jul 152011
 

A misteriosa origem da vida consagrada

Marcos Eduardo Melo dos Santos

Seriam os religiosos herdeiros dos profetas do Antigo Testamento? Seriam eles continuadores da missão de Santo Elias? Não será Santo Elias o fundador da Vida Consagrada?

O profetismo se sintetiza na emblemática figura de Santo Elias. Um homem capaz de dominar as chuvas, de ressuscitar mortos, de produzir milagrosamente durante três anos trigo e azeite, de fazer chover fogo do céu, etc.

Elias é o profeta. De tal maneira ele sintetiza a missão profética que foi escolhido pelo Senhor Transfigurado para representar o profetismo no monte Tabor.

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A palavra profeta deriva do grego, πρoφήτης, prophétes. É aplicada uma à pessoa imbuída de inspiração divina, capaz de pronunciar um oráculo, ou ainda, a um indivíduo apto a predizer acontecimentos futuros. (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005).

O Antigo Testamento, denomina-os primeiramente como videntes (I Sm 9,9). Ao profeta, Deus não apenas revelava os acontecimentos futuros, por meios de sonhos, visões ou aparições, mas o constituia como conselheiro e instrutor acerca da Lei de Deus. Gozava assim de enorme influência sobre as consciências de Israel.

A expressão “filhos dos profetas”, designava todos aqueles que se tornavam discípulos ou auxiliares dos profetas, os quais se constituiam em verdadeira comunidades (CANALS CASAS, 1994, p. 31).

De acordo com o texto bíblico, tais conglomerados surgiram em Israel já na época de Samuel (Cf. 1Sm 10,5-6.10-13; 19,20-24), seu apogeu se deu nos tempos de Santo Elias e Santo Eliseu (1 Rs 18,4.13.19-40; 2 Rs 2,13-16; 4,1.38-44; 6,1-7; 9,1); e parecem ter desaparecido na época do exílio (Zc 7,3; Ne 6,10-14). Seu carisma primava pelo caráter cultual, sua vida está vinculada aos santuários da época, como Ramá, Betel, Jericó e o Monte Carmelo (CANALS CASAS, 1994, p. 31).

Os filhos dos profetas viviam sobretudo no seguimento do Profeta, o qual portava uma graça ou um carisma semelhante aos fundadores na Nova Lei. Do profeta os discípulos auriam a doutrina, o espírito e o modo de viver.

Santo Elias é o herdeiro das antigas comunidades proféticas pré-exílicas. É considerado pelos Padres da Igreja como “fundador da vida consagrada” (SMET, 1987, p. 12). Santo Atanásio declara que “a vida ascética tem um modelo no qual pode refletir-se, como se fosse um espelho: o exemplo do grande Santo Elias” (ATHANASIUS. Vita Antonii, 7, PG, 854). Por sua vez, São Jerônimo não hesita em afirmar:

Cada modo de vida tem seu guia. Os bispos e sacerdotes têm aos apóstolos e aos homens apostólicos como modelos, aos que devem imitar para poder assim participar da dignidade deles. Nós esforçamo-nos em imitar a nossos Paulos, Antonios, Julianos, Macarios, e – se temos de recorrer à autoridade das Escrituras – nosso chefe é Elias, nosso é Eliseu, nossos são os filhos dos Profetas, que viveram nos campos e lugares solitários e plantam suas tendas nas margens do Jordão (SÃO JERÔNIMO. Epistula 58 ad Paulinum. PL 22, 583).

Outras comunidades religiosas se autodenominam herdeiros espirituais do carisma eliático, como os Hassidim e os Essênios, assim como no cristianismo com a ordem carmelitana.

Tal como os levitas, Santo Elias estava voltado ao serviço exclusivo de Deus; à repulsa de qualquer culto idolátrico; a seguir a voz de Deus conforme as inspirações e visões. O filhos dos profetas, por sua vez, deveriam seguir o profeta, servindo-o e obedecendo-o, hariundo no convívio com Mestre seu espírito e doutrina.

Jonadabe e os Recabitas

Segundo o livro de Jeremias (35,1ss), os recabitas eram descendentes de Jonadabe, filho de Recab, o queneu, o qual viveu por volta do nono século antes de Cristo. Ensinou a seus descendentes a se absterem de vinho, bem como não edificarem casas em cidades e praticarem a agricultura (COLOMBÁS, 2004, p. 28).

Os recabitas formavam um autêntico clã, algo semelhante a uma ordem religiosa nômade (cf. 2Rs10,15-33). Não lhes era próprio habitar em cidades, mas sim em tendas no deserto. Só se retiraram à Jerusalém por ocasião das invasões sírias e caldéias. Até a época da narrativa de Jeremias permaneciam fieis ao estilo de vida implantado pelo fundador Jonadabe. Em 250 anos de fidelidade os recabitas se constituíram numa comunidade ascética cuja existência e o mérito são referidos pelo profeta Jeremias (Cf. Jr 34,6-7ss; 2Rs 10,15-17; CANALS CASAS, 1994, p. 33). Na teologia dos fundadores, os recabitas são exemplo de como o carisma do fundador dado aos discípulos é dotado de uma potência capaz de transpor os séculos mesmo em épocas tão antigas.

Assideus

O nome assideu deriva do hebraico hassidim, e significa misericordioso (Sl 30:5 [A. V. 4], 31:24 [23], 37:28). No entanto, no primeiro livro dos Macabeus (1Mc 2,29.42-43), o termo se refere a um determinado grupo de pessoas no sentido de mártires. Os assideus caracterizam-se por um profundo amor a lei; pela busca da perfeição; como pessoas generosas no perdão, mas intransigentes diante da transgressão da lei; e que durante certas festas judaicas costumavam recolher-se por determinado tempo à oração e à abstinência (CANALS CASAS, 1994, p. 33).

Em épocas ulteriores, os ‘Hassidim são contados como um ideal do judaísmo, tornando-se inclusive um título de respeito no trato corrente. Devido a sua integridade gozaram de grande influência sobre o povo judeu, tornando-se símbolo da independência de Israel contra o domínio estrangeiro (2 Mac 16,6).

Com a consolidação do poderio romano na Palestina é provável que se tenham tornado uma associação de doutores da lei ou um partido político-religoso como os saduceus, mas para muitos autores a origem e o fim dos assideus permanecem ainda obscura. Há ainda outra corrente de exegetas e historiadores que os identificam com os essênios devido à aproximação linguística do radical das duas palavras tanto na língua hebraica como na grega. Ambos termos significam “piedosos” ou “santos”.

Essênios e Qumrã

Os Essênios (Issi’im) constituíam um grupo judaico ascético que teve existência entre 150 a.C. e 70 d.C. São comumente relacionados com outros grupos religioso-políticos, como os saduceus (COLOMBÁS, 2004, p. 21).

O nome essênio provém do termo sírio asaya, e do aramaico essaya ou essenoí, todos com o significado de médico, no grego therapeutés, e, finalmente, por esseni no latim. Não se sabe ao certo donde deriva este nome. Baseado em Filón de Alexandria e Flávio Josefo é provável que o vocábulo derive de hesén-hasaya, que significa “santo-venerável”. Se autodenominavam como “filhos do novo pacto”. São considerados herdeiros das comunidades proféticas e de Santo Elias (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005).

Na Bíblia não há qualquer menção sobre eles. Tudo que se sabe a seu respeito colhe-se do historiador judeu Flávio Josefo e do filósofo, também judeu, Filón de Alexandria. Outra fonte para o conhecimento da vida desta comunidade religiosa são os manuscritos de Qumrã. Todavia, os especialistas constatam que os essênios de Qumrã não são exatamente os mesmos daqueles descritos por Josefo e Filón, devido o fato evidente de que os dois escritores judeus possam idealizá-los em suas descrições. Entretanto, os essênios são de fato o grupo que oferece mais elementos da vida ascética veterotestamentária (SCHÜRER, 1985).

A História desde grupo religoso parece iniciar-se durante o domínio da Dinastia Hasmonéia, quando foram perseguidos e por esta razão refugiados nos desertos, vivendo em comunidades sob o estrito cumprimento da lei. Este isolamento os fez diferenciar-se do judaísmo comum que aliás estava corroído pela helenização. Acredita-se que a crise que desencadeou esse isolamento do judaísmo ocorreu quando os príncipes Macabeus, Jonathan e Simão, usurparam o ofício do Sumo Sacerdote dando-o a um ramo secundário da tribo de Levi, consternando os judeus conservadores. Alguns, entre os quais os essênios, não puderam tolerar a situação e denunciaram a Roma os novos governantes. Josefo refere, na ocasião, a existência de cerca de 4000 essênios, espalhados por aldeias e povoações rurais.

Gianfranco Ravasi afirma que o esenismo era “a forma mais original do judaismo desta época da História de Israel” (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005). Por tal motivo, os autores judeus demonstram a admiração ao seu estilo de vida como se evidencia no relato de Plinio, o Velho:

Ao oeste (do mar Morto) os essênios ocupam alguns lugares da costa, embora sejam agrestes. É um povo único em seu gênero e digno de admiração no mundo inteiro acima de todos os demais: não se casam, pois renunciam inteiramente o amor conjugal, não possuem dinheiro, são amigos das palmeiras. A cada dia crescem em igual número, graças à multidão de novos aderentes. Com efeito, acodem em grande número aqueles que, cansados das vicissitudes da fortuna, orientam a vida adaptando-a a sues costumes. Assim, durante séculos, ainda que pareça inacreditável, há um povo eterno do qual não nasce ninguém (Plinio el Viejo, Natur.histr. V, 15, 73, tradução minha).

