ago 172011
 

O canto gregoriano está intimamente ligado à língua da antiga ­Roma, e não apenas pela sua origem histórica. Muitos estudiosos defendem que suas melodias provêm da extensão do acento das palavras latinas. Daí a grande dificuldade em vertê-lo para outros idiomas, pois nem sempre se consegue fazer coincidir os acentos melódicos com os idiomáticos.

Mont Saint-Michael_France_França

François-René de Chateaubriand, famoso escritor francês do século XIX, mostra, em uma de suas obras mais conhecidas, a riqueza ­expressiva do latim e sua perfeita adaptação ao culto divino: “Cremos que uma língua anciã e misteriosa, uma língua que os séculos não alteram, assaz convinha ao culto do Ser eterno, incompreensível, imutável. E, pois que o pungir de nossas dores nos força a erguer ao Rei dos reis suplicante voz, não é natural que se Lhe fale no mais gentil idioma da Terra, naquele mesmo de que usavam as nações prostradas quando elevavam aos Césares as suas deprecações? Além disso — e notável coisa é! — as orações em latim parecem duplicar o sentimento religioso das multidões” (CHATEAUBRIAND. François-René de. Génie du christianisme, Quatrième Partie – Culte, l. 1, c. 3.)

Daí que, entre outras razões, o Concílio Vaticano II recomende, na Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia: “Zele-se, todavia, para que os fiéis cristãos possam ao mesmo tempo recitar ou cantar também em língua latina as partes do Ordinário da Missa que lhes dizem respeito” (Sacrosanctum Concilium, n. 54).

(Revista Arautos do Evangelho)

jun 302011
 

Como qualquer língua o latim também possui formas de cortesia úteis por ocasião das refeições.

mesa-de-Natal1

Eu como pão no café da manhã. In ientaculo sumo panem.
Posso te convidar para jantar/almoçar? Possum te invitare ad cenam/prandium?
Posso te levar para jantar? Possum te cena emere?
Preciso de comida. Cibo egeo.
Estou com fome. Esurio (famem experior)
Meu estômago está vazio. Vacuum in stomacho sentio.
Podemos reservar uma mesa? Possumus mensam praeoccupare?
Gostaria de beber vinho. Volo bibere vinum.
Posso ver sua carta de vinhos? Possum inspicere chartam vimorum vestrorum?
Sou alérgico a vinho, mas eu gostaria de experimentar. Sum impatiens in vino sed velim hoc experiri.
Gostaria de pedir água. Velim iussa emittere aquam.
Gostaria de uma cerveja. Velim birram.
O que você recomenda? Quid mihi suadete?
Vocês servem pescados? Servite pisces?
O peixe está fresco? Sitne recens piscis?
Que carnes vocês têm? Qualem carnem in mensam ponebitis?
Vou tomar quatro destes. De que é feito? Sumam quattuor ex illis. Quibus rebus compositus est?
Passe-me o  sal,  por favor. Possum habere salem, quaeso?
Eu não pedi isso. Non a me id iussum est.
Está uma delícia. Hoc nobis delicae est.
Não está bom. Hoc habet malum saporem.
Não consigo comer tudo. Neqeo haec omnia manducare.
Gostaria de pedir a sobremesa. Velim aliquid post-prandium
Eu vou tomar meia xícara de café. Sumam dimidiatum poculum Arabicae potionis.
A conta …  por gentileza. Possumus nummorum rationem habere? Quaeso.
Acho que a conta não está certa. Opinor non exactam expensae summam.
A gorjeta está incluída? Servitii praemium estne inclusum?
Você aceita _____ por isso? Vis sumere in locum huius rei?

Principais diferenças entre o latim e o português

O português possui 9 categorias gramaticais. O latim possui 8.

Substantivo Adjetivo Pronome Verbo Advérbio Preposição Conjunção Interjeição

O latim possui as mesmas categorias gramaticais da língua lusa exceto os artigos.

