de fato deus penetra em cada coisa, na terra e no movimento do mar e no céu profundo; 

Assim, as manadas, os rebanhos, os homens, cada espécie das feras,

cada um, ao nascer busca uma vida impalpável:

a saber, para ele [deus] cada coisa é restituída e retorna dissolvida,

e pela morte não há espaço, mas tudo aquilo que  é vivo, voa

 no número das estrelas e sucede no alto céu.

 

Autor: Marcos Eduardo Melo dos Santos

fev 232012
 

8 motivos para estudar latim

037_20071016_gk51. A língua latina passou para a História como o idioma no qual a maioria dos autores clássicos, medievais e modernos escreveram suas obras. Desde os antigos (Sêneca, Cícero, Terêncio e Júlio César) passando pelos medievais (Santo Agostinho, Santo Isidoro, São Tomás de Aquino e São Anselmo) até os modernos (Isaac Newton, Descartes, Erasmo, Copérnico, Francis Bacon e Thomas Morus) legaram à humanidade obras em latim. Inclusive Nietzsche tem livros e frases famosas em latim.

2. Essa língua é considerada uma das maiores fontes do conhecimento ocidental em diversas disciplinas como teologia, história, direito, filosofia, poesia e ciências biológicas, físicas e químicas. O conhecimento do latim dá acesso à fonte original do pensamento contemporâneo. Sem o conhecimento ainda que básico desse idioma não pode haver pesquisa e pensamento profundo.

3. O latim é a língua da qual derivou as línguas romances, isto é, o português, o espanhol, o francês, o italiano e o romeno. A aprendizagem do latim facilita a compreensão e o aprofundamento das línguas românicas. É a origem do português, a língua de nossa pátria.

4. Segundo diversos pesquisadores que com seus estudos confirmaram o senso comum dos nossos antepassados, a língua latina desenvolve o raciocínio abstrato e analítico por causa do uso das declinações. Cria o hábito da análise sintética durante a leitura e a fala, tornando gradualmente o pensamento mais organizado ao disciplinar a mente.  Segundo alguns confere maior clareza de julgamento.

5. Aumenta a capacidade de concentração e proporciona maior agilidade mental. De tal forma o latim é benéfico para a vida intelectual que ainda hoje em países de fala alemã, se estuda o latim.

6. O Direito Romano é o fundamento dos princípios que regem a legislação atual. Não é preciso explicar a importância do latim para o jargão de um estudante ou docente de direito.

7. Para um católico, o latim se torna ainda mais necessário, pois com exceção da Bíblia, as fontes teológicas, ou seja, os documentos pontifícios e a maioria dos escritos patrísticos, foram escritos em seu original na língua latina.

8.  A liturgia do Rito Latino assim como o cântico gregoriano foram escritos originalmente em latim.

Lucretius, De rerum natura III.1-30 – Hino de Epicuro

 Classici  Comentários desativados em Lucretius, De rerum natura III.1-30 – Hino de Epicuro
nov 302011
 

Vimos no último post de nossa seção de textos clássicos o vagido da alma pagã em busca de Deus desconhecido. Após degustarmos o Hino a Vênus pelo qual Lucrécio inicia seu poema epicurista De Rerum Natura, veremos neste post o hino ao fundador da escola filosófica que Lucrécio havia aderido. Trata-se de seu Hino de Epicuro, no qual o poeta latino exalta o gênio do filosófo que teria desvendado a verdade acerca da natureza das coisas. Mais uma vez vê-se o desejo do povo romano em busca do conhecimento e da verdade, e um pouco da sede do Deus até então desconhecido.

Mosel 50

Quid enim contendat hirundo cycnis?

Lucretius, De rerum natura III.1-30 – Hino de Epicuro

E tenebris tantis tam clarum extollere lumenqui primus potuisti inlustrans commoda vitae, te sequor, o Graiae gentis decus, inque tuis nunc ficta pedum pono pressis vestigia signis, non ita certandi cupidus quam propter amorem quod te imitari aveo; quid enim contendat hirundo cycnis, aut quid nam tremulis facere artubus haedicon simile in cursu possint et fortis equi vis? tu, pater, es rerum inventor, tu patria nobis suppeditas praecepta, tuisque ex, inclute, chartis, floriferis ut apes in saltibus omnia libant, omnia nos itidem depascimur aurea dicta, aurea, perpetua semper dignissima vita.