Dentre as comunidades, tornou-se conhecida a de Qumran, pelos manuscritos em pergaminhos que levam seu nome. Os manuscritos do Mar Morto parecem ser anteriores a 68 d.C., os quais oferecem informações de diversos gêneros, com especial enfoque na vida religiosa especialmente nos documentos denominados como Regra da Comunidade (= 1QS), Regra da Guerra (= 1QM) ou ainda nos Hinos (= 1QH). Neles se verifica o gênero de vida, singularmente elevado e distinto desta comunidade (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005).

Os essênios eram uma verdadeira comunidade monástica. Dividiam-se em grupos de 12 com um encarregado da disciplina denominado “mestre da justiça”. A jornada se iniciava ao amanhecer com uma oração voltada ao oriente e se dividia entre trabalho manual – pois não possuiam amos nem escravos – e atividades espirituais, como orações, leituras e comentários da lei e de outros textos considerados sagrados; pela noite, divididos por turnos vigiavam em oração e estudo; vestiam-se sempre de branco; acreditavam em milagres e bençãos com as mãos, por esta razão eram chamados de terapeutas; sem propriedade privada partilhavam tudo em comum; vegetarianos e celibatários, aceitavam por períodos restritos o ingresso de pessoas casadas; cultivavam a higiene, tomando banhos antes das refeições sempre sujeitas a rígidas regras de purificação; primavam pela vida comunitária com a obrigação de comer, orar e deliberar os rumos da comunidade em conjunto; eram chamados de nazarenos por causa do voto nazarita; sua hierarquia se estabelecia de acordo com graus de pureza espiritual dos irmãos; suas doutrinas eram secretas; e nenhum estranho podia se unir a eles sem um complexo e cuidadoso processo de admissão. Um dos manuscritos apresenta a seguinte recomendação: “se for capaz de disciplina, o introduzirás no pacto…” (1QS VI, 14) (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005).

Seriam o carmelitas os diretos herdeiros de Santo Elias e da misteriosa comunidade de Qumrã? Este é mais um dos enigmas da História ainda não comprovados por historiadores e exegetas. No entanto, como afirmava São Jerônimo, Santo Elias pode ser considerado ainda hoje a remota origem e o perfeito modelo da vida consagrada.

Tópicos relacionados

  • Carmelitas ou Ordem do Carmo
  • História do Escapulário do Carmo
  • Bibliografia

    COLOMBÁS, Garcia M. El Monacato Primitivo. 2 ed. Madrid: Bac, 2004. 785 p.

    COLOMBÁS et alia. San Bento, su vida y su regla. Madrid: Bac, 1954. 730 p.

    ROSSANO, P; RAVASI, G; GIRLANDA, A. Nuevo diccionario de Teología Bíblica. 2. ed.San Pablo. Centro Iberoamericano de Editores Paulinos (CIDEP). In Biblia Clerus. CD-ROM. Congregatio pro clericis. 2005.

    SASTRE SANTOS, Eutimio. La vita Religiosa nella storia della Chiesa e della società. Milano: Ancora, 1997. 1061 p.

    SCHÜRER, Emil. Historia del pueble judio en tiempos de Jesús. T. II, 1985.

    SMET, Joaquim. Los carmelitas. História de La Orden Del Carmen. T. 1. Madrid: Bac, 1987. 400 p.

    jul 132011
     

    O manto do Carmo

    Assim como vestiu seu Filho Jesus com uma túnica de valor inapreciável, Maria Santíssima quer nos revestir, a nós, seus filhos adotivos, com a mais eficaz das vestimentas.

    Mons. João S. Clá Dias, EP

    Antecipando o monacato católico, uns tantos discípulos de Elias escolheram o alto do Monte Carmelo para, ali, abraçar a contemplação. Assim permaneceram na sucessão das gerações, até a vinda do Senhor. Vários deles se converteram depois de Pentecostes e foram os primeiros a erigir um oratório em louvor a Nossa Senhora.

    Tácito relata-nos que o Imperador Vespasiano subia ao Monte Carmelo para consultar um oráculo, e lá ouvia as orientações de um sacerdote chamado Basilido que, a certa altura, prognosticou-lhe um grande sucesso (1).

    Outro historiador, Suetônio, reforça o relato feito por este, acrescentando que Vespasiano ia ao Carmelo à procura de uma confirmação de seu destino e de suas cogitações, e de lá retornava cheio de ânimo (2).

    Autores de peso discutem entre si, se o oratório lá existente seria de origem pagã ou se, de fato, já se tratava de um santuário dedicado à Santíssima Virgem. Entretanto, inteiramente certa é a enorme antiguidade da Ordem do Carmo.

    Depois de Elias, seu discípulo Eliseu continuou a habitar aquela montanha, rodeado de “filhos dos profetas” (cf. 2Rs 2,25; 4, 25; 4,38, etc.). Conhece-se ali uma “gruta de Elias” e uma caverna chamada de “Escola dos Profetas”.

    Mas o primeiro documento da História que chegou até nós, mencionando um grupo de eremitas no Monte Carmelo, é da metade do séc. XII. Viviam eles sob a direção de um ex-militar de nome Bertoldo. Em 1154 ou 1155, um parente deste, Aymeric, Patriarca de Antioquia, o orientara no estabelecimento do eremitério. A um monge grego, João Focas, que o visitou em 1185, São Bertoldo contou ter-se retirado com dez discípulos para o Carmelo em virtude de uma aparição de Santo Elias. Essa comunidade recebeu pouco depois, do Patriarca de Jerusalém, Santo Alberto, uma regra, que foi emendada e definitivamente aprovada pelo Papa Inocêncio IV, em 1247. Estava, assim, constituída a Ordem do Carmo.

    A primeira vestimenta foi confeccionada por Deus

    A primeira veste de que se tenha notícia na História remonta ao Paraíso Terrestre. Conta-nos o Gênesis (3, 21) que, após a queda de nossos primeiros pais, Adão e Eva, o próprio Deus lhes confeccionou túnicas de pele e com elas os revestiu. Bem mais tarde, Jacó fez uma túnica de variadas cores para o uso de José, seu filho bem-amado (Gn 37, 3). E assim, as vestimentas vão sendo citadas nestas ou naquelas circunstâncias, ao longo das Escrituras (Gn 27, 15; 1 Sm 2, 19; etc.). Uma túnica porém, ocupa lugar “princeps” entre todas as vestimentas: aquela sobre a qual os soldados deitaram sorte, por se tratar de uma peça de altíssimo valor, pelo fato de não possuir costura. Uma piedosa tradição atribui às puríssimas mãos de Maria a arte empregada em sua confecção. Ao se darem conta, os esbirros, da elevada qualidade daquela peça, tomaram a resolução de não rasgá-la.

    Assim vestia Maria a seu Filho Jesus, desde o seu nascimento, como esmerada e devotada Mãe. E da mesma forma quer revestir também a nós, seus filhos adotivos, Aquela que “como névoa cobre a terra inteira”. Pois a Ela fomos entregues na mesma ocasião em que os soldados, pela sorte, decidiam sobre a propriedade da túnica de Jesus: “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19,26).

    E que roupa nos oferece Ela?

    O Escapulário, uma das mais eficazes vestimentas

    Em 1251, a Virgem Santíssima apareceu a São Simão Stock, sexto geral da Ordem do Carmo, entregando- lhe um

    O Priorato de Aylesford, Inglaterra, onde São Simão Stock recebeu o Escapulário, é hoje um centro de peregrinações

    O Priorato de Aylesford, Inglaterra, onde São Simão Stock recebeu o Escapulário, é hoje um centro de peregrinações

    escapulário e prometendo a todos aqueles que o usassem, verem-se livres da condenação eterna. Décadas mais tarde (1322), o Papa João XXII concedeu aos carmelitas o privilégio sabatino, ou seja, todos aqueles que morressem usando o Escapulário seriam libertos do fogo do Purgatório no sábado subseqüente ao falecimento.

    Eis, pois, uma das mais eficazes vestimentas, além de ser um magnífico símbolo de aliança, proteção e salvação.

    Papas enaltecem o uso do Escapulário

    Em 1951, por ocasião da celebração do 700º aniversário da entrega do Escapulário, o Papa Pio XII disse em carta aos Superiores Gerais das duas Ordens carmelitas: “Porque o Santo Escapulário, que pode ser chamado de Hábito ou Traje de Maria, é um sinal e penhor de proteção da Mãe de Deus”.