A palavra “aquila,ae” pode ser traduzida como: a águia, uma águia, ou apenas águia.

O português possui apenas dois gêneros, já o latim possui três:

Masculino

Feminino

Neutro

Como em nossa língua, o latim possui dois números:

Singular

Plural

Na palavra, encontramos os elementos seguintes:

Raiz

Tema

Desinência ou terminação

Esta é a parte irredutível, encontradas em todas as palavras da mesma família (Palavras cognatas)

Elemento da palavra que lhe dá sentido genérico

Parte variável da palavra

Em português, temos a palavra rosa

Rosa

Rosário, roseiral

Rosa

Em Latim, na palavra Rosarum temos:

Raiz: Rosarum

Tema: Rosarum

Desinência: Rosarum

O que são os casos latinos?

Para entender os casos latinos é preciso recordar que na língua portuguesa, para exprimir as funções sintáticas das palavras, temos os artigos, as preposições assim como a posição da palavra na frase.

Dependendo da posição em que se encontra uma palavra na oração portuguesa a realidade descrita pode ser bem diversa…

O caçador persegue o urso.

O urso persegue o caçador.

Em latim, no lugar destes elementos, usamos os casos com as respectivas desinências ou terminações. Assim os substantivos, os adjetivos, os pronomes e os  particípios, segundo as diversas funções sintáticas exercidas na oração, recebem terminações diferentes. Estas flexões ou mudanças de forma são chamadas de casos latinos.

Existem seis casos em latim.

Caso

Conceito

Exemplo em latim

Tradução portuguesa

Nominativo

Caso do sujeito e do predicativo do sujeito

Ursus

O urso

Vocativo

Caso da exclamação ou do chamado

Urse

Ó urso!

Genitivo

Caso do complemento restritivo

Ursi

do urso

Dativo

Caso do objeto indireto

Urso

Para o urso

Ablativo

Caso do complemento de causa eficiente e dos adjuntos adverbiais

Urso

Com o urso

Pelo urso

Acusativo

Caso do objeto direto

Ursum

o urso

Analisemos a frase:

Paulo de Tarso golpeia com a vara a porta para Pedro (entrar)

Paulus Tarsi pulsat virga portam Petro

Distinguindo os elementos da frase:

Caso

Conceito

Exemplo em latim

Tradução portuguesa

Nominativo

Caso do sujeito e do predicativo do sujeito

Paulus

Paulo

Genitivo

Caso do complemento restritivo

Tarsi

De Tarso (da cidade de Tarso e não de qualquer lugar)

Verbo

Ação

pulsat

Golpeia (bate)

Dativo

Caso do objeto indireto

Petro

para Pedro (entrar)

Acusativo

Caso do objeto direto

Portam

a porta

Ablativo

Caso do complemento de causa eficiente e dos adjuntos adverbiais

Virga

com a vara

Assim a ordem das palavras em latim não é tão fixa com em português. A mesma frase poderia ser escrita na ordem inversa sem o auxílio de vírgulas e sem alterar o sentido da frase. No entanto, o latim costuma apresentar o verbo no final da frase. A ordem preferida pelo latim seria:

Sujeito

Objetos e complementos

Verbo

A mesma palavra em latim possui diversas desinências segundo a função que exerce na frase. Assim a palavra rosa pode ser escrita como: rosa, rosae, rosam, rosas, rosarum, rosis, etc. Declinar uma plavra é enumerar todos os seus casos ou flexões no singular e no plural.

Não se preocupe, nem todas as palavras latinas são declináveis. São declináveis apenas:

Substantivos

Adjetivos

Alguns pronomes

Particípios

O restante é invariável.

