nov 212011
 

Pe. José Arnóbio Glavan, EP

As Catacumbas

Ao longo dos dois séculos e meio em que a Igreja sofreu sucessivas perseguições sangrentas, sentiu ela a necessidade de se esconder — sobretudo em Roma onde era mais diretamente visada — para poder continuar sua vida: celebrar os Santos Mistérios, conservar sua unidade, sepultar seus mortos —  especialmente os mártires cujos corpos se lograva resgatar — e acolher os novos cristãos.

aguia romana_aquila_eagle_arend_Adler_Aigle_romain_Romanische_RomaHabitualmente o fazia nas famosas catacumbas, locais subterrâneos  usados como cemitérios pelos antigos romanos, e que consistiam em amplas galerias com vários andares, interligados por verdadeiros labirintos, fato que vinha dificultar as perseguições. Entre elas destacam-se a famosa catacumba de São Calixto,  e as de Santa Priscila e de  Santa Domitila. As catacumbas são hoje em dia — juntamente com o Circo Máximo onde os cristãos eram martirizados — , locais de vivo interesse dos peregrinos que vão a Roma, e permanecem testemunhas eloquentes daqueles atribulados, heróicos e gloriosos tempos.

A unidade do Império sob Constantino

Em nossa trajetória histórica chegamos aos tempos de Diocleciano e de Constantino. O primeiro, como vimos, realizou uma reforma política e administrativa no Império, estabelecendo quatro imperadores: dois Augustos e dois Césares. Entretanto tal disposição não perdurou.

Com Constantino, seu sucessor, depois de muitos entrechoques políticos e militares, o Império viu-se governado por dois imperadores simplesmente: Constantino no Ocidente e Licínio no Oriente. Este último, entretanto, assumiu uma conduta contrária a de Constantino, hostilizando os cristãos, e ambos entraram em guerra. Constantino saiu vitorioso deste embate e tornou-se o único imperador: Totius orbis Imperator (Imperador de toda a Terra), foi o título que então levou.

Estava assim o Império Romano novamente unificado, e uma das principais medidas de Constantino foi, para se proteger das turbulências políticas de Roma,  transferir a capital do Império para Bizanço cujo nome mudou para Constantinopla, que em grego significa, cidade de Constantino.

Tal unidade porém também não se manteve. A necessidade da divisão se impunha pela vastidão do território sob poder dos Césares, e veio ela novamente a se restabelecer após o governo de Teodósio, permanecendo, como veremos a seguir, até a queda do Império Romano do Ocidente. O do Oriente, porém, perdurou por mais mil anos aproximadamente, vindo a cair somente com a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453.

O batismo de Constantino

Imperador Constantino e Santa Helena sua mãe, França

Após a famosa batalha da Ponte Mílvia, Constantino parece ter-se mantido sob influência da Igreja mas, surpreendentemente, não se fez batizar. Recebeu o santo batismo somente na hora da morte. O fato, que causa perplexidade e estranheza aos historiadores, se explica  pelo seguinte motivo: naqueles primeiros tempos da vida da Igreja, em que a exegese (ciência da interpretação da Sagrada Escritura) e a teologia (ciência da doutrina cristã), estavam apenas começando — impulsionadas sábia e corajosamente pelos Padres, e orientadas pelo Magistério da Igreja assistido pelo Espírito Santo — havia aspectos desta doutrina que ainda não estavam inteiramente claros. Um deles era justamente a respeito do sacramento da Penitência e das condições e amplitude do perdão concedido por Deus aos pecados graves atuais, após o batismo. Com efeito, era concepção corrente nesta época que os pecados graves cometidos após o batismo muito dificilmente seriam perdoados. E quando a Igreja concedia o perdão o fazia somente após anos de penitência.

Havia inclusive quem entendesse que tais pecados não tinham perdão a não ser, em certas condições, na hora da morte. Pelo contrário a convicção de que o batismo, recebido com as devidas disposições, apaga completamente todos os pecados, era uma verdade de fé compreendida e aceita em todos os tempos.

No quadro dessas concepções, pareceu mais prudente a Constantino — que tinha muito medo de recair em pecado e assim pôr em risco sua eterna salvação — postergar seu batismo para o fim de sua vida.

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Artigos precedentes e continuação do curso pelo link: Curso Básico de História da Igreja

set 072011
 

Luz no horizonte

Ensaio do Pe. José Arnóbio Glavan, EP

Em fins de 303, no auge da perseguição e quando Diocleciano se preparava para comemorar sua vicennalia (20 anos de reinado), o Império é abalado por uma surpreendente e misteriosa notícia: os dois imperadores, Diocleciano e Maximiano acabavam de abdicar, simultâneamente em Nicomédia e Milão, e se retirar para  províncias distantes. Haviam, entretanto, promovido à condição de Augustos, os dois Césares Galério e Constâncio Cloro, este último, simpático ao Cristianismo e pai do futuro imperador Constantino. Também dois novos Césares surgiram: Flávio Severo no Ocidente e Maximino Daia no Oriente, este último inicialmente partidário de uma política de paz com os cristãos. Admiráveis desígnios de Deus começam a se fazer notar nas tramas do acontecer histórico!