    Exatamente 50 anos depois, o Papa João Paulo II afirmou: “O Escapulário é essencialmente um ‘hábito’.Quem o recebe é agregado ou associado num grau mais ou menos íntimo à Ordem do Carmo, dedicada ao serviço da Virgem para o bem de toda a Igreja. (…) Duas são as verdades evocadas pelo signo do Escapulário: de um lado, a constante proteção da Santíssima Virgem, não só ao longo do caminho da vida, mas também no momento da passagem para a plenitude da glória eterna; de outro, a consciência de que a devoção para com Ela não pode limitar-se a orações e tributos em sua honra em algumas ocasiões, mas deve tornar-se um ‘hábito’.”

    Esses dois Pontífices confirmam, assim, manifestações de apreço ao Escapulário feitas por vários de seus antecessores, tais como Bento XIII, Clemente VII, Bento XIV, Leão XIII, São Pio X e Bento XV. Bento XIII estendeu a toda a Igreja a celebração da festa de Nossa Senhora do Carmo, a 16 de julho.

    1) II Histor., Cap. 126.

    2) Vespasianus, Cap. 5.

    (Revista Arautos do Evangelho, Julho/2006, n. 55, p. 24-25)

    jul 042011
     

    História de Santa Maria Goretti

    A verdadeira felicidade exige coragem e espírito de sacrifício, rejeição de todo compromisso com o mal e disposição para pagar com a própria vida a fidelidade a Deus e aos seus Mandamentos.

    O século XX se iniciou sob a égide do progresso nas comunicações. Com o aperfeiçoamento da fotografia e da imprensa, jornais, folhetos e revistas pululavam por toda parte, noticiando acontecimentos ocorridos nos mais distantes rincões da Terra.

    Foi este um fator preponderante para que, em 1902, o mundo cristão pudesse tomar conhecimento da trágica história de uma camponesa italiana de apenas onze anos de idade, brutalmente assassinada com 14 punhaladas, enquanto defendia até o martírio a virtude angélica. Seu nome — Maria Goretti — “se nos apresenta como um incitamento ao zelo da Igreja pela pureza, ao valor dessa virtude que ela sempre inculcou. De tal maneira que mais vale a pena à pessoa sacrificar sua vida do que perder a castidade”.1

    Entretanto, a firmeza dessa pequena mártir não nasceu de um momento para outro, mas foi fruto de uma intensa vida espiritual, fortalecida pelo Pão Eucarístico nas suas últimas semanas de vida. Este fato, quiçá, tenha contribuído de modo decisivo para, oito anos depois, o Papa São Pio X facultar a Primeira Comunhão às crianças tão logo lhes desponte o uso da razão, pressentindo os maravilhosos efeitos que a presença de Cristo iria produzir nos corações infantis. “Haverá santos entre as crianças”2, afirmou ele.

    Muito se escreveu já a respeito do martírio dessa santa, tão bem cognominada como um “Anjo da Pureza”. Contudo, pouco se comenta de sua breve e piedosa vida, cujo desfecho não foi senão uma decorrência da fé e do amor a Jesus, levados às últimas consequências. É o que teremos oportunidade de contemplar nestas linhas.

    Lar pobre, profundamente cristão

    Nascida em 16 de outubro de 1890, na aldeia de Corinaldo, próxima do mar Adriático, a segunda filha de Luigi Goretti e Assunta Carlini foi batizada logo no dia seguinte, com o nome de Maria Teresa. A família era pobre, mas profundamente católica, e, seguindo o costume vigente naquele tempo, os pais fizeram com que Marietta — como passou a ser carinhosamente chamada — recebera o Sacramento da Crisma com apenas seis anos de idade.

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    Casa de Santa Maria Goretti

    Além de rezar o Rosário em família, todos os dias, os Goretti frequentavam a Igreja da Dolorosa, onde se venerava uma expressiva imagem da Virgem Santíssima com o Filho morto no colo e os olhos fixos no Céu. Diante dela, Assunta explicava aos pequenos a causa dos sofrimentos de Jesus e Maria: o pecado. Inculcava-lhes, assim, o amor à virtude e a rejeição das próprias faltas. O casal era também exemplo de devoção à Sagrada Eucaristia para os filhos.

    Mudança de casa e de vida

    Quando Marietta tinha tão só sete anos, o pequeno campo de Luigi Goretti tornou-se insuficiente para manter a família, e ele decidiu emigrar para Colle Gianturco, nos arredores de Paliano, distante a uns 50 quilômetros de Roma, em busca de melhores oportunidades. Todavia, ali também não tiveram êxito: apesar da dura labuta sob o sol abrasador, mal conseguiam o necessário para alimentar-se.

    Dois anos depois, nova mudança se fez necessária, desta vez para Ferrieri di Conca, triste e pantanosa localidade agrícola, onde Luigi faleceu um ano depois de haverem ali chegado, com apenas 41 anos de idade, vítima da malária que grassava naqueles úmidos campos.

    Marietta manifestava um caráter bondoso, dócil e humilde, e se revelou de uma maturidade precoce impressionante, diante da necessidade da mudança de vida que se lhe apresentou. Ajudou nos cuidados do pai enfermo como uma pessoa adulta e, após sua morte, assumiu os encargos do lar, para a mãe poder substituir o marido nos trabalhos do campo. Limpava a casa, buscava água na fonte, rachava lenha, cozinhava e cuidava dos quatro irmãos pequenos como uma pequena mãezinha. Quando lhes faltava o alimento, conseguia algo a custa de pequenos trabalhos, como a venda de pombos e ovos no mercado da cidade próxima, Nettuno.

    Não se esquecia da educação dos irmãozinhos: repreendia-os pelas travessuras, ensinava-lhes as boas maneiras, as orações e os rudimentos do Catecismo. Apaixonada pelo Santo Rosário, rezava-o todas as noites em companhia da mãe e dos irmãos, com uma piedade edificante. E depois de todos se recolherem, recitava mais um terço em sufrágio da alma de seu falecido pai.

    Mais de uma vez viu a mãe sem um centavo na bolsa e sem uma fatia de pão no armário, chorando e lamentando-se pela falta do esposo. Nessas ocasiões, com o coração compungido, a menina a abraçava e beijava, esforçando-se para não chorar também, e dizia-lhe: “Coragem, mãezinha! Coragem! Dentro em pouco estamos crescidos, depressa nos faremos todos grandes… De que tem medo? Nós a sustentaremos!… Nós a manteremos!… Deus providenciará!…”.3

    Estes são alguns lampejos de sua alma angelical. Sua mãe, depois de falecida a filha, não deixava de dar testemunho de sua virtude: “Sempre, sempre, sempre obediente a minha filhinha! Nunca me deu o mais pequenino desgosto. Mesmo quando recebia alguma repreensão imerecida, por faltazinhas involuntárias, nunca se mostrou rebelde, nunca se desculpou, mas mantinha-se calma, respeitosa, sem nunca ficar amuada”.4

    Malfadada sociedade com os Serenelli

    Em Ferrieri, Luigi trabalhava numa propriedade do conde Lorenzo Mazzoleni, em sociedade com Giovanni Serenelli e seu filho Alessandro. Viúvo, muito dado ao vinho e sem discrição nas palavras, Giovanni não se preocupara com a educação do filho. Este, com 19 anos de idade, era um rapaz de caráter introvertido, sem qualquer formação religiosa. Nunca ia à Missa e apenas vez por outra acompanhava os Goretti na recitação do rosário, num canto da sala.

    Sendo o único daquela casa que sabia ler, seu pai lhe trazia jornais com artigos de cunho anticlerical, além de novelas inconvenientes, contendo ilustrações que despertavam sua imaginação e exacerbavam-lhe os maus desejos. Ele as utilizava como decoração para as paredes de seu quarto.

    Entretanto, devido à malfadada sociedade de trabalho estabelecida entre Luigi e Giovanni, as duas famílias residiam no mesmo imóvel. E Alessandro, como ele próprio confessou mais tarde, mesmo reconhecendo a candura daquela menina que o tratava como a um irmão mais velho, passou a fitá-la com olhares mal-intencionados, alimentando uma paixão que pouco tempo depois culminaria na conhecida tragédia.

    Antes de morrer, Luigi — movido talvez por um mau pressentimento — havia aconselhado a esposa a voltar para Corinaldo. Ela, porém, presa pelo contrato e pelas dívidas, não tinha meios para sair da casa dividida com os Serenelli. Apesar de os quartos serem separados, a cozinha era comum e a pequena Marietta, embora com tão pouca idade, atendia às duas famílias nos afazeres domésticos.

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    Primeira Comunhão

    Naquela época era necessário ter doze anos para receber a Sagrada Eucaristia, e Marietta sofria por não poder alimentar-se do “Pão dos Anjos” e do “Vinho que engendra virgens”. Seu desejo aumentava a cada domingo, quando ia à Missa com a mãe e a madrinha, enfrentando quatro horas de caminhada num caminho polvorento, até a igreja mais próxima.

    Às suas insistentes súplicas de poder preparar-se para fazer a Primeira Comunhão, sua pobre mãe lhe respondia que, não sabendo ler, ela não tinha como aprender a doutrina. Além disso, na situação de penúria em que se encontravam, onde conseguir dinheiro para o vestido e as outras prendas? Determinada, a menina não se deixava abater. Por fim, obteve autorização para ir certos dias à residência dos Mazzoleni, a fim de receber ensinamentos de sua piedosa governanta, e participar do Catecismo dos domingos, ministrado pelo senhor Alfredo Paliani para um grupo de jovenzinhos.