Veremos nos próximos posts sobre a gramática do latim cada caso em especial.

jun 282011
 

A origem da devoção ao Sagrado Coração de Jesus

Marcos Eduardo Melo dos Santos

A base escriturística desta devoção remonta àquele trecho do Evangelho de  João (13,23) o qual narra o reclinar-se do discípulo amado ao peito de Jesus. Há inúmeras referências na época dos Padres da Igreja e na Idade Média. No entanto, quem hoje vê o nome do Sagrado Coração honrar a divisa de diversas ordens religiosas, paróquias, instituições de ensino e de assistência social, não pode imaginar com facilidade os dramas e dificuldades no surgimento desta devoção[1].

Após uma fase de eclipse, esta devoção ganhou novo impulso após as visões de Santa Margarida Maria Alacoque (1647–1690), difundidas por seu confessor São Claude de la Colombière (1673-1675)[2].

Após 150 anos de enormes dificuldades impostas especialmente pelos jansenistas e o terror da Revolução Francesa, em 1856, Pio IX instituiu a festa litúrgica do Sagrado Coração de Jesus, propondo, segundo a recomendação dos santos, a consagração do mundo ao Coração de Jesus.

Duzentos anos após Santa Margarida pedir ao Rei Luís XIV a consagração da França, o presidente do Equador, Gabriel Garcia Moreno, consagrou seu país em 1873, ao Coração de Jesus.

Cor Iesu

Cor Iesu

Diversos Papas incentivarem esta devoção através de encíclicas[3]. Atualmente a festa do Sagrado Coração é celebrada 19 dias após a solenidade de Pentecostes.

A devoção ao sagrado Coração de Jesus se difundiu em tocantes formas de piedade popular. Em 1872, Pio IX concedeu indulgências especiais aos que portassem o escapulário com a imagem do Sagrado Coração.

Semelhantes ao escapulário, havia também os chamados “detentes” com a imagem do Coração de Jesus. Os católicos que os portavam asseguram serem protegidos durante as perseguições religiosas ou conflitos armados, como os Chouans na França, os Cristeros no México e os combatentes das grandes guerras mundiais.

A variante talvez mais tocante da piedade ao Coração de Jesus esta na união com a devoção ao Imaculado Coração de Maria segundo a recomendação de vários santos como, São João Eudes, Santa Margarida Maria Alacoque, São Luís Grignion de Montfort, Santa Catarina Labouré e São Maximiliano Kolbe.

A devoção aos Corações de Jesus e Maria é difundida nos ritos católicos e orientais, e inclusive entre anglicanos e luteranos, crescendo nas últimas décadas com a difusão da Medalha Milagrosa, e, sobretudo, após a Mensagem de Fátima.

Ladainha do Sagrado Coração de Jesus em português e latim

A fim de que o leitor cresça mais e mais nesta devoção e aporfunde-se no conhecimento da língua latina oferecemos a ladainha do Sagrado Coração de Jesus em português e latim.