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Os acontecimentos políticos levaram, mais uma vez, ao recrudescimento das perseguições, mas já não com unânime opinião entre os meios oficiais. Uma poderosa e crescente corrente de opinião, defendia uma política de paz.

Por nove anos o Império experimentou um período de caos, com sucessivas lutas pelo poder. Caos este que se prolongou, de certo modo, pelo reino de Constantino a dentro. Constantino a quem este emaranhado de acontecimentos acabou por projetar como figura exponencial, vinha abrir uma nova era para a Religião de Jesus Cristo. Galério, então Augusto no Oriente, tomado por pavorosa doença e vendo a morte se aproximar, procurou aliviar sua consciência decretando o fim das perseguições, no ano de 311, medida que contou com a aprovação de Constantino e do César Licínio. Tal fato estava a anunciar  monumental virada nos acontecimentos e na história da Igreja e da humanidade.

Impossível é determinar com exatidão o número de mártires desses dois séculos e meio de perseguições, e as opiniões oscilam entre cem mil a cinco milhões, por onde se vê a insuperável dificuldade de precisar uma cifra, ainda que aproximada. A realidade é que neste tempo, a Igreja Celeste acolheu em seu seio uma gloriosa coorte de santos, que completaram na carne o que falta às tribulações de Cristo (cf. Cl 1,24)

Constantino

Jovem, alto e forte, pelo seu porte e caráter Constantino impunha respeito. Sua mãe, cristã fervorosa e hoje venerada por toda a Igreja como Santa Helena, exercia sobre ele poderosa influência. Após a morte de seu pai, Constâncio Cloro, ascende ele à condição de Augusto, e seu valor militar, provado em sucessivas conquistas, lhe valem a admiração e dedicação das legiões romanas. Despontava assim como poder único e soberano o que, entretanto, não lhe poupou adversários. Maxêncio, Augusto de Roma, também pretendeu para si o poder supremo, e declarou-se único Imperador. Constantino veio lhe dar batalha às portas de Roma.

Imperador Constantino e Santa Helena em Kaysersberg, Alsacia, França

Imperador Constantino e Santa Helena em Kaysersberg, Alsacia, França

Corria o ano de 312 quando, a 27 de outubro, Constantino chegava a cidade dos Césares. No dia seguinte, pela aurora, o exército de Maxêncio, muito mais numeroso do que o de Constantino, vinha ao encontro deste, atravessando o rio Tibre pela Ponte Mílvia. Logo no primeiro embate, as forças de Constantino impuseram surpreendente derrota aos ocidentais que estes, recuando desnorteados, se afogavam no rio Tibre. Após esta batalha, Constantino que era pagão e adorador do Sol Invictus, converte-se e faz-se cristão. O que se teria passado? é esta uma questão que desafia a argúcia dos historiadores. Importantes documentos e monumentos da época, atestam que Constantino “invocou o Deus dos cristãos e lhe ficou devendo a vitória”.

É entretanto através do historiador Eusébio de Cesaréia, que se conhece os pormenores: Constantino, no momento de entrar em luta contra Maxêncio, apelou para o Deus dos cristãos e então viu, em pleno dia , uma cruz luminosa no céu com estas palavras: “In hoc signo vinces” (“Com este sinal vencerás”). Na noite seguinte apareceu-lhe Cristo convidando-o a fazer uma insígnia com o sinal da Cruz. A partir deste momento, tal insígnia nunca mais deixará de acompanhar os exércitos de Constantino, e ficou conhecida com o nome de Labarum (bandeira) e trazia uma  justaposição das letras gregas X e P, que correspondem as latinas CH e R, iniciais da palavra Christus. Tal símbolo ainda hoje é muito usado em sacrários, vestes litúrgicas e outros objetos sacros.

No ano seguinte era promulgado o famoso Edito de Milão, pelo qual Constantino punha fim, definitivamente, às perseguições, e declarava a liberdade da Igreja em todo o Império. Doou ao Papa sua própria residência, o Palácio Lateranense junto ao qual foi construída a primeira igreja cristã, a Basílica do Santíssimo Salvador ou de São João de Latrão como hoje é conhecida, e que vem a ser a igreja mãe de todas as igrejas de Roma e do mundo (1). Foi porém um sucessor de Constantino, Teodósio I, dito o Grande, que levou às últimas conseqüências os seus atos, declarando no ano  390, o Cristianismo a  religião oficial do Império, e proscrevendo, em toda a extensão de suas terras, o culto pagão. As igrejas e catedrais se substituíram aos templos dos ídolos, e o culto dos falsos deuses cedeu lugar a adoração do verdadeiro Deus. A Igreja se encheu de monumentos, e a fé encontrava poderoso estímulo na realidade humana, quando os mais altos potentados da terra eram vistos, humildemente e de joelhos, a prestar homenagem, devoção e serviço, ao Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Tal situação trouxe, indubitavelmente, muitos benefícios para a Igreja. Não entretanto, sem lhe acarretar graves inconvenientes. Sobre isso trataremos mais adiante.

(1) Nesta basílica se veneram as tábuas da manjedoura em que nasceu o Menino Jesus, e em suas dependências foram realizados cinco concílios ecumênicos

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