jul 072011
 

História de São Bento de Núrsia – O varão do qual nasceu uma civilização

Deus o chamou para ser o “grande patriarca do monaquismo ocidental”. A ordem por ele fundada fez nascer das ruínas do Império Romano a cultura e a civilização européias.

Pe. Pedro Morazzani Arráiz, EP

O orgulhoso e outrora invicto Império Romano dissolvia-se devastado pelas hordas avassaladoras dos invasores bárbaros. Tudo cedia diante deles: exércitos, muralhas, instituições e costumes eram varridos pela maré montante dos novos dominadores.

“O navio afunda!” — exclamava São Jerônimo, que escreveu com tristeza ao receber a notícia da queda de Roma: “A minha voz se extingue; os soluços embargam-me as palavras. Está tomada a ilustre Capital do Império!”

A civilização parecia se desfazer num dramático ocaso sem esperança.

Entretanto, uma estrela luzia nessa escuridão desconcertante, indicando o verdadeiro rumo dos acontecimentos: na cidade de Hipona cercada pelos vândalos, Santo Agostinho escrevia “A Cidade de Deus”, proclamando que o mundo nascido do paganismo soçobrava irremediavelmente, e a Cidade de Deus — a Santa Igreja Católica — não apenas jamais seria destruída, mas sempre triunfaria sobre qualquer adversidade.

Que meios, porém, e que homens utilizaria Deus para desse caos fazer emergir a ordem e o esplendor?

Vocação do varão providencial

Nos tempos evangélicos, o Divino Mestre chamara obscuros pescadores para serem as colunas de sua Igreja. Agora o Espírito Santo escolhia um jovem para renovar essa sociedade convulsionada e instaurar uma nova civilização.

No entanto — oh, paradoxo! — esse rapaz, cujo nome era Bento, nascido de nobre família da Núrsia, em 480, sentiu em si o apelo do Senhor para O seguir no silêncio e na solidão.

Seus pais o enviaram a Roma para estudar. Mas logo percebeu ele que, para corresponder ao sobrenatural desejo que ardia em seu coração, não podia permanecer naquele mare magnum, misto de barbárie e cultura romana decadente.

Assim, na flor da juventude e sem nunca ter manchado sua inocência batismal, abandonou casa, haveres e estudos, e partiu à procura dum lugar ermo onde pudesse adquirir o conhecimento e o amor de Deus.

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“Desejava mais os desprezos que os louvores do mundo”

A cidade de Enfide (atual Affile), a cerca de 50 quilômetros de Roma, foi o local escolhido para o seu recolhimento. Ali se instalou com sua antiga governanta, que lhe prestava os serviços domésticos.

Um pequeno incidente caseiro foi ocasião para o seu primeiro milagre. Encontrou certo dia a governanta chorando porque, por descuido, deixara quebrar um crivo de argila que havia pedido emprestado a uma vizinha para limpar trigo. Compadecendo-se dela, Bento tomou os pedaços do crivo, pôs-se em oração e ele se reconstituiu de forma tão perfeita que nem se notava sinal algum de fratura.

Logo se espalhou a notícia desse milagre, trazendo-lhe muita fama. Ele que, segundo relata o Papa São Gregório Magno, “desejava mais os desprezos que os louvores deste mundo”, fugiu da casa de Enfide, indo procurar refúgio num lugar solitário chamado Subiaco, onde se alojou numa minúscula gruta.

Uma grande tentação, uma vitória definitiva

A caminho de Subiaco, ele encontrou-se com Romano, monge que vivia num mosteiro próximo dali. Em determinados dias, Romano fazia descer por uma corda um pedaço de pão até a gruta de Bento. Durante certo tempo, foi esta a única fonte de alimentação do jovem ermitão. Em breve, porém, tornou-se ele conhecido na região, e muitas pessoas, vindo procurar nutrimento para suas almas, traziam-lhe alimento para seu corpo.