    Sem prejuízo de seus afazeres domésticos, estudou e rezou durante onze meses, dando belos exemplos de virtude. Para assegurar-se da boa preparação da filha, Assunta fê-la submeter-se a um exame com o Arcipreste de Nettuno, o qual garantiu estar ela apta para receber Jesus em seu coração.

    Após fazer os exercícios espirituais preparatórios, pregados por um sacerdote passionista, Marietta voltou para casa muito compenetrada e disse, em tom de voz sério: “Sabes, mamãe, o padre narrou-nos a Paixão de Jesus. E depois disse-nos que quando nós cometemos um pecado, renovamos a Paixão do Senhor”.5 Manifestava, com esta grave afirmação, o propósito de evitar a todo custo o pecado.

    No dia da Primeira Comunhão, antes de sair para a igreja, estando já pronta, com o vestidinho branco que sua mãe lhe obtivera com muito esforço e um singelo véu que recebera de presente, pediu perdão de suas faltas à mãe, aos irmãos, aos Serenelli e aos vizinhos.

    Era a festa de Corpus Christi de 1902, quando, não tendo ainda completado 12 anos, Maria Goretti recebia Nosso Senhor em seu coração. Quais terão sido as impressões e os colóquios divinos, nesse primeiro encontro entre Jesus Eucarístico e aquela alma inocente, disposta a nunca ofendê-Lo pelo pecado, mesmo à custa da própria vida? Só se saberá na eternidade…

    A alegria e disposição de alma consequentes com o grande passo dado na vida espiritual manifestaram-se logo que Marietta chegou a casa. Abraçando a mãe, prometeu-lhe: “Mãezinha, ó minha mãezinha, serei sempre e cada vez melhor!”.6

    É melhor morrer do que pecar

    Os frutos da Primeira Comunhão logo se fizeram sentir. Um dia, regressou ao lar contando haver visto uma companheira da catequese conversando maliciosamente com um jovem libertino. Imediatamente fugira do local e, ainda horrorizada, afirmou: “É melhor morrer, mamãe, do que dizer palavras feias”.7

    Poucas semanas se passaram e a pequena não comungara mais que duas ou três vezes, sempre aos domingos. No sábado, 5 de julho, manifestou o desejo de ir, no dia seguinte, acompanhada de uma amiga, receber novamente a Sagrada Comunhão. Estava disposta a caminhar dez quilômetros até Nettuno ou Campomorto, sob o sol inclemente e em jejum, para receber seu amado Jesus.

    Seus planos foram, porém, modificados pela sanha de Alessandro. Este já a havia assediado por duas vezes e fora energicamente repelido. Ameaçou então matá-la, e não só ela, mas também a Assunta, caso falasse a alguém sobre isso. Marieta nada dissera à mãe, para não afligi-la ainda mais, mas pedia-lhe para não deixá-la sozinha em casa, e procurava estar sempre na companhia de algum dos irmãos.

    Naquela tarde, todavia, a jovem ficara cosendo na sacada exterior, tendo apenas junto a si a irmã mais nova, que dormia placidamente. Alessandro arranjara um jeito de escapar-se do trabalho e, retornando para a residência, arrastou Marietta à força para dentro. Percebendo suas infames intenções, ela exprobrava-lhe a ação pecaminosa: “Não, não! Deus não quer isso! Se o fazes, irás para o inferno!…”.8

    Tomado de fúria, o criminoso desferiu-lhe então 14 cruéis punhaladas. Em seguida, jogou fora a arma e foi trancar-se no seu quarto. A menina, porém, depois de um curto desmaio, conseguiu caminhar até o terraço e pedir socorro. A notícia do acontecido logo se espalhou pela vizinhança e o assassino foi preso.

    Últimas horas no hospital

    Marietta foi conduzida de ambulância ao hospital de Nettuno, onde a submeteram a uma dolorosa laparotomia. Foram duas horas de operação, sem anestesia! Aliás, a tentativa de salvá-la era vã, pois tinha perfurados o pericárdio, o coração, o pulmão esquerdo, o diafragma e o intestino. Os médicos não compreendiam como ainda estava viva.

    Voltando da sala de cirurgias para junto de sua mãe, mostrava-se preocupada em tranquilizá-la; dizia-lhe que estava bem e perguntava pelos irmãos. A desidratação causada pela perda de sangue a fazia sofrer terrivelmente, mas a gravidade das feridas impedia-lhe de sorver uma gota d’água sequer. Nessa situação, recordar a sede padecida por Jesus no alto da Cruz tranquilizava-a e trazia-lhe consolo.

    No dia seguinte teve a graça de receber a almejada Comunhão, mas em circunstâncias quão diversas das que ela imaginara! O Arcipreste de Nettuno, Dom Signori, levara-lhe o Santo Viático ao hospital, e quando lhe perguntou se sabia Quem iria receber, ela respondeu: “Sim, é aquele mesmo Jesus que dentro em pouco irei ver face a face”.9

    O sacerdote recordou-lhe ter Nosso Senhor perdoado a todos no alto da Cruz e prometido ao bom ladrão que ainda naquele dia estaria com Ele no Paraíso. Perguntou-lhe, então, se perdoava seu assassino: “Sim, por amor a Jesus, perdoo-lhe. E também quero que esteja comigo no Paraíso!… Lá do Céu, rogarei pelo seu arrependimento!”.10

    Com este estado de espírito recebeu os Sacramentos. Algumas horas depois, entrou no delírio da morte. Instintivamente osculava o crucifixo e a medalha de Nossa Senhora, insígnia da Associação das Filhas de Maria, na qual fora admitida já no leito de morte. Invocou muitas vezes a Virgem Maria, e por volta das três horas da tarde expirou.

    Catorze lírios cintilantes

    A morte de Maria Goretti foi chorada por todos os que a conheceram. Logo se espalhou a fama de sua santidade e, apenas dois anos depois, seus restos mortais foram depositados no grandioso monumento erigido em sua honra, no Santuário Pontifício de Nossa Senhora das Graças, em Nettuno.

    Um dos fatos prodigiosos que contribuíram para sua canonização foi a conversão de Alessandro. Em 1910, depois de haver passado por um período de frieza e rebeldia, tendo inclusive pensado em se suicidar, o infeliz assassino foi visitado por sua vítima no cárcere de Noto. Marietta lhe apareceu vestida de branco, oferecendo-lhe lírios que, ao serem tocados por ele, se transformavam em chamas cintilantes. Eram ao todo 14… o mesmo número das punhaladas recebidas!

    Assistido pelos padres passionistas, Alessandro se converteu. Cumpridos 27 anos de prisão, foi libertado e dirigiu-se a Corinaldo, onde então morava a mãe de Marietta, para pedir-lhe perdão. Imitando a atitude da filha, ela o perdoou e comungaram lado a lado, na Missa de Natal. Depois, o assassino arrependido fez-se terciário franciscano e terminou seus dias, já ancião, como servente e jardineiro num convento capuchinho.

    Mensagem para a juventude do terceiro milênio

    Santa Maria Goretti foi canonizada pelo Papa Pio XII, em 24 de junho de 1950. A cerimônia, da qual participou sua mãe, junto com os filhos e netos, teve de ser realizada na Praça de São Pedro, por não haver espaço suficiente para a multidão no interior da Basílica.

    Em 6 de julho de 2003, concluindo as comemorações do centenário de sua morte, o Beato João Paulo II perguntava, em seu pronunciamento do Angelus: “O que diz aos jovens de hoje esta jovem frágil, mas cristãmente madura, com a sua vida e, sobretudo, com a sua morte heroica?”.

    E continuava: “Marietta, assim era chamada familiarmente, recorda à juventude do terceiro milênio que a verdadeira felicidade exige coragem e espírito de sacrifício, rejeição de todo compromisso com o mal e disposição para pagar com a própria vida, mesmo com a morte, a fidelidade a Deus e aos seus Mandamentos.

    “Como é atual esta mensagem! Hoje exaltam-se, muitas vezes, o prazer, o egoísmo ou até a imoralidade, em nome de falsos ideais de liberdade e de felicidade. É preciso reafirmar com clareza que a pureza do coração e do corpo deve ser defendida, porque a castidade ‘guarda’ o amor autêntico.

    “Santa Maria Goretti ajude todos os jovens a experimentar a beleza e a alegria da bem-aventurança evangélica: ‘Felizes os puros de coração, porque verão a Deus’ (Mt 5, 8). A pureza de coração, como qualquer virtude, exige um treino quotidiano da vontade e uma constante disciplina interior. Pede, acima de tudo, o recurso assíduo a Deus, na oração”.11 ²

    1 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Santa Maria Goretti, um exemplo para a Igreja e para o mundo. In: Dr. Plinio. São Paulo. Ano XII. N.136 (Jul., 2009); p.18.