Ó tu que primeiro pudeste, de tão grandes trevas, fazer sair um tão claro esplendor, esclarecendo-nos sobre os bens da vida, a ti eu sigo, ó glória do povo grego, e ponho agora meus pés sobre os sinais deixados pelos teus, não por qualquer desejo de rivalizar contigo, mas porque por amor me lanço a imitar-te. De fato, como poderia a andorinha bater-se com o cisne, que poderiam fazer de semelhante em carreira os cabritos de trêmulos membros e os fortes, vigorosos cavalos? Tu, ó pai, és o descobridor da verdade, tu me ofereces lições paternais, e é nos teus livros que nós, semelhantes às abelhas que nos prados floridos tudo libam, vamos de igual modo recolhendo as palavras de ouro, de ouro mesmo, as mais dignas que houve desde que o tempo é tempo.

Nam simul ac ratio tua coepit vociferari naturam rerum divina mente coorta diffugiunt animi terrores, moenia mundi discedunt. totum video per inane geri res. apparet divum numen sedesque quietae, quas neque concutiunt venti nec nubila nimbis aspergunt neque nix acri concreta pruina cana cadens violat semper<que> innubilus aether integit et large diffuso lumine ridet: omnia suppeditat porro natura neque ulla res animi pacem delibat tempore in ullo. at contra nusquam apparent Acherusia templa, nec tellus obstat quin omnia dispiciantur, sub pedibus quae cumque infra per inane geruntur. his ibi me rebus quaedam divina voluptas percipit atque horror, quod sic natura tua vi tam manifesta patens ex omni parte retecta est.

Logo que a tua doutrina, obra de um gênio divino, começa a proclamar a natureza das coisas, dispersam-se os terrores do ânimo, apartam-se as muralhas do mundo, e vejo como tudo se faz pelo espaço inteiro. Aparece o poder divino e as mansões tranquilas que nem os ventos abalam, nem as nuvens regam com suas chuvas, nem a branca neve, reunida pelo frio agudo, profana, caindo, e que um límpido céu sempre protege e que sempre riem na luz largamente difundida. Tudo lhes fornece a natureza, nada lhes toca em tempo algum a paz da alma. E, pelo contrário, jamais aparecem as regiões do Aqueronte, e a Terra não impede que se veja tudo o que, sob nossos pés, sucede nos espaços vazios; perante tudo isto me tomam divina volúpia e temeroso respeito, pelo fato de a natureza, descoberta pelo teu gênio, assim se ter manifestado abertamente em completa nudez (Tradução de Agostinho da Silva).

Lucretius, De rerum natura III.1-30 – Inno di Epicuro

E tenebris tantis tam clarum extollere lumenqui primus potuisti inlustrans commoda vitae,te sequor, o Graiae gentis decus, inque tuis nuncficta pedum pono pressis vestigia signis,non ita certandi cupidus quam propter amoremquod te imitari aveo; quid enim contendat hirundocycnis, aut quid nam tremulis facere artubus haediconsimile in cursu possint et fortis equi vis? tu, pater, es rerum inventor, tu patria nobissuppeditas praecepta, tuisque ex, inclute, chartis,floriferis ut apes in saltibus omnia libant,omnia nos itidem depascimur aurea dicta,aurea, perpetua semper dignissima vita.

Ó tu que primeiro pudeste, de tão grandes trevas, fazer sair um tão claro esplendor, esclarecendo-nos sobre os bens da vida, a ti eu sigo, ó glória do povo grego, e ponho agora meus pés sobre os sinais deixados pelos teus, não por qualquer desejo de rivalizar contigo, mas porque por amor me lanço a imitar-te. De fato, como poderia a andorinha bater-se com o cisne, que poderiam fazer de semelhante em carreira os cabritos de trêmulos membros e os fortes, vigorosos cavalos? Tu, ó pai, és o descobridor da verdade, tu me ofereces lições paternais, e é nos teus livros que nós, semelhantes às abelhas que nos prados floridos tudo libam, vamos de igual modo recolhendo as palavras de ouro, de ouro mesmo, as mais dignas que houve desde que o tempo é tempo.