Nesse período, sofreu o jovem as mais duras tentações diabólicas. Fortemente provado em certa ocasião contra a virtude da pureza, viu-se a ponto de ceder e até mesmo abandonar sua solidão. Ajudado, porém, pela graça divina, reagindo, despojou-se de sua vestimenta e se atirou numa moita de espinhos e urtigas, na qual se revolveu durante longo tempo. Saiu com o corpo todo ferido, mas com a alma livre da tentação.

Tentativa de envenenamento

Nos três anos em que passou nesse lugar em completo isolamento, espalhou-se a fama de sua santidade. Tendo falecido o abade de um mosteiro existente por perto, os monges vieram pedir-lhe para assumir esse cargo. De início, Bento recusou, porém, ante a grande insistência dos religiosos, acabou por aceitar. Em pouco tempo, contudo, esses tíbios monges — arrependidos de terem escolhido por superior um homem que lhes exigia o caminho da perfeição — decidiram matá-lo, pondo veneno no seu vinho. O Santo traçou um grande sinal-da-cruz sobre a jarra de cristal que lhe foi apresentada e esta se despedaçou.

Compreendendo bem o que isso significava, Bento abandonou no mesmo dia o mosteiro de monges relaxados e regressou à estimada solidão de sua gruta.

Nasce a Ordem Beneditina

Atraídos pelo brilho de suas virtudes e a fama de seus milagres, muitos varões sedentos de sobrenatural foram para junto da gruta para viverem sob sua direção. Formaram-se, assim, sucessivas comunidades. Ao todo, São Bento erigiu ali doze mosteiros, escolhendo um abade para cada casa.

Estava fundada a Ordem Beneditina.

Nessa época, Subiaco começou a ser visitada por pessoas importantes de Roma que traziam os filhos para serem educados segundo o espírito beneditino. Dentre estes, o Santo abade recrutou dois de seus melhores discípulos: São Mauro e São Plácido.

Grande taumaturgo

Deus concedeu com largueza a seu servo o dom dos milagres.

O abastecimento de água de três dos mosteiros construídos sobre alta montanha acarretava grandes trabalhos aos monges. Estes foram pedir-lhe para se mudarem. Nessa noite, Bento rezou nesse local durante bom tempo e, antes de descer, marcou um ponto com três pedras. No dia seguinte disse àqueles monges:

— Ide e cavai no rochedo onde encontrardes três pedras superpostas.

Feito isso, de lá brotou água que jorra em abundância até hoje.

Bento havia aceitado como monge um homem godo “pobre de espírito”. Certo dia, deu-lhe por missão desbastar o mato à beira do lago para ali plantar uma horta. O homem cortava com vigor o matagal quando a foice desprendeu-se do cabo e caiu no lago, num lugar profundo. Aflito, foi ele confessar a São Mauro sua “falta”. Bento, posto a par do sucedido, foi ao local e enfiou na água a ponta do cabo. Nesse momento a foice subiu do fundo do lago e prendeu-se de novo no cabo.

— Toma, trabalha e não te aflijas mais — disse o santo Abade ao monge.

Muitos outros milagres operou Deus por intermédio de seu fiel servidor. Ele curou doentes, salvou pessoas de perigos, expulsou demônios, fez um monge andar sobre as águas, e até ressuscitou um menino morto.

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“Eu estava presente…”

Outro dom singular que aprouve ao Senhor conceder-lhe é o de estar presente em espírito junto a seus filhos espirituais, onde fosse necessária sua vigilância de Pai e Fundador. Dois episódios ilustram bem esse prodigioso privilégio.

Prescrevia a regra que os monges nada comessem nem bebessem quando saíssem do mosteiro para cumprir alguma incumbência. Um dia dois monges, tendo ficado fora até muito tarde, aceitaram hospitalidade de uma piedosa mulher que lhes serviu alimento e bebida. Voltando ao mosteiro, foram pedir a bênção a São Bento, que os interpelou:

— Onde comestes?

— Em nenhum lugar — responderam eles.

— Por que mentis? Acaso não entrastes na casa de tal mulher e ali comestes tal e tal coisa, e bebestes tantas vezes?

Os dois culpados prostraram-se a seus pés e lhe pediram perdão.