    2 SÃO PIO X, apud PAIXÃO, CP, Aurélio. Santa Maria Goretti. 10.ed. Porto: Salesianas, 1970, p.101.

    3 Idem, p.29.

    4 Idem, p.17.

    5 NOVARESE, Luís. Santa Maria Goretti. (A sua vida anedótica contada pela mãe). 3.ed. Lisboa: União Gráfica, 1957, p.51.

    6 PAIXÃO, op. cit., p.35.

    7 NOVARESE, op. cit., p.69.

    8 GARCÍA, CP, Pablo. Santa María Goretti. In: MARTÍNEZ PUCHE, OP, José A. Nuevo Año Cristiano. Madrid: Edibesa, 2002, v.VII, p.134.

    9 PAIXÃO, op. cit., p.75.

    10 Idem, p.71.

    11 JOÃO PAULO II. Angelus, em Castel Gandolfo, 6/7/2003, n.1-2.

    jun 282011
     

    A origem da devoção ao Sagrado Coração de Jesus

    Marcos Eduardo Melo dos Santos

    A base escriturística desta devoção remonta àquele trecho do Evangelho de  João (13,23) o qual narra o reclinar-se do discípulo amado ao peito de Jesus. Há inúmeras referências na época dos Padres da Igreja e na Idade Média. No entanto, quem hoje vê o nome do Sagrado Coração honrar a divisa de diversas ordens religiosas, paróquias, instituições de ensino e de assistência social, não pode imaginar com facilidade os dramas e dificuldades no surgimento desta devoção[1].

    Após uma fase de eclipse, esta devoção ganhou novo impulso após as visões de Santa Margarida Maria Alacoque (1647–1690), difundidas por seu confessor São Claude de la Colombière (1673-1675)[2].

    Após 150 anos de enormes dificuldades impostas especialmente pelos jansenistas e o terror da Revolução Francesa, em 1856, Pio IX instituiu a festa litúrgica do Sagrado Coração de Jesus, propondo, segundo a recomendação dos santos, a consagração do mundo ao Coração de Jesus.

    Duzentos anos após Santa Margarida pedir ao Rei Luís XIV a consagração da França, o presidente do Equador, Gabriel Garcia Moreno, consagrou seu país em 1873, ao Coração de Jesus.

    Cor Iesu

    Cor Iesu

    Diversos Papas incentivarem esta devoção através de encíclicas[3]. Atualmente a festa do Sagrado Coração é celebrada 19 dias após a solenidade de Pentecostes.

    A devoção ao sagrado Coração de Jesus se difundiu em tocantes formas de piedade popular. Em 1872, Pio IX concedeu indulgências especiais aos que portassem o escapulário com a imagem do Sagrado Coração.

    Semelhantes ao escapulário, havia também os chamados “detentes” com a imagem do Coração de Jesus. Os católicos que os portavam asseguram serem protegidos durante as perseguições religiosas ou conflitos armados, como os Chouans na França, os Cristeros no México e os combatentes das grandes guerras mundiais.

    A variante talvez mais tocante da piedade ao Coração de Jesus esta na união com a devoção ao Imaculado Coração de Maria segundo a recomendação de vários santos como, São João Eudes, Santa Margarida Maria Alacoque, São Luís Grignion de Montfort, Santa Catarina Labouré e São Maximiliano Kolbe.

    A devoção aos Corações de Jesus e Maria é difundida nos ritos católicos e orientais, e inclusive entre anglicanos e luteranos, crescendo nas últimas décadas com a difusão da Medalha Milagrosa, e, sobretudo, após a Mensagem de Fátima.

    Ladainha do Sagrado Coração de Jesus em português e latim

    A fim de que o leitor cresça mais e mais nesta devoção e aporfunde-se no conhecimento da língua latina oferecemos a ladainha do Sagrado Coração de Jesus em português e latim.

    Em Português Latine
    Senhor, tende piedade de nós. Kyrie, eléison.
    Jesus Cristo, tende piedade de nós. Christe, eléison.
    R/.Senhor, tende piedade de nós. R/. Kyrie, eléison.
    Jesus Cristo, ouvi-nos. Christe, audi nos.
    R/.Jesus Cristo, atendei-nos. R/. Christe, exáudi nos.
    Deus, Pai dos Céus, tende piedade de nós. Páter de cælis, Deus, miserére nobis.
    Deus Filho, Redentor do mundo, (a cada invocação responde-se “tende piedade de nós”) Fili, Redémptor mundi, Deus,
    Deus Espírito Santo, Spíritus Sancte, Deus,
    Santíssima Trindade, que sois um só Deus, Sancta Trínitas, unus Deus,
    Coração de Jesus, Filho do Pai Eterno, Cor Jesu, Fílii Patris ætérni,
    Coração de Jesus, formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe, Cor Jesu, in sinu Vírginis Matris a Spíritu Sancto formátum,
    Coração de Jesus, unido substancialmente ao Verbo de Deus, Cor Jesu, Verbo Dei substantiáliter unítum,
    Coração de Jesus, de majestade infinita, Cor Jesu, majestátis infinítæ,
    Coração de Jesus, templo santo de Deus, Cor Jesu, templum Dei sanctum,
    Coração de Jesus, tabernáculo do Altíssimo, Cor Jesu, tabernáculum Altíssimi,
    Coração de Jesus, casa de Deus e porta do Céu, Cor Jesu, domus Dei et porta cæli,
    Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade, Cor Jesu, fornax ardens caritátis,
    Coração de Jesus, receptáculo de justiça e de amor, Cor Jesu, justítiæ et amóris receptáculum,
    Coração de Jesus, cheio de bondade e de amor, Cor Jesu, bonitáte et amóre plenum,
    Coração de Jesus, abismo de todas as virtudes, Cor Jesu, virtútum ómnium abyssus,
    Coração de Jesus, digníssimo de todo o louvor, Cor Jesu, omni laude digníssimum,
    Coração de Jesus, Rei e centro de todos os corações, Cor Jesu, rex et centrum ómnium córdium,
    Coração de Jesus, no qual estão todos os tesouros da sabedoria e ciência, Cor Jesu, in quo sunt omnes thesáuri sapiéntiæ et sciéntiæ,
    Coração de Jesus, no qual habita toda a plenitude da divindade, Cor Jesu, in quo hábitat omnis plenitúdo divinitátis,
    Coração de Jesus, no qual o Pai põe as suas complacências, Cor Jesu, in quo Pater sibi bene complácuit,
    Coração de Jesus, de cuja plenitude nós todos participamos, Cor Jesu, de cujus plenitúdine omnes nos accépimus,
    Coração de Jesus, desejo das colinas eternas, Cor Jesu, desidérium cóllium æternórum,
    Coração de Jesus, paciente e misericordioso, Cor Jesu, pátiens et multæ misericórdiæ,
    Coração de Jesus, rico para todos os que Vos invocam, Cor Jesu, dives in omnes qui ínvocant te,
    Coração de Jesus, fonte de vida e santidade, Cor Jesu, fons vitæ et sanctitátis,
    Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados, Cor Jesu, propitiátio pro peccátis nostris,
    Coração de Jesus, saturado de opróbrios, Cor Jesu, saturátum oppróbriis,
    Coração de Jesus, atribulado por causa de nossos crimes, Cor Jesu, attrítum propter scélera nostra,
    Coração de Jesus, feito obediente até a morte, Cor Jesu, usque ad mortem obédiens factum,
    Coração de Jesus, atravessado pela lança, Cor Jesu, láncea perforátum,
    Coração de Jesus, fonte de toda a consolação, Cor Jesu, fons totíus consolatiónis,
    Coração de Jesus, nossa vida e ressurreição, Cor Jesu, vita et resurréctio nostra,
    Coração de Jesus, nossa paz e reconciliação, Cor Jesu, pax et reconciliátio nostra,
    Coração de Jesus, vítima dos pecadores, Cor Jesu, víctima peccatórum,
    Coração de Jesus, salvação dos que esperam em Vós, Cor Jesu, salus in te sperántium,
    Coração de Jesus, esperança dos que expiram em Vós, Cor Jesu, spes in te moriéntium,
    Coração de Jesus, delícia de todos os santos, Cor Jesu, delíciæ sanctórum ómnium,
    Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, V/. Agnus Dei, qui tollis peccáta mundi,
    R/. perdoai-nos, Senhor. R/. Parce nobis Dómine.
    Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, V/. Agnus Dei, qui tollis peccáta mundi,
    R/. atendei-nos, Senhor. R/. Exáudi nos Dómine.
    Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, V/. Agnus Dei, qui tollis peccáta mundi,
    R/. tende piedade de nós. R/. Miserére nobis.
    V/. Jesus, manso e humilde de Coração, V/. Jesu, mitis et húmilis Corde,
    R/. Fazei nosso coração semelhante ao vosso. R/. Fac cor nostrum secúndum Cor tuum.
    Oremos. Deus onipotente e eterno, olhai para o Coração de vosso Filho diletíssimo e para os louvores e as satisfações que Ele, em nome dos pecadores, Vos tributa; e aos que imploram a vossa misericórdia concedei benigno o perdão, em nome do vosso mesmo Filho Jesus Cristo, que convosco vive e reina por todos os séculos dos séculos. Amém. Orémus. Omnípotens sempitérne Deus, réspice in Cor dilectíssimi Fílii tui, et in laudes et satisfactiónes, quas in nómine peccatórum tibi persólvit, iísque misericórdiam tuam peténtibus tu véniam concéde placátus, in nómine ejúsdem Fílii tui Jesu Christi, qui tecum vivit et regnat in saécula sæculórum. Amen.