Nam simul ac ratio tua coepit vociferarinaturam rerum divina mente coorta diffugiunt animi terrores, moenia mundi ndiscedunt. totum video per inane geri res. apparet divum numen sedesque quietae, quas neque concutiunt venti nec nubila nimbis aspergunt neque nix acri concreta pruina cana cadens violat semper<que> innubilus aether integit et large diffuso lumine ridet:omnia suppeditat porro natura neque ulla res animi pacem delibat tempore in ullo. at contra nusquam apparent Acherusia templa, nec tellus obstat quin omnia dispiciantur, sub pedibus quae cumque infra per inane geruntur. his ibi me rebus quaedam divina voluptas percipit atque horror, quod sic natura tua vi tam manifesta patens ex omni parte retecta est.

Logo que a tua doutrina, obra de um gênio divino, começa a proclamar a natureza das coisas, dispersam-se os terrores do ânimo, apartam-se as muralhas do mundo, e vejo como tudo se faz pelo espaço inteiro. Aparece o poder divino e as mansões tranqüilas que nem os ventos abalam, nem as nuvens regam com suas chuvas, nem a branca neve, reunida pelo frio agudo, profana, caindo, e que um límpido céu sempre protege e que sempre riem na luz largamente difundida. Tudo lhes fornece a natureza, nada lhes toca em tempo algum a p

nov 112011
 

Lucretius, De rerum natura I.1-28 – Hino à Vênus

Marcos Eduardo Melo dos Santos

O texto do autor romano Lucrécio com que abrimos a seção de clássicos no Praecones Latine é cheio de surpresas. Com genialidade ou incoerência este texto engana o leitor inexperiente. Segundo os estudiosos que analisam este trecho da obra De Rerum Natura do filósofo latino Titus Lucretius Caro (94 a. C. a 50 a. C.), o poema sobre a natureza das coisas expõe a filosofia epicurista como a chave que poderia desvendar os segredos do universo e garantir a felicidade humana. O poema propõe libertar os romanos da crença em deuses através do conhecimento da filosofia epicurista. É um poema que defende o ateísmo. Embora o poema contenha hinos a deuses pagãos, Lucrécio tenta justamente negar a existência de deus atribuindo a criação do Universo e a harmonia do cosmos a uma espécie de força espiritual superior que se identifica  com a própria ordem natural das coisas. Por este lado o poema poderia ser chamado de naturalista. Por que Lucrécio uso deste artifício literário? Queira ele fugir das perseguições daqueles que defendiam a religião de estado do Império? Queria ele mostrar sua genialidade? Hesitam na resposta os especialista. Deixemos que o leitor conclua.

ArvoresOutono_Frace_Franca_Grand Canyon du VerdonMundovegetalplantasUm esclarecimento que me parece importante. Ele usa a imagem de Vênus não para evocar a presença da deusa ou fazer alusão ao instinto procriativo do homem, mas apenas para mostrar que a natureza é a mãe do universo e geradora da vida, e Vênus bem poderia representar para Lucrécio este papel: o da “mãe natureza”.

Claro que para nós católicos a doutrina epicurista se distancia da Fé Cristã pela qual acreditamos que a origem e a manunteção do cosmos se deve a Deus. Por mais que o poema seja pagão e epicurista, nele encontramos alguns atributos divinos que os antigos latinos chegaram a ver através da razão natural. O hino à Venus bem poderia louvar, com poucas adaptações, a Deus e a Nossa Senhora. Nestes versos vemos como Deus se revela aos pagãos através de suas obras como outrora o Apóstolo São Paulo explicou no primeiro capítulo de sua carta dirigida aos romanos. Neste hino se vê o desejo de Deus, do conhecimento do Criador, numa alma que não tem a Revelação; que não conheceu a Jesus e nem o ensinamento dos Patriarcas e Profetas do Antigo Testamento. É um poema contraditório, mas genial, que revela a profunda incoerência da alma pagã. É um poema ateu que fala de Deus, de alguém que tenta negar a existência da divindade, mas que relega à humanidade, querendo ou não,  belos versos sobre a grandeza divina. É o grito da alma pagã em busca do Deus desconhecido. Acompanhemos os versos latinos com a tradução de Agostinho da Silva.