Em Português Latine
Senhor, tende piedade de nós. Kyrie, eléison.
Jesus Cristo, tende piedade de nós. Christe, eléison.
R/.Senhor, tende piedade de nós. R/. Kyrie, eléison.
Jesus Cristo, ouvi-nos. Christe, audi nos.
R/.Jesus Cristo, atendei-nos. R/. Christe, exáudi nos.
Deus, Pai dos Céus, tende piedade de nós. Páter de cælis, Deus, miserére nobis.
Deus Filho, Redentor do mundo, (a cada invocação responde-se “tende piedade de nós”) Fili, Redémptor mundi, Deus,
Deus Espírito Santo, Spíritus Sancte, Deus,
Santíssima Trindade, que sois um só Deus, Sancta Trínitas, unus Deus,
Coração de Jesus, Filho do Pai Eterno, Cor Jesu, Fílii Patris ætérni,
Coração de Jesus, formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe, Cor Jesu, in sinu Vírginis Matris a Spíritu Sancto formátum,
Coração de Jesus, unido substancialmente ao Verbo de Deus, Cor Jesu, Verbo Dei substantiáliter unítum,
Coração de Jesus, de majestade infinita, Cor Jesu, majestátis infinítæ,
Coração de Jesus, templo santo de Deus, Cor Jesu, templum Dei sanctum,
Coração de Jesus, tabernáculo do Altíssimo, Cor Jesu, tabernáculum Altíssimi,
Coração de Jesus, casa de Deus e porta do Céu, Cor Jesu, domus Dei et porta cæli,
Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade, Cor Jesu, fornax ardens caritátis,
Coração de Jesus, receptáculo de justiça e de amor, Cor Jesu, justítiæ et amóris receptáculum,
Coração de Jesus, cheio de bondade e de amor, Cor Jesu, bonitáte et amóre plenum,
Coração de Jesus, abismo de todas as virtudes, Cor Jesu, virtútum ómnium abyssus,
Coração de Jesus, digníssimo de todo o louvor, Cor Jesu, omni laude digníssimum,
Coração de Jesus, Rei e centro de todos os corações, Cor Jesu, rex et centrum ómnium córdium,
Coração de Jesus, no qual estão todos os tesouros da sabedoria e ciência, Cor Jesu, in quo sunt omnes thesáuri sapiéntiæ et sciéntiæ,
Coração de Jesus, no qual habita toda a plenitude da divindade, Cor Jesu, in quo hábitat omnis plenitúdo divinitátis,
Coração de Jesus, no qual o Pai põe as suas complacências, Cor Jesu, in quo Pater sibi bene complácuit,
Coração de Jesus, de cuja plenitude nós todos participamos, Cor Jesu, de cujus plenitúdine omnes nos accépimus,
Coração de Jesus, desejo das colinas eternas, Cor Jesu, desidérium cóllium æternórum,
Coração de Jesus, paciente e misericordioso, Cor Jesu, pátiens et multæ misericórdiæ,
Coração de Jesus, rico para todos os que Vos invocam, Cor Jesu, dives in omnes qui ínvocant te,
Coração de Jesus, fonte de vida e santidade, Cor Jesu, fons vitæ et sanctitátis,
Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados, Cor Jesu, propitiátio pro peccátis nostris,
Coração de Jesus, saturado de opróbrios, Cor Jesu, saturátum oppróbriis,
Coração de Jesus, atribulado por causa de nossos crimes, Cor Jesu, attrítum propter scélera nostra,
Coração de Jesus, feito obediente até a morte, Cor Jesu, usque ad mortem obédiens factum,
Coração de Jesus, atravessado pela lança, Cor Jesu, láncea perforátum,
Coração de Jesus, fonte de toda a consolação, Cor Jesu, fons totíus consolatiónis,
Coração de Jesus, nossa vida e ressurreição, Cor Jesu, vita et resurréctio nostra,
Coração de Jesus, nossa paz e reconciliação, Cor Jesu, pax et reconciliátio nostra,
Coração de Jesus, vítima dos pecadores, Cor Jesu, víctima peccatórum,
Coração de Jesus, salvação dos que esperam em Vós, Cor Jesu, salus in te sperántium,
Coração de Jesus, esperança dos que expiram em Vós, Cor Jesu, spes in te moriéntium,
Coração de Jesus, delícia de todos os santos, Cor Jesu, delíciæ sanctórum ómnium,
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, V/. Agnus Dei, qui tollis peccáta mundi,
R/. perdoai-nos, Senhor. R/. Parce nobis Dómine.
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, V/. Agnus Dei, qui tollis peccáta mundi,
R/. atendei-nos, Senhor. R/. Exáudi nos Dómine.
Cordeiro de Deus, que tirais os pecados do mundo, V/. Agnus Dei, qui tollis peccáta mundi,
R/. tende piedade de nós. R/. Miserére nobis.
V/. Jesus, manso e humilde de Coração, V/. Jesu, mitis et húmilis Corde,
R/. Fazei nosso coração semelhante ao vosso. R/. Fac cor nostrum secúndum Cor tuum.
Oremos. Deus onipotente e eterno, olhai para o Coração de vosso Filho diletíssimo e para os louvores e as satisfações que Ele, em nome dos pecadores, Vos tributa; e aos que imploram a vossa misericórdia concedei benigno o perdão, em nome do vosso mesmo Filho Jesus Cristo, que convosco vive e reina por todos os séculos dos séculos. Amém. Orémus. Omnípotens sempitérne Deus, réspice in Cor dilectíssimi Fílii tui, et in laudes et satisfactiónes, quas in nómine peccatórum tibi persólvit, iísque misericórdiam tuam peténtibus tu véniam concéde placátus, in nómine ejúsdem Fílii tui Jesu Christi, qui tecum vivit et regnat in saécula sæculórum. Amen.