    [1] GIGON, Paul. Notre-Dame du Sacré-Coeur. Toulon : Missionaire du Sacré-Coeur, 1957. p. 295.

    [2] ABRANCHES, Joaquim. O amor do Coração de Crito. Braga: Editorial A. O. 1990. p. 119.

    [3] Leão XIII na Annum Sacrum (1899) com a Oração para consagração ao Sagrado Coração; São Pio X; Pio XI na Miserentissimus Redemptor (1928); Pio XII na Haurietis aquas (1956);  João Paulo II na Redemptor Hominis (1979) e Bento XVI em carta ao Pe. Kolvenbach Geral da Comapanhia de Jesus.

    abr 292011
     
    PRIMERA PARTE
    LA PROFESIÓN DE LA FE
    PARS PRIMA
    PROFESSIO FIDEI
    PRIMERA SECCIÓN
    «CREO»-«CREEMOS»
    SECTIO PRIMA
    « CREDO » – « CREDIMUS »
    26 Cuando profesamos nuestra fe, comenzamos diciendo: “Creo” o “Creemos”. Antes de exponer la fe de la Iglesia tal como es confesada en el Credo, celebrada en la Liturgia, vivida en la práctica de los mandamientos y en la oración, nos preguntamos qué significa “creer”. La fe es la respuesta del hombre a Dios que se revela y se entrega a él, dando al mismo tiempo una luz sobreabundante al hombre que busca el sentido último de su vida. Por ello consideramos primeramente esta búsqueda del hombre (capítulo primero), a continuación la Revelación divina, por la cual Dios viene al encuentro del hombre (capítulo segundo), y finalmente la respuesta de la fe (capítulo tercero). 26 Cum nostram profitemur fidem, verbo incipimus: « Credo » vel « Credimus ». Antequam Ecclesiae fidem exponamus, qualem in Symbolo confitemur, qualis in liturgia celebratur, qualis in vitam per mandatorum observantiam ducitur atque per orationem, quaestionem nobis proponamus: quid « credere » significet. Fides est responsio ab homine data Deo, qui Se illi revelat et donat, simul abundantissimam afferens lucem homini in sensum vitae suae inquirenti ultimum. Hanc igitur hominis inquisitionem imprimis consideramus (caput primum), deinde Revelationem divinam, per quam Deus homini occurrit (caput secundum), denique fidei responsum (caput tertium).
    CAPÍTULO PRIMERO:
    EL HOMBRE ES “CAPAZ” DE DIOS
    CAPUT PRIMUM
    HOMO EST DEI « CAPAX »
    I. El deseo de Dios I. De desiderio Dei
    27 El deseo de Dios está inscrito en el corazón del hombre, porque el hombre ha sido creado por Dios y para Dios; y Dios no cesa de atraer al hombre hacia sí, y sólo en Dios encontrará el hombre la verdad y la dicha que no cesa de buscar: 27 Dei desiderium in corde hominis est inscriptum, quia homo a Deo et ad Deum creatus est; Deus autem hominem ad Se allicere non desinit, et solummodo in Deo inveniet homo veritatem et beatitudinem quas indesinenter exquirit:
    «La razón más alta de la dignidad humana consiste en la vocación del hombre a la comunión con Dios. El hombre es invitado al diálogo con Dios desde su nacimiento; pues no existe sino porque, creado por Dios por amor, es conservado siempre por amor; y no vive plenamente según la verdad si no reconoce libremente aquel amor y se entrega a su Creador» (GS 19,1). « Dignitatis humanae eximia ratio in vocatione hominis ad communionem cum Deo consistit. Ad colloquium cum Deo iam inde ab ortu suo invitatur homo: non enim exsistit, nisi quia, a Deo ex amore creatus, semper ex amore conservatur; nec plene secundum veritatem vivit, nisi amorem illum libere agnoscat et Creatori suo se committat ».1
    28 De múltiples maneras, en su historia, y hasta el día de hoy, los hombres han expresado su búsqueda de Dios por medio de sus creencias y sus comportamientos religiosos (oraciones, sacrificios, cultos, meditaciones, etc.). A pesar de las ambigüedades que pueden entrañar, estas formas de expresión son tan universales que se puede llamar al hombre un ser religioso: 28 Homines, in historia sua ad haec usque tempora, multiplici modo, suam Dei inquisitionem expresserunt suis religiosis et persuasionibus et se gerendi rationibus (precibus, sacrificiis, cultibus, meditationibus etc.). Hae expressionis formae, quamquam ambiguitates secum ferre possunt, ita sunt universales, ut homo ens religiosum appellari possit:
    Dios «creó […], de un solo principio, todo el linaje humano, para que habitase sobre toda la faz de la tierra y determinó con exactitud el tiempo y los límites del lugar donde habían de habitar, con el fin de que buscasen a Dios, para ver si a tientas le buscaban y le hallaban; por más que no se encuentra lejos de cada uno de nosotros; pues en él vivimos, nos movemos y existimos» (Hch 17, 26-28). Deus « fecit […] ex uno omne genus hominum inhabitare super universam faciem terrae, definiens statuta tempora et terminos habitationis eorum, quaerere Deum si forte attrectent Eum et inveniant, quamvis non longe sit ab unoquoque nostrum. In Ipso enim vivimus et movemur et sumus » (Act 17,26-28).
    29 Pero esta “unión íntima y vital con Dios” (GS 19,1) puede ser olvidada, desconocida e incluso rechazada explícitamente por el hombre. Tales actitudes pueden tener orígenes muy diversos (cf. GS 19-21): la rebelión contra el mal en el mundo, la ignorancia o la indiferencia religiosas, los afanes del mundo y de las riquezas (cf. Mt 13,22), el mal ejemplo de los creyentes, las corrientes del pensamiento hostiles a la religión, y finalmente esa actitud del hombre pecador que, por miedo, se oculta de Dios (cf. Gn 3,8-10) y huye ante su llamada (cf. Jon 1,3). 29 Attamen homo « hanc intimam ac vitalem cum Deo coniunctionem »2 oblivisci, neglegere, immo explicite reiicere potest. Tales habitudines e fontibus valde diversis possunt oriri:3 e rebellione contra malum quod est in mundo, e religiosis ignorantia vel indifferentia, e saeculi et divitiarum sollicitudine,4 e pravo credentium exemplo, e cogitationum tendentiis religioni adversantibus, ex habitudine denique hominis peccatoris ob timorem se a Deo abscondentis5 et ab Eius vocatione fugientis.6
    30 “Alégrese el corazón de los que buscan a Dios” (Sal 105,3). Si el hombre puede olvidar o rechazar a Dios, Dios no cesa de llamar a todo hombre a buscarle para que viva y encuentre la dicha. Pero esta búsqueda exige del hombre todo el esfuerzo de su inteligencia, la rectitud de su voluntad, “un corazón recto”, y también el testimonio de otros que le enseñen a buscar a Dios. 30 « Laetetur cor quaerentium Dominum » (Ps 105,3). Si homo potest Dei oblivisci aut Illum respuere, Ipse tamen Deus omnem hominem ad Ipsum quaerendum vocare non desinit, ut homo vivat et beatitudinem inveniat. Haec autem inquisitio ab homine requirit totum eius intelligentiae nisum, eius voluntatis rectitudinem, « cor rectum » atque etiam testimonium aliorum qui eum doceant Deum quaerere.
    «Tú eres grande, Señor, y muy digno de alabanza: grande es tu poder, y tu sabiduría no tiene medida. Y el hombre, pequeña parte de tu creación, pretende alabarte, precisamente el hombre que, revestido de su condición mortal, lleva en sí el testimonio de su pecado y el testimonio de que tú resistes a los soberbios. A pesar de todo, el hombre, pequeña parte de tu creación, quiere alabarte. Tú mismo le incitas a ello, haciendo que encuentre sus delicias en tu alabanza, porque nos has hecho para ti y nuestro corazón está inquieto mientras no descansa en ti» (San Agustín, Confessiones, 1,1,1). « Magnus es, Domine, et laudabilis valde: magna virtus Tua et sapientiae Tuae non est numerus. Et laudare Te vult homo, aliqua portio creaturae Tuae, et homo circumferens mortalitatem suam, circumferens testimonium peccati sui et testimonium quia superbis resistis: et tamen laudare Te vult homo, aliqua portio creaturae Tuae. Tu excitas, ut laudare Te delectet, quia fecisti nos ad Te, et inquietum est cor nostrum, donec requiescat in Te ».7
    II Las  vías de acceso al conocimiento de Dios II. De viis, quibus ad Deum cognoscendum habetur accessus
    31 Creado a imagen de Dios, llamado a conocer y amar a Dios, el hombre que busca a Dios descubre ciertas “vías” para acceder al conocimiento de Dios. Se las llama también “pruebas de la existencia de Dios”, no en el sentido de las pruebas propias de las ciencias naturales, sino en el sentido de “argumentos convergentes y convincentes” que permiten llegar a verdaderas certezas. 31 Homo, ad Dei imaginem creatus et ad Deum cognoscendum et amandum vocatus, cum Deum quaerit, quasdam detegit « vias » ut ad Dei accedat cognitionem. Illae etiam « argumenta exsistentiae Dei » appellantur, non tamen eodem sensu quo scientiae naturales quaerunt argumenta, sed quatenus « argumenta convergentia et persuadentia » sunt quae ad veras certitudines pertingere sinunt.
    Estas “vías” para acercarse a Dios tienen como punto de partida la creación: el mundo material y la persona humana. Hae « viae » Deo appropinquandi initium a creatione sumunt: a mundo materiali et a persona humana.
    32 El mundo: A partir del movimiento y del devenir, de la contingencia, del orden y de la belleza del mundo se puede conocer a Dios como origen y fin del universo. 32 Mundus: Deus potest, ex motu et efficientia, ex contingentia, ex ordine et pulchritudine mundi, ut origo et finis universi cognosci.
    San Pablo afirma refiriéndose a los paganos: “Lo que de Dios se puede conocer, está en ellos manifiesto: Dios se lo manifestó. Porque lo invisible de Dios, desde la creación del mundo se deja ver a la inteligencia a través de sus obras: su poder eterno y su divinidad” (Rm 1,19-20; cf. Hch 14,15.17; 17,27-28; Sb 13,1-9). Sanctus Paulus de gentibus affirmat: « Quod noscibile est Dei, manifestum est in illis; Deus enim illis manifestavit. Invisibilia enim Ipsius a creatura mundi per ea, quae facta sunt, intellecta conspiciuntur, sempiterna Eius et virtus et divinitas » (Rom 1,19-20).8
    Y san Agustín: “Interroga a la belleza de la tierra, interroga a la belleza del mar, interroga a la belleza del aire que se dilata y se difunde, interroga a la belleza del cielo […] interroga a todas estas realidades. Todas te responde: Ve, nosotras somos bellas. Su belleza es su proclamación (confessio). Estas bellezas sujetas a cambio, ¿quién las ha hecho sino la Suma Belleza (Pulcher), no sujeta a cambio?” (Sermo 241, 2: PL 38, 1134). Atque sanctus Augustinus dicit: « Interroga pulchritudinem terrae, interroga pulchritudinem maris, interroga pulchritudinem dilatati et diffusi aeris, interroga pulchritudinem coeli, […] interroga ista. Respondent tibi omnia: Ecce vide, pulchra sumus. Pulchritudo eorum, confessio eorum. Ista pulchra mutabilia quis fecit, nisi incommutabilis Pulcher? ».9
    33 El hombre: Con su apertura a la verdad y a la belleza, con su sentido del bien moral, con su libertad y la voz de su conciencia, con su aspiración al infinito y a la dicha, el hombre se interroga sobre la existencia de Dios. En todo esto se perciben signos de su alma espiritual. La “semilla de eternidad que lleva en sí, al ser irreductible a la sola materia” (GS 18,1; cf. 14,2), su alma, no puede tener origen más que en Dios. 33 Homo: allectus sua veritati et pulchritudini apertione, boni moralis sensu, libertate et suae conscientiae voce, infiniti et beatitudinis appetitu homo de exsistentia Dei se interrogat. In his omnibus, animae suae spiritualis percipit signa. « Semen aeternitatis, quod [homo] in se gerit, ad solam materiam cum irreductibile sit »,10 eius anima originem ducere nequit nisi a solo Deo.