Aeneadum genetrix, hominum divomque voluptas, alma Venus, caeli subter labentia signa quae mare navigerum, quae terras frugiferentis concelebras, per te quoniam genus omne animantum concipitur visitque exortum lumina solis: te, dea, te fugiunt venti, te nubila caeli adventumque tuum, tibi suavis daedala tellus summittit flores, tibi rident aequora ponti placatumque nitet diffuso lumine caelum. Ó mãe dos Enéadas, prazer dos homens e dos deuses, ó Vênus criadora, que por sob os astros errantes povoas o navegado mar e as terras férteis em searas, por teu intermédio se concebe todo o gênero de seres vivos e, nascendo, contempla a luz do sol: por isso de ti fogem os ventos, ó deusa; de ti, mal tu chegas, se afastam as nuvens do céu; e a ti oferece a terra diligente as suaves flores, para ti sorriem os plainos do mar e o céu em paz resplandece inundado de luz.
Nam simul ac species patefactast verna diei et reserata viget genitabilis aura favoni, aëriae primum volucris te, diva, tuumque significant initum perculsae corda tua vi.  Inde ferae pecudes persultant pabula laeta et rapidos tranant amnis: Ita capta lepore te sequitur cupide quo quamque inducere pergis. Denique per maria ac montis fluviosque rapacis frondiferasque domos avium camposque virentis omnibus incutiens blandum per pectora amorem efficis ut cupide generatim saecla propagent. Apenas reaparece o aspecto primaveril dos dias e o sopro criador do Favônio, já livre, ganha forças, primeiro te celebram e à tua vinda, ó deusa, as aves do ar, pela tua força abaladas no mais íntimo do peito; depois, os animais bravios e os rebanhos saltam pelos ledos pastos e atravessam a nado as rápidas correntes: todos, possessos do teu encanto e desejo, te seguem, aonde tu os queiras levar. Finalmente, pelos mares e pelos montes e pelos rios impetuosos, e pelos frondosos lares das aves, e pelos campos virentes, a todos incutindo no peito o brando amor, tu consegues que desejem propagar-se no tempo, por meio da geração.
Quae quoniam rerum naturam sola gubernas nec sine te quicquam dias in luminis oras exoritur neque fit laetum neque amabile quicquam, te sociam studeo scribendis versibus esse, quos ego de rerum natura pangere conor Memmiadae nostro, quem tu, dea, tempore in omni omnibus ornatum voluisti excellere rebus.  quo magis aeternum da dictis, diva, leporem. Visto que sozinha vais governando a natureza e que, sem ti, nada surge nas divinas margens da luz e nada se faz de amável e alegre, eu te procuro, ó deusa, para que me ajudes a escrever o poema que, sobre a natureza das coisas, tento compor para o nosso Mêmio, a quem tu, ó deusa, sempre quiseste conceder todas as qualidades, para que excedesse aos outros. Dá pois a meus versos, ó Vênus divina, teu perpétuo encanto.
nov 112011
 

Lucretius, De rerum natura I.1-28 – Hino à Vênus

Marcos Eduardo Melo dos Santos

O texto do autor romano Lucrécio com que abrimos a seção de clássicos no Praecones Latine é cheio de surpresas. Com genialidade ou incoerência este texto engana o leitor inexperiente. Segundo os estudiosos que analisam este trecho da obra De Rerum Natura do filósofo latino Titus Lucretius Caro (94 a. C. a 50 a. C.), o poema sobre a natureza das coisas expõe a filosofia epicurista como a chave que poderia desvendar os segredos do universo e garantir a felicidade humana. O poema propõe libertar os romanos da crença em deuses através do conhecimento da filosofia epicurista. É um poema que defende o ateísmo. Embora o poema contenha hinos a deuses pagãos, Lucrécio tenta justamente negar a existência de deus atribuindo a criação do Universo e a harmonia do cosmos a uma espécie de força espiritual superior que se identifica  com a própria ordem natural das coisas. Por este lado o poema poderia ser chamado de naturalista. Por que Lucrécio uso deste artifício literário? Queira ele fugir das perseguições daqueles que defendiam a religião de estado do Império? Queria ele mostrar sua genialidade? Hesitam na resposta os especialista. Deixemos que o leitor conclua.