[1] GIGON, Paul. Notre-Dame du Sacré-Coeur. Toulon : Missionaire du Sacré-Coeur, 1957. p. 295.

[2] ABRANCHES, Joaquim. O amor do Coração de Crito. Braga: Editorial A. O. 1990. p. 119.

[3] Leão XIII na Annum Sacrum (1899) com a Oração para consagração ao Sagrado Coração; São Pio X; Pio XI na Miserentissimus Redemptor (1928); Pio XII na Haurietis aquas (1956);  João Paulo II na Redemptor Hominis (1979) e Bento XVI em carta ao Pe. Kolvenbach Geral da Comapanhia de Jesus.

jun 212011
 

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP,
Fundador dos Arautos do Evangelho

Mons. João Scognamiglio Clás Dias elevando o Santíssimo Sacramento na Igreja Nossa Senhora do Rosário, Brasil

Mons. João Scognamiglio Clás Dias elevando o Santíssimo Sacramento na Igreja Nossa Senhora do Rosário, Brasil

Como nasceu a comemoração de “Corpus Christi”

A festa litúrgica em louvor ao Santíssimo Sacramento foi instituída em 1264 por Urbano IV. Ela deveria marcar os tempos futuros da Igreja, tendo como finalidade cantar a Jesus Eucarístico, agradecendo-Lhe solenemente por ter querido ficar conosco até o fim dos séculos sob as espécies de pão e vinho. Nada mais adequado do que a Igreja comemorar esse dom incomparável.
Logo nos primeiros séculos, a Quinta-Feira Santa tinha o caráter eucarístico, segundo mostram documentos que chegaram até nós. A Eucaristia já era o centro e coração da vida sobrenatural da Igreja. Todavia, fora da Missa não se prestava culto público a esse sacramento. O pão consagrado costumava ficar guardado numa espécie de sacristia, e mais tarde lhe foi reservado um nicho num ângulo obscuro do templo, onde se punha um cibório em forma de pomba, suspenso sobre o altar, sempre tendo em vista a eventual necessidade de atender a algum enfermo.
Mas durante a Idade Média, os fiéis foram sendo cada vez mais atraídos pela sagrada humanidade do Salvador. A espiritualidade passou a considerar de modo especial os episódios da Paixão. Criou-se por isso um clima propício para que se desenvolvesse a devoção à Sagrada Eucaristia.
O último impulso veio das visões de Santa Juliana de Monte Cornillon, uma freira agostiniana belga, a quem Jesus pediu a instituição de uma festa anual para agradecer o sacramento da Eucaristia. A religiosa transmitiu esse pedido ao arcediago de Liège, o qual, sendo eleito Papa 31 anos depois, adotou o nome de Urbano IV.
Pouco depois esse Pontífice instituía a festa de Corpus Christi, que acabou por se tornar um dos pontos culminantes do ano litúrgico em toda a Cristandade.