    34 El mundo y el hombre atestiguan que no tienen en ellos mismos ni su primer principio ni su fin último, sino que participan de Aquel que es el Ser en sí, sin origen y sin fin. Así, por estas diversas “vías”, el hombre puede acceder al conocimiento de la existencia de una realidad que es la causa primera y el fin último de todo, “y que todos llaman Dios” (San Tomás de Aquino, S.Th. 1, q. 2 a. 3, c.). 34 Mundus et homo testantur se in semetipsis neque primum principium neque finem habere ultimum, sed participare illius « Esse » quod in se est sine origine et sine fine. Sic, per varias huiusmodi « vias », homo accedere potest ad cognitionem exsistentiae illius realitatis quae est causa prima finisque ultimus omnium et « quam omnes Deum nominant ».11
    35 Las facultades del hombre lo hacen capaz de conocer la existencia de un Dios personal. Pero para que el hombre pueda entrar en la intimidad de Él ha querido revelarse al hombre y darle la gracia de poder acoger en la fe esa revelación. Sin embargo, las pruebas de la existencia de Dios pueden disponer a la fe y ayudar a ver que la fe no se opone a la razón humana. 35 Hominis facultates illum capacem efficiunt Dei personalis exsistentiam cognoscendi. Sed ut homo in Eius intimitatem ingredi possit, voluit Deus Se homini revelare illique gratiam conferre qua hanc Revelationem per fidem accipere possit. Nihilominus argumenta exsistentiae Dei ad fidem disponere possunt atque adiutorio esse ut fides humanae rationi non opponi perspiciatur.
    III El conocimiento de Dios según la Iglesia III. De Dei cognitione secundum Ecclesiam
    36 “La Santa Madre Iglesia, mantiene y enseña que Dios, principio y fin de todas las cosas, puede ser conocido con certeza mediante la luz natural de la razón humana a partir de las cosas creadas” (Concilio Vaticano I, Const. dogm. Dei Filius, c.2: DS 3004; cf. Ibíd., De revelatione, canon 2: DS 3026; Concilio Vaticano II, DV 6). Sin esta capacidad, el hombre no podría acoger la revelación de Dios. El hombre tiene esta capacidad porque ha sido creado “a imagen de Dios” (cf. Gn 1,27). 36 « Sancta Mater Ecclesia tenet et docet, Deum, rerum omnium principium et finem, naturali humanae rationis lumine e rebus creatis certo cognosci posse ».12 Sine hac capacitate, homo Revelationem Dei accipere nequiret. Hanc vero capacitatem habet homo quia « ad imaginem Dei » creatus est (Gn 1,27).
    37 Sin embargo, en las condiciones históricas en que se encuentra, el hombre experimenta muchas dificultades para conocer a Dios con la sola luz de su razón: 37 Attamen homo in condicionibus historicis, in quibus versatur, plures experitur difficultates ad Deum solo rationis lumine cognoscendum.
    «A pesar de que la razón humana, sencillamente hablando, pueda verdaderamente por sus fuerzas y su luz naturales, llegar a un conocimiento verdadero y cierto de un Dios personal, que protege y gobierna el mundo por su providencia, así como de una ley natural puesta por el Creador en nuestras almas, sin embargo hay muchos obstáculos que impiden a esta misma razón usar eficazmente y con fruto su poder natural; porque las verdades que se refieren a Dios y a los hombres sobrepasan absolutamente el orden de las cosas sensibles, y cuando deben traducirse en actos y proyectarse en la vida exigen que el hombre se entregue y renuncie a sí mismo. El espíritu humano, para adquirir semejantes verdades, padece dificultad por parte de los sentidos y de la imaginación, así como de los malos deseos nacidos del pecado original. De ahí procede que en semejantes materias los hombres se persuadan de que son falsas, o al menos dudosas, las cosas que no quisieran que fuesen verdaderas (Pío XII, enc. Humani generis: DS 3875). « Licet humana ratio, simpliciter loquendo, veram et certam cognitionem unius Dei personalis, mundum providentia Sua tuentis ac gubernantis, necnon naturalis legis a Creatore nostris animis inditae, suis naturalibus viribus ac lumine assequi revera possit, nihilominus non pauca obstant, quominus eadem ratio hac sua nativa facultate efficaciter fructuoseque utatur. Quae enim ad Deum pertinent et ad rationes spectant, quae inter homines Deumque intercedunt, veritates sunt rerum sensibilium ordinem omnino transcendentes, quae, cum in vitae actionem inducuntur eamque informant, sui devotionem suique abnegationem postulant. Humanus autem intellectus in talibus veritatibus acquirendis difficultate laborat tum ob sensuum imaginationisque impulsum, tum ob pravas cupiditates ex peccato originali ortas. Quo fit ut homines in rebus huiusmodi libenter sibi suadeant esse falsa vel saltem dubia, quae ipsi nolint esse vera ».13
    38 Por esto el hombre necesita ser iluminado por la revelación de Dios, no solamente acerca de lo que supera su entendimiento, sino también sobre “las verdades religiosas y morales que de suyo no son inaccesibles a la razón, a fin de que puedan ser, en el estado actual del género humano, conocidas de todos sin dificultad, con una certeza firme y sin mezcla de error” (ibid., DS 3876; cf. Concilio Vaticano I: DS 3005; DV 6; santo Tomás de Aquino, S.Th. 1, q. 1 a. 1, c.). 38 Hac de causa, homo eget per Dei Revelationem illuminari non solum circa ea quae suum superant intellectum, sed etiam « ut ea, quae in rebus religionis et morum rationi per se impervia non sunt, in praesenti quoque humani generis condicione, ab omnibus expedite, firma certitudine et nullo admixto errore cognosci possint ».14
    IV ¿Cómo hablar de Dios? IV. Quomodo de Deo loquendum?
    39 Al defender la capacidad de la razón humana para conocer a Dios, la Iglesia expresa su confianza en la posibilidad de hablar de Dios a todos los hombres y con todos los hombres. Esta convicción está en la base de su diálogo con las otras religiones, con la filosofía y las ciencias, y también con los no creyentes y los ateos. 39 Ecclesia, cum rationis humanae capacitatem Deum cognoscendi defendit, suam exprimit fiduciam de sua omnibus hominibus et cum omnibus hominibus de Deo loquendi possibilitate. Ab hac persuasione, eius colloquium cum aliis religionibus, cum philosophia et scientia, atque etiam cum non credentibus et atheis initium sumit.
    40 Puesto que nuestro conocimiento de Dios es limitado, nuestro lenguaje sobre Dios lo es también. No podemos nombrar a Dios sino a partir de las criaturas, y según nuestro modo humano limitado de conocer y de pensar. 40 Cum nostra de Deo cognitio sit limitata, locutiones nostrae de Deo pariter limitatae sunt. Deum nominare nequimus nisi a creaturis procedentes atque secundum nostrum humanum limitatum cognoscendi et cogitandi modum.
    41 Todas las criaturas poseen una cierta semejanza con Dios, muy especialmente el hombre creado a imagen y semejanza de Dios. Las múltiples perfecciones de las criaturas (su verdad, su bondad, su belleza) reflejan, por tanto, la perfección infinita de Dios. Por ello, podemos nombrar a Dios a partir de las perfecciones de sus criaturas, “pues de la grandeza y hermosura de las criaturas se llega, por analogía, a contemplar a su Autor” (Sb 13,5). 41 Omnes creaturae quandam cum Deo prae se ferunt similitudinem, singulariter autem homo ad Dei imaginem et similitudinem creatus. Multiplices creaturarum perfectiones (earum veritas, bonitas, pulchritudo) Dei perfectionem reverberant infinitam. Hac de causa, Deum valemus nominare ab Eius creaturarum procedentes perfectionibus, « a magnitudine enim et pulchritudine creaturarum cognoscibiliter potest Creator horum videri » (Sap 13,5).
    42 Dios transciende toda criatura. Es preciso, pues, purificar sin cesar nuestro lenguaje de todo lo que tiene de limitado, de expresión por medio de imágenes, de imperfecto, para no confundir al Dios “que está por encima de todo nombre y de todo entendimiento, el invisible y fuera de todo alcance” (Liturgia bizantina. Anáfora de san Juan Crisóstomo) con nuestras representaciones humanas. Nuestras palabras humanas quedan siempre más acá del Misterio de Dios. 42 Deus omnem transcendit creaturam. Necessarium igitur est nostras indesinenter locutiones purificare ab eo quod limitatum, imaginarium et imperfectum est, ne Deum, qui est « ineffabilis, incomprehensibilis, invisibilis, inexcogitabilis »,15 cum nostris humanis confundamus repraesentationibus. Nostra humana verba semper citra Dei manent mysterium.
    43 Al hablar así de Dios, nuestro lenguaje se expresa ciertamente de modo humano, pero capta realmente a Dios mismo, sin poder, no obstante, expresarlo en su infinita simplicidad. Es preciso recordar, en efecto, que “entre el Creador y la criatura no se puede señalar una semejanza tal que la desemejanza entre ellos no sea mayor todavía” (Concilio de Letrán IV: DS 806), y que “nosotros no podemos captar de Dios lo que Él es, sino solamente lo que no es, y cómo los otros seres se sitúan con relación a Ël” (Santo Tomás de Aquino, Summa contra gentiles, 1,30). 43 Cum sic de Deo loquimur, nostrae locutiones humano utique modo exprimuntur, sed revera Deum Ipsum attingunt, quin tamen Ipsum in Eius infinita exprimere possint simplicitate. Illud etenim in memoriam revocare oportet: « Inter Creatorem et creaturam non potest similitudo notari, quin inter eos maior sit dissimilitudo »;16 atque etiam: « Non enim de Deo capere possumus quid est, sed quid non est, et qualiter alia se habeant ad Ipsum ».17
    Resumen Compendium
    44 El hombre es por naturaleza y por vocación un ser religioso. Viniendo de Dios y yendo hacia Dios, el hombre no vive una vida plenamente humana si no vive libremente su vínculo con Dios. 44 Homo natura et vocatione est ens religiosum. Cum vero homo a Deo veniat et ad Deum vadat, vita plene humana non vivit, nisi libere coniunctus vivat cum Deo.
    45 El hombre está hecho para vivir en comunión con Dios, en quien encuentra su dicha.”Cuando yo me adhiera a ti con todo mi ser, no habrá ya para mi penas ni pruebas, y mi vida, toda llena de ti, será plena” (San Agustín, Confessiones, 10,28,39). 45 Homo factus est ut in communione vivat cum Deo, in quo eius invenitur felicitas. « Cum inhaesero Tibi ex omni me, nusquam erit mihi dolor et labor, et viva erit vita mea tota plena Te ».18
    46 Cuando el hombre escucha el mensaje de las criaturas y la voz de su conciencia, entonces puede alcanzar a certeza de la existencia de Dios, causa y fin de todo. 46 Cum creaturarum nuntium suaeque conscientiae auscultat vocem, homo ad certitudinem existentiae Dei, causae et finis omnium, pervenire potest.
    47 La Iglesia enseña que el Dios único y verdadero, nuestro Creador y Señor, puede ser conocido con certeza por sus obras, gracias a la luz natural de la razón humana (cf. Concilio Vaticano I: DS 3026). 47 Ecclesia docet Deum unum et verum, nostrum Creatorem et Dominum, per Eius opera, naturali rationis humanae lumine certo cognosci posse.19
    48 Nosotros podemos realmente nombrar a Dios partiendo de las múltiples perfecciones de las criaturas, semejanzas del Dios infinitamente perfecto, aunque nuestro lenguaje limitado no agote su misterio. 48 Deum revera nominare possumus procedentes a multiplicibus creaturarum perfectionibus, quae Dei infinite perfecti sunt similitudines, licet nostrae finitae locutiones Eius non exhauriant mysterium.
    49 “Sin el Creador la criatura se […] diluye” (GS 36). He aquí por qué los creyentes saben que son impulsados por el amor de Cristo a llevar la luz del Dios vivo a los que no le conocen o le rechazan. 49 « Creatura […] sine Creatore evanescit ».20 Propterea credentes sciunt se amore Christi urgeri ut Dei viventis lumen afferant ad illos, qui Eum ignorant vel respuunt.
    (1) Concilium Vaticanum II, Const. past. Gaudium et spes, 19: AAS 58 (1966) 1038-1039.