ArvoresOutono_Frace_Franca_Grand Canyon du VerdonMundovegetalplantasUm esclarecimento que me parece importante. Ele usa a imagem de Vênus não para evocar a presença da deusa ou fazer alusão ao instinto procriativo do homem, mas apenas para mostrar que a natureza é a mãe do universo e geradora da vida, e Vênus bem poderia representar para Lucrécio este papel: o da “mãe natureza”.

Claro que para nós católicos a doutrina epicurista se distancia da Fé Cristã pela qual acreditamos que a origem e a manunteção do cosmos se deve a Deus. Por mais que o poema seja pagão e epicurista, nele encontramos alguns atributos divinos que os antigos latinos chegaram a ver através da razão natural. O hino à Venus bem poderia louvar, com poucas adaptações, a Deus e a Nossa Senhora. Nestes versos vemos como Deus se revela aos pagãos através de suas obras como outrora o Apóstolo São Paulo explicou no primeiro capítulo de sua carta dirigida aos romanos. Neste hino se vê o desejo de Deus, do conhecimento do Criador, numa alma que não tem a Revelação; que não conheceu a Jesus e nem o ensinamento dos Patriarcas e Profetas do Antigo Testamento. É um poema contraditório, mas genial, que revela a profunda incoerência da alma pagã. É um poema ateu que fala de Deus, de alguém que tenta negar a existência da divindade, mas que relega à humanidade, querendo ou não,  belos versos sobre a grandeza divina. É o grito da alma pagã em busca do Deus desconhecido. Acompanhemos os versos latinos com a tradução de Agostinho da Silva.

Aeneadum genetrix, hominum divomque voluptas, alma Venus, caeli subter labentia signa quae mare navigerum, quae terras frugiferentis concelebras, per te quoniam genus omne animantum concipitur visitque exortum lumina solis: te, dea, te fugiunt venti, te nubila caeli adventumque tuum, tibi suavis daedala tellus summittit flores, tibi rident aequora ponti placatumque nitet diffuso lumine caelum. Ó mãe dos Enéadas, prazer dos homens e dos deuses, ó Vênus criadora, que por sob os astros errantes povoas o navegado mar e as terras férteis em searas, por teu intermédio se concebe todo o gênero de seres vivos e, nascendo, contempla a luz do sol: por isso de ti fogem os ventos, ó deusa; de ti, mal tu chegas, se afastam as nuvens do céu; e a ti oferece a terra diligente as suaves flores, para ti sorriem os plainos do mar e o céu em paz resplandece inundado de luz.
Nam simul ac species patefactast verna diei et reserata viget genitabilis aura favoni, aëriae primum volucris te, diva, tuumque significant initum perculsae corda tua vi.  Inde ferae pecudes persultant pabula laeta et rapidos tranant amnis: Ita capta lepore te sequitur cupide quo quamque inducere pergis. Denique per maria ac montis fluviosque rapacis frondiferasque domos avium camposque virentis omnibus incutiens blandum per pectora amorem efficis ut cupide generatim saecla propagent. Apenas reaparece o aspecto primaveril dos dias e o sopro criador do Favônio, já livre, ganha forças, primeiro te celebram e à tua vinda, ó deusa, as aves do ar, pela tua força abaladas no mais íntimo do peito; depois, os animais bravios e os rebanhos saltam pelos ledos pastos e atravessam a nado as rápidas correntes: todos, possessos do teu encanto e desejo, te seguem, aonde tu os queiras levar. Finalmente, pelos mares e pelos montes e pelos rios impetuosos, e pelos frondosos lares das aves, e pelos campos virentes, a todos incutindo no peito o brando amor, tu consegues que desejem propagar-se no tempo, por meio da geração.
Quae quoniam rerum naturam sola gubernas nec sine te quicquam dias in luminis oras exoritur neque fit laetum neque amabile quicquam, te sociam studeo scribendis versibus esse, quos ego de rerum natura pangere conor Memmiadae nostro, quem tu, dea, tempore in omni omnibus ornatum voluisti excellere rebus.  quo magis aeternum da dictis, diva, leporem. Visto que sozinha vais governando a natureza e que, sem ti, nada surge nas divinas margens da luz e nada se faz de amável e alegre, eu te procuro, ó deusa, para que me ajudes a escrever o poema que, sobre a natureza das coisas, tento compor para o nosso Mêmio, a quem tu, ó deusa, sempre quiseste conceder todas as qualidades, para que excedesse aos outros. Dá pois a meus versos, ó Vênus divina, teu perpétuo encanto.
nov 082011
 