O “Lauda Sion”

A seqüência da Missa de Corpus Christi é constituída por um belíssimo hino gregoriano, intitulado Lauda Sion. Belíssimo por sua variada e suave melodia, e muito mais pela letra, ele canta a excelsitude do dom de Deus para conosco e a presença real de Jesus, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, no pão e no vinho consagrados.
A própria origem desse cântico é envolta no maravilhoso tipicamente medieval. Urbano IV encontrava-se em Orvieto, quando decidiu estabelecer a comemoração de Corpus Christi. Estavam coincidentemente naquela cidade dois dos mais renomados teólogos de todos os tempos, São Boaventura e São Tomás de Aquino. O Papa os convocou, assim como a outros teólogos, encomendando-lhes um hino para a seqüência da Missa dessa festa.

Apoteose de São Tomás de Aquino por Zurbarán

Apoteose de São Tomás de Aquino por Zurbarán


Conta-se que, terminada a tarefa, apresentaram-se todos diante do Papa e cada um devia ler sua composição. O primeiro a fazê-lo foi São Tomás de Aquino, que apresentou então os versos do Lauda Sion. São Boaventura, ato contínuo àquela leitura, queimou seu próprio pergaminho, não sem causar espanto em São Tomás, que perguntou “por quê?”. O santo franciscano, com toda a humildade, explicou-lhe que sua consciência não o deixaria em paz se ele causasse qualquer empecilho, por mínimo que fosse, à rápida difusão de tão magnífica Seqüência escrita pelo dominicano.

Síntese teológica, em forma de poesia

Aquilo que São Tomás ensinou em seus tratados de Teologia a respeito da Sagrada Eucaristia, ele o expôs magistralmente em forma de poesia no Lauda Sion.
Trata-se de verdadeira peça de literatura, que brilha pela profundidade do conteúdo e pela beleza da forma, elevação da doutrina, acurada precisão teológica e intensidade do sentimento. O ritmo flui de modo suave, até mesmo nas estrofes mais didáticas. A melodia — cujo autor é desconhecido — combina belamente com o texto. A unção é inesgotável.
São Tomás se revela como filósofo e místico, como teólogo da mente e do coração, realizando sua própria exortação: “Seja o louvor pleno, retumbante, alegre e cheio do brilhante júbilo da alma”.

Letra em latim e português do Louva Sião (Lauda Sion)

Em Português (lusitane)
Em latim (latine)
Para ouvir o hino, clique aqui.

1. Louva Sião, o Salvador, louva o guia e pastor com hinos e cânticos.
1. Lauda Síon Salvatórem, láuda dúcem et pastórem, in hymnis et cánticis.

2. Tanto quanto possas, ouses tu louvá-lo, porque está acima de todo o louvor e nunca o louvarás condignamente.
2. Quantum pótes tantum áude: quia máior ómni láude, nec laudáre súfficis.

3. É-nos hoje proposto um tema especial de louvor: o pão vivo que dá a vida.
3. Láudis théma speciális, pánis vívus et vitális hódie propónitur.

4. É Ele que na mesa da sagrada ceia foi distribuído aos doze, como na verdade o cremos.
4. Quem in sácrae ménsa coénae, túrbae frátrum duodénae dátum nom ambígitur.

5. Seja o louvor pleno, retumbante, que ele seja alegre e cheio de brilhante júbilo da alma.
5. Sit laus pléna, sit sonóra, sit iucúnda, sit decóra méntis iubilátio.

6. Porque celebramos o dia solene que nos recorda a instituição deste banquete.
6. Díes enim solémnis ágitur, in qua ménsae príma recólitur huius institútio.

7. Na mesa do novo Rei, a páscoa da nova lei põe fim à páscoa antiga.
7. In hac ménsa nóvi Régis, nóvum Páscha nóvae légis pháse vétus términat.

8. O rito novo rejeita o velho, a realidade dissipa as sombras como o dia dissipa a noite.
8. Vetustátem nóvitas, umbram fúgat véritas, nóctem lux elíminat.

9. O que o Senhor fez na Ceia, nos mandou fazê-lo em memória sua.
9. Quod in coéna Chrístus géssit, faciéndum hoc expréssit in súi memóriam.