Havia perto de Subiaco uma comunidade de virtuosas mulheres consagradas ao serviço do Senhor, às quais o Santo enviava com freqüência um monge para lhes dar assistência espiritual. Certo dia, o monge encarregado dessa missão aceitou de presente delas alguns lenços e os escondeu sob o hábito, em seu peito. Regressando ao convento, foi severamente repreendido por São Bento e ficou estupefato pois, tendo já se esquecido da falta cometida, não atinava com o motivo da repreensão. Então o santo Abade lhe disse: “Acaso não estava eu presente quando recebeste das servas de Deus os lenços e os guardaste em teu peito?”

Alvo de perseguições

Em todos os tempos e lugares, é próprio dos Santos serem alvo da incompreensão e do ódio dos asseclas do demônio. O sacerdote de uma igreja próxima de Subiaco, tomado de inveja, começou a denegrir o gênero de vida de Bento, procurando afastar de sua santa influência todos que podia. Vendo frustrados seus esforços, enviou de presente a Bento um pão envenenado, com o fito de matá-lo. Fracassado também este intento, chegou ao cúmulo de introduzir no jardim do mosteiro sete mulheres de má vida, com esperança de corromper os jovens monges.

Compreendendo que tudo isso era feito com intuito de persegui-lo pessoalmente, Bento nomeou prepostos seus em cada um dos doze mosteiros que havia fundado, e retirou-se de Subiaco.

Monte Cassino, o caminho para a restauração

Dirigiu-se então a Cassino, uma cidadezinha fortificada a meio caminho entre Roma e Nápoles. Havia lá um templo pagão no qual camponeses da região rendiam culto a Apolo. Ao redor do templo, mantinham eles cuidadosamente alguns bosques nos quais ofereciam sacrifícios ao demônio. Ali chegando, o homem de Deus destruiu o ídolo, abateu os bosques e transformou o edifício em igreja erguendo nela um oratório a São João Batista e outro a São Martinho de Tours.

Em seguida, deu início à construção do famoso mosteiro de Monte Cassino, o qual teve por único arquiteto o santo Abade e como construtores os próprios monges.

O mosteiro de Monte Cassino foi a resposta de Deus à decadência do mundo de sua época. Exemplo de governo patriarcal e de sociedade verdadeiramente cristã, em meio às nações bárbaras, exerceu enorme influência sobre os costumes privados e públicos, tanto na ordem espiritual quanto na temporal. Bispos, abades, príncipes e homens de todas as classes visitavam o Santo, seja para lhe pedir um conselho, seja pela amizade e estima que tinham por ele. Potentados da época, às vezes depois de conquistas e vitórias, iam com freqüência refugiar-se secretamente em Monte Cassino para se embeberem um pouco do espírito beneditino.

Descobriu-se, assim, após o desmoronamento do Império Romano, o caminho para a renovação.

A Regra dos Monges

Enquanto erguia o edifício do novo mosteiro, São Bento erigia interiormente a Obra beneditina sobre uma base mais firme que a rocha, escrevendo sua inspirada e famosíssima Regra dos Monges. Tem ela por objetivo desprender o coração humano das trivialidades, facilitando à alma elevar-se a Deus sem obstáculos, com um proceder sempre sereno, tendo em vista a vida eterna. Com seu conhecido aforismo “Ora et labora” (Reza e trabalha), a Regra tem o mérito de harmonizar no monge a oração e a ação, a ascese e a mística.

A Regra escrita por São Bento produziu benéficos frutos em toda a Cristandade. Este sábio conjunto de normas vigorou quase com exclusividade nos mosteiros de Ocidente durante oito séculos.

A santidade e o espírito valem mais que a Regra

Entretanto, mais que a Regra, foram a santidade e o espírito de seu Fundador que deram à Ordem Beneditina a estabilidade, a força de expansão e a eficácia da sua ação civilizadora. Inspirados pela busca da perfeição na obediência, no esplendor da liturgia, no primor do canto gregoriano e no amor à beleza posta a serviço de Deus, os filhos de São Bento exerceram um papel fundamental na cultura, nos costumes e nas instituições das nações que formaram a Cristandade medieval.