    (2) Concilium Vaticanum II, Const. past. Gaudium et spes, 19: AAS 58 (1966) 1039.

    (3) Cf Concilium Vaticanum II, Const. past. Gaudium et spes, 19-21: AAS 58 (1966) 1038-1042.

    (4) Cf Mt 13,22.

    (5) Cf Gn 3,8-10.

    (6) Cf Ion 1,3.

    (7) Sanctus Augustinus, Confessiones, 1, 1, 1: CCL 27, 1 (PL 32, 659-661).

    (8) Cf Act 14,15-17; 17,27-28; Sap 13,1-9.

    (9) Sanctus Augustinus, Sermo 241, 2: PL 38, 1134.

    (10) Concilium Vaticanum II, Const. past. Gaudium et spes, 18: AAS 58 (1966) 1038; cf Ibid., 14: AAS 58 (1966) 1036.

    (11) Sanctus Thomas Aquinas, Summa theologiae, I, q. 2, a. 3, c: Ed. Leon. 4, 31.

    (12) Concilium Vaticanum I, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3004; cf Ibid., De Revelatione, canon 2: DS 3026; Concilium Vaticanum II, Const. dogm. Dei Verbum, 6: AAS 58 (1966) 819.

    (13) Pius XII, Litt. enc. Humani generis: DS 3875.

    (14) Ibid.: DS 3876. Cf Concilium Vaticanum I, Const. dogm. Dei Filius, c. 2: DS 3005; Concilium Vaticanum II, Const. dogm. Dei Verbum, 6: AAS 58 (1966) 819-820; Sanctus Thomas Aquinas, Summa theologiae, I, q. 1, a. 1, c: Ed. Leon. 4, 6.

    (15) Liturgia Byzantina. Anaphora sancti Ioannis Chrysostomi: Liturgies Eastern and Western, ed. F.E. Brightman (Oxford 1896) p. 384 (PG 63, 915).

    (16) Concilium Lateranense IV, Cap. 2. De errore abbatis Ioachim: DS 806.

    (17) Sanctus Thomas Aquinas, Summa contra gentiles, 1, 30: Ed. Leon. 13, 92.

    (18) Sanctus Augustinus, Confessiones, 10, 28, 39: CCL 27, 175 (PL 32, 795).

    (19) Cf Concilium Vaticanum I, Const. dogm. Dei Filius, De revelatione, canon 2: DS 3026.

    (20) Concilium Vaticanum II, Const. past. Gaudium et spes, 36: AAS 58 (1966) 1054.