10. E nós, instruídos por suas ordens sagradas, consagramos o pão e o vinho em hóstia de salvação.
10. Dócti sácris institútis, pánem, vínum in salútis consecrámus hóstiam.

11. É dogma de Fé para os cristãos que o pão se converte na carne e o vinho no sangue do Salvador.
11. Dógma dátur christiánis, quod in cárnem tránsit pánis, et vínum in sánguinem.

12. O que não compreendes nem vês, uma Fé vigorosa te assegura, elevando-te acima da ordem natural.
12. Quod non cápis, quod non vídes, animósa fírmat fídes, praeter rérum órdinem.

13. Debaixo de espécies diferentes, aparências e não realidades, ocultam-se realidades sublimes.
13. Sub divérsis speciébus, sígnis tantum, et non rébus, latent res exímiae.

14. A carne é alimento e o sangue é bebida; todavia debaixo de cada uma das espécies Cristo está totalmente.
14. Cáro cíbus, sánguis pótus: mánet tamen Christus tótus sub utráque spécie.

15. E quem o recebe não o parte nem divide, mas recebe-o todo inteiro.
15. A suménte non concísus, non confráctus, non divísus: integer accípitur.

16. Quer o recebam mil, quer um só, todos recebem o mesmo, nem recebendo-o podem consumi-lo.
16. Súmit únus, súmunt mílle: quantum ísti tantum ílle: nec súmptus consúmitur.

17. Recebem-no os bons e os maus igualmente, todos recebem o mesmo, porém com efeitos diversos: os bons para a vida e os maus para a morte.
17. Súmunt bóni, súmunt máli: sórte tamen inaequáli, vítae vel intéritus.

18. Morte para os maus e vida para os bons: vêde como são diferentes os efeitos que produz o mesmo alimento.
18. Mors est mális, víta bónis: víde páris sumptiónis quam sit díspar éxitus.

19. Quando a hóstia é dividida, não vaciles, mas recorda que o Senhor encontra-se todo debaixo do fragmento, quanto na hóstia inteira.
19. Frácto demum Sacraménto, ne vacílles, sed meménto tantum ésse sub fragménto, quantum tóto tégitur.

20. Nenhuma divisão pode violar a substância: apenas os sinais do pão, que vês com os olhos da carne, foram divididos! Nem o estado, nem as dimensões do Corpo de Cristo são alterados.
20. Núlla réi fit scissúra: sígni tantum fit fractúra, qua nec státus, nec statúra signáti minúitur.

21. Eis o pão dos Anjos que se torna alimento dos peregrinos: verdadeiramente é o pão dos filhos de Deus que não deve ser lançado aos cães.
21. Ecce pánis Angelórum, fáctus cíbus viatórum: vere pánis filiórum, non mitténdus cánibus.

22. As figuras o simbolizam: é Isaac que se imola, o cordeiro que se destina à Páscoa, o maná dado a nossos pais.
22. In figúris praesignátur, cum Isaac immolátur, agnus Páschae deputátur, dátur mánna pátribus.

23. Bom Pastor, pão verdadeiro, Jesus, de nós tende piedade. Sustentai-nos, defendei-nos, fazei-nos na terra dos vivos contemplar o Bem supremo.
23. Bóne Pástor, pánis vére, Jésu, nóstri miserére: Tu nos pásce, nos tuére, Tu nos bóna fac vidére in térra vivéntium.

24. Ó Vós que tudo sabeis e tudo podeis, que nos alimentais nesta vida mortal, admiti-nos no Céu, à vossa mesa e fazei-nos co-herdeiros na companhia dos que habitam a cidade santa.
24. Tu qui cúncta scis et váles, qui nos páscis hic mortáles: túos ibi commensáles, cohaerédes et sodáles fac sanctórum cívium.

Amém. Aleluia.