A Ordem de São Bento teve um extraordinário surto de desenvolvimento a partir do século X, com a fundação da Abadia de Cluny. No seu apogeu, 17 mil mosteiros estavam subordinados a ela. Nações inteiras foram convertidas à Fé cristã pelos discípulos do santo Patriarca. Muitas famosas universidades — Paris, Cambridge, Bolonha, Oviedo, Salamanca, Salzburgo — nasceram como desdobramentos de colégios beneditinos. Inúmeros mártires deram valorosamente a vida pronunciando o nome de seu Fundador. Plêiades de cardeais, bispos e santos doutores tinham-no por mestre. Mais de 30 papas seguiram sua inspirada Regra. Finalmente, há 1500 anos, incontáveis almas se consagram a Deus sob a égide de sua santa Instituição.

Pode-se, pois, com toda propriedade, comparar ao grão de mostarda da parábola do Divino Mestre a Obra do Pai do Monaquismo Ocidental: “É esta a menor de todas as sementes, mas, quando cresce, torna-se um arbusto maior que todas as hortaliças, de sorte que os pássaros vêm aninhar-se em seus ramos” (Mt 13,32).

Morreu de pé, como valente guerreiro

O santo Abade anunciou com meses de antecedência a data de sua morte. Seis dias antes, mandou preparar a sepultura. Logo foi atacado por violenta febre. Como a enfermidade se agravava cada vez mais, no dia anunciado fez-se conduzir ao oratório onde, fortalecido pela recepção da Santíssima Eucaristia e apoiado nos braços de seus discípulos, morreu de pé com as mãos levantadas aos Céus e os lábios pronunciando a última oração.

Era o dia 21 de março de 547. Foi enterrado no local onde havia outrora edificado o oratório de São João Batista, em Monte Cassino.

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A última visita de Santa Escolástica

Escolástica, fundadora do ramo feminino da Ordem Beneditina, era irmã gêmea de São Bento e estava desde a infância consagrada a Deus. Todo ano ela lhe fazia uma visita para conversarem sobre os assuntos relativos à vida eterna. O santo Abade a recebia numa casa pertencente ao Mosteiro de Monte Cassino, situada não longe dali.

No ano da partida da Santa para o Céu (547), veio ela como de costume, e seu santo irmão foi encontrá-la na mencionada casa, acompanhado de alguns de seus discípulos. Passaram todo o dia em elevados colóquios, os quais se prolongaram até uma hora avançada da noite. Pressentindo que estava próximo o dia de sua morte, Escolástica disse a seu irmão:

— Suplico-te que não vás agora, para podermos conversar até amanhã sobre as alegrias da vida celestial.

— Que me dizes, irmã?! De modo algum posso passar a noite fora do mosteiro!

Ante essa resposta, a Santa apoiou nas mãos a cabeça e rezou durante alguns instantes. Até então, o céu estava plácido e límpido. Quando, porém, ela levantou a cabeça, desabou uma chuva torrencial, com relâmpagos e trovões tão violentos que o Abade e seus discípulos não podiam sequer pensar em sair da casa.

— Que Deus todo-poderoso te perdoe, irmã! O que fizeste?

— Supliquei a ti e não quiseste atender-me. Roguei ao meu Senhor e Ele ouviu-me. Agora sai, se podes, e regressa ao mosteiro…

São Bento compreendeu que deveria conceder por força aquilo que, por amor à Regra, ele não tinha querido dar voluntariamente. E assim passaram em vigília toda aquela noite, discorrendo sobre a vida espiritual.

Três dias depois, estando recolhido em sua cela, São Bento viu a alma de Santa Escolástica sair do corpo em forma de uma pomba e elevar-se ao Céu. Comunicou o fato aos monges e enviou alguns deles para buscar aquele santo cadáver, o qual foi depositado no sepulcro que ele havia preparado para si próprio.

“Assim, nem sequer a sepultura pôde separar os corpos daqueles cujas almas haviam permanecido sempre unidas no Senhor”— conclui São Gregório Magno na sua obra “Vida de São Bento”.