O latim possui uma história de mais de 2000 anos. Devido às diferenças que podem ser encontradas nos textos dos diversos momentos desta longa história o latim é divido em períodos. No latim pré-literário (do século VII a.C. ao século II a.C., ) e no latim arcaico (do século III até o final do século II a.C.)  a ortografia e a gramática ainda não estavam padronizadas.

O Período do latim clássico (do final do século I a.C. até c. 14 d.C)  corresponde à idade de ouro da literatura latina, destacando-se os autores Terentius, Marcus Tullius Cicero, Servius Sulpicius Rufus, Gaius Julius Caesar,Titus Lucretius Carus, Marcus Porcius Cato Uticensis, Publius Valerius Cato, Gaius Valerius Catullus, Publius Vergilius Maro, Quintus Horatius Flaccus, Titus Livius, Publius Ovidius Naso e Marcus Verrius Flaccus. Neste período as regras gramaticais e a ortografia estavam bem definidas sobretudo com Cícero. Da Idade de prata dos latim clássico ou latim imperial (de 14 d.C a cerca de 120 d.C) descata-se os autores Fedro, Sêneca, o Jovem, Plínio o Velho, Petrônio, Pérsio, Quintiliano, Lucano, Marcial, Estácio, Tácito, Plínio o Jovem, Suetônio, Juvenal, Aulo Gélio e Apuleio.

Do latim tardio (do século II ao século V)  destacamos os seguintes autores São Jerônimo, Santo Agostinho, Boécio, Ausônio, Claudiano,  Tertuliano, Santo Ambrósio, Girolamo e Amiano Marcelino. Considera-se latim medieval os escritos dos séculos século VI ao século XIV. O latim renascentista (do século XIV ao XVII) e por fim o Neolatim (ou latim científico), do século XVII ao século XIX.

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nov 082011
 

O latim possui uma história de mais de 2000 anos. Devido às diferenças que podem ser encontradas nos textos dos diversos momentos desta longa história o latim é divido em períodos. No latim pré-literário (do século VII a.C. ao século II a.C., ) e no latim arcaico (do século III até o final do século II a.C.)  a ortografia e a gramática ainda não estavam padronizadas.

O Período do latim clássico (do final do século I a.C. até c. 14 d.C)  corresponde à idade de ouro da literatura latina, destacando-se os autores Terentius, Marcus Tullius Cicero, Servius Sulpicius Rufus, Gaius Julius Caesar,Titus Lucretius Carus, Marcus Porcius Cato Uticensis, Publius Valerius Cato, Gaius Valerius Catullus, Publius Vergilius Maro, Quintus Horatius Flaccus, Titus Livius, Publius Ovidius Naso e Marcus Verrius Flaccus. Neste período as regras gramaticais e a ortografia estavam bem definidas sobretudo com Cícero. Da Idade de prata dos latim clássico ou latim imperial (de 14 d.C a cerca de 120 d.C) descata-se os autores Fedro, Sêneca, o Jovem, Plínio o Velho, Petrônio, Pérsio, Quintiliano, Lucano, Marcial, Estácio, Tácito, Plínio o Jovem, Suetônio, Juvenal, Aulo Gélio e Apuleio.

Do latim tardio (do século II ao século V)  destacamos os seguintes autores São Jerônimo, Santo Agostinho, Boécio, Ausônio, Claudiano,  Tertuliano, Santo Ambrósio, Girolamo e Amiano Marcelino. Considera-se latim medieval os escritos dos séculos século VI ao século XIV. O latim renascentista (do século XIV ao XVII) e por fim o Neolatim (ou latim científico), do século XVII ao século XIX.

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