Fundamental para a unidade da Europa

Ao explicar as razões pelas quais escolheu o nome Bento, assim se expressou o Santo Padre, na primeira Audiência Geral do pontificado, em 27 de abril:

O nome Bento recorda também a extraordinária figura do grande “Patriarca do Monaquismo Ocidental”, São Bento de Núrsia, co-padroeiro da Europa juntamente com os santos Cirilo e Metódio e as mulheres santas, Brígida da Suécia, Catarina de Sena e Edith Stein. A expansão progressiva da Ordem Beneditina por ele fundada exerceu uma influência enorme na difusão do Cristianismo em todo o Continente. Por isso São Bento é muito venerado também na Alemanha e, em particular, na Baviera, a minha terra de origem; constitui um ponto de referência fundamental para a unidade da Europa e uma forte chamada às irrenunciáveis raízes cristãs da sua cultura e da sua civilização.

Deste Pai do Monaquismo Ocidental conhecemos a recomendação deixada aos monges na sua Regra: “Nada anteponham absolutamente a Cristo” (Regra 72, 11; cf. 4, 21). No início do meu serviço como Sucessor de Pedro peço a São Bento que nos ajude a manter firme a centralidade de Cristo na nossa existência. Que ele esteja sempre no primeiro lugar nos nossos pensamentos e em cada uma das nossas atividades!

jun 222011
 

Quem foi o autor do hino gregoriano Adoro te devote?

O mundo viu nascer Tomás de Aquino no ano de 1225, no castelo de Roccasecca, próximo a Nápoles, na Itália. Dos sete filhos do conde Landolfo d’Aquino, Tomás era o mais novo. Aos cinco anos, foi enviado ao famoso Convento de Monte Cassino, para lá ser educado. Seu tio, Sunibaldo, era abade e encarregou-se de sua formação. Tudo indica que sua família também ansiava que ele viesse a ser o superior daquele prestigioso mosteiro.
Pouco se sabe deste período de sua vida, a não ser que o “pequeno monge”, ao percorrer o majestoso claustro daquela abadia, inquiria os religiosos sobre um tema que não saía da sua mente: “Que é Deus?”. Não passaram para a história as respostas proferidas. Contudo, parece certo dizer que ninguém lhe respondeu satisfatoriamente, pois, desde criança, ele fez dessa primeira indagação a força motriz que o impulsionaria a produzir a maior obra teológica de todos os tempos.
Ao ingressar na vida acadêmica, rapidamente destacou-se pela prodigiosa fecundidade de pensamento. Esse doutor que mereceu ser chamado “Angélico”, foi um grande luzeiro posto por Deus no meio de sua Igreja, a fim de esclarecer, confortar e animar as almas pelos séculos futuros. Viveu apenas 49 anos, dedicando a metade de sua vida à nobre e árdua tarefa de ensinar nos mais importantes centros universitários da França, Itália e Alemanha.
Guilherme de Tocco, seu primeiro e principal biógrafo, afirmou que “nas aulas o seu gênio começou a brilhar de tal forma e a sua inteligência a revelar-se tão perspicaz, que repetia aos outros estudantes as lições dos mestres de maneira mais elevada, mais clara e mais profunda do que as tinha ouvido” (1).
São Tomás soube unir harmoniosamente a santidade com a genialidade, e a erudição com a virtude, a fim de produzir a maior obra teológica de todos os tempos. Durante os quase oito séculos que separam sua existência da nossa, foi ele sempre exaltado com eloquentes louvores pelos Papas, em termos não comuns em documentos pontifícios.
O Papa João XXII, em 1318, afirmou: “Ele sozinho iluminava a Igreja mais que os outros doutores. Lendo seus livros um homem aproveita mais em um ano do que durante toda a sua vida”(2). São Pio V, em 1567, não foi menos categórico: “A Igreja fez dela a sua doutrina teológica, por ser a mais certa e a mais segura de todas”. E o Papa Leão XIII, em 1892, disse que “se se encontram doutores em desacordo com São Tomás, qualquer que seja o seu mérito, a hesitação não é permitida; sejam os primeiros sacrificados ao segundo”. Por sua vez, o Concílio Vaticano II aconselha que São Tomás seja seguido nos Seminários e nas Universidades católicas. O Papa Paulo VI, comentando esse fato, disse: “é a primeira vez que um Concílio Ecumênico recomenda um teólogo, e este é precisamente São Tomás de Aquino”.

São Tomás de Aquino

São Tomás de Aquino

Festa de Corpus Christi e o Adoro te Devote

Como vimos no post anterior História da solenidade de Corpus Christi e a sequência Lauda Sion (letra em português e latim), São Tomás compôs o ofício litúrgico para a Festa de Corpus Christi. Além da sequência Lauda Sion, o Doutor Angélico compôs o Adoro te devote, o qual disponibilizamos aos leitores de Praecones Latine em sua versão original latina e tradução portuguesa.

Letra do Adoro te Devote em português

1. Devotamente Vos adoro, ó Divindade escondida,
velada realmente nesta figuras:
Meu coração a Vós se submete plenamente,
que desfalece inteiro, Vos contemplando.

2. A vista, o tato, o paladar aqui se enganam,
só o que ouço sustenta a minha Fé.
Pois creio no que disse o Filho do Deus vivo;
E nada há mais verdadeiro que a palavra da Verdade.

3. Na Cruz estava oculta só a divindade;
Aqui também se oculta a humanidade;
Contudo numa e outra creio e confesso,
o que pedia o ladrão arrependido, peço.

4. Como Tomé não vejo as chagas,
por meu Deus, contudo, Vos proclamo.
Que eu creia sempre mais e mais,
em Vós espere, que eu Vos ame.

5. Ó lembrança da morte do Senhor!
Pão vivo que ao homem dais a vida.
Concedei à minha alma em Vós viver,
que a ela seja doce Vos pertencer.

6. Senhor Jesus, pelicano cheio de ternura,
purificai-me por Vosso Sangue, eu imundo.
Deste Sangue pelo qual uma só gota,
basta para limpar os crimes ao mundo.

7. Ó Deus, que agora velado vejo,
concedei ao ardor de meus desejos,
que vendo-Vos um dia face a face,
em gáudio contemple Vossa glória eternamente. Amém.

Letra do Adoro te devote em latim

Para ouvir o cântico gregoriano executado pelos Arautos do Evangelho, clique aqui.

1. Adóro te devóte, látens Déitas,
quae sub his figúris vere látitas:
Tíbi se cor méum tótum súbjicit,
quia te contémplans tótum déficit.

2. Vísus, táctus, gústus in te fállitur,
sed audítu sólo tuto créditur:
Crédo quídquid dixit Déi Fílius:
Nil hoc Vérbo veritátis vérius.

3. In crúce latébat sóla Déitas,
at hic látet simul et humánitas:
Ambo tamen crédens atque cónfitens,
péto quod petívit látro páenitens.

4. Plágas, sicut Thóma, non intúeor:
Déum tamen méum te confíteor:
Fac me tíbi semper magis crédere,
in te spem habére, te dilígere.

5. O memoriále mórtis Dómini,
pánis vívus vítam praestans hómini,
praésta méae ménti de te vívere,
et te ílli semper dúlce sápere.

6. Píe péllicáne Jésu Dómine,
me immúndum múnda túo sánguine,
cújus úna stílla sálvum fácere
tótum múndum quit ab ómni scélere.

7. Jesu, quem velátum nunc aspício,
oro, fiat illud quod tam sítio,
ut te reveláta cernes fácie,
visu sim beátus tuae glóriae. Amen.

Bibliografia
(1) Guillelmus de Tocco: Storia Sancti Thome de Aquino, ed. C. Le Brun Gouanvic, Pontifical Institute of Medieval Studies, Toronto, 1996.
(2) As citações mencionadas neste parágrafo encontram-se na obra: Odilão, Moura. Prefácio a Exposição Sobre o Credo. In: Tomás De Aquino. Exposição Sobre o Credo. 4ª ed. São Paulo: Loyola, 1981. pp. 11-16.