abr 092012
 

Pe. José Arnóbio Glavan, EP

Bourges - Dscn0692-Bourges - Paulo MikioNos séculos que se seguiram ao Edito de Milão a Igreja encontrou-se numa delicada situação. Se de um lado podia mover-se em liberdade e à luz do dia, de outro teve que enfrentar a rápida e intensa propagação das heresias, que gozavam, também elas, da mesma situação de liberdade. Assim antigas doutrinas heterodoxas (falsas) sobre as quais a Igreja tinha triunfado em tempos de perseguição, renasciam em aspectos novos enquanto outras heresias novas surgiam. Entre os  séculos III e VII viu-se ela sacudida por grandes embates doutrinários nos quais, entretanto, a ortodoxia ia se afirmando com cada vez maior clareza e precisão.

Durante as antigas perseguições a Igreja de Deus enfrentou gloriosamente inimigos internos e externos. Mas vencidos estes últimos, concentrou-se ela nos primeiros: as heresias. Uma outra ordem de realidades, ainda, se somava a estas: se com Constantino a Igreja alcançara a liberdade, com Teodósio I o Grande tornou-se religião oficial do Império Romano. Com efeito, este imperador proibiu o culto pagão em todo o Império,  sem entretanto recorrer à força para reprimir seus adeptos, mas negando-lhes, simplesmente, cargos e regalias oficiais, transferindo-as para os cristãos. Os imperadores que se seguiram foram, aos poucos, fazendo recuar o culto pagão, o que aliás provocava contínuos protestos de seus seguidores, ainda numerosos na vida pública romana, sobretudo no Senado. Graciano (375-383) no Ocidente, por exemplo,  foi o primeiro a recusar o título de Pontifex Maximus (supremo pontífice), que os imperadores pagãos ostentavam, e que Constantino e seus sucessores, por política, conservaram.

Se tal situação fazia dos imperadores romanos, fiéis súditos da Santa Igreja, fazia-os também seus naturais protetores. E por isso, em muitas situações entenderam eles poder exercer sobre a Esposa de Cristo uma descabida tutela. Vê-se então imperadores —  sobretudo os do Oriente — intervirem, com pretensões de autoridade, em debates teológicos e mesmo disciplinares da Igreja. Mas também usarem do poder secular para reprimir os hereges e, não raras vezes, os ortodoxos. Constantino I (306-337), e Teodósio I (379-395) favoreceram a ortodoxia mas já seus sucessores Constâncio (337-361) e Valente(364-378), protegeram o Arianismo, destituindo e exilando Santo Atanásio, o grande herói da luta anti-ariana. Teodósio II, por sua vez, protegeu os hereges monofisitas.

Os sete primeiros concílios foram convocados pelos imperadores. Constantino convocou, em 325, o primeiro concílio ecumênico, o de Nicéia, e Teodósio II em 431 convocou o  Concílio de Éfeso, a fim de se pronunciar sobre a heresia nestoriana. O Imperador hesitou muito entre São Cirilo, representante do Papa e grande defensor da ortodoxia, e os bispos partidários de Nestório, mas acabou por apoiar aquele e exilar este.

O mesmo imperador, entretanto, dezoito anos mais tarde, premido pelo Patriarca Dióscoro de Alexandria, partidário do heresiarca Eutiques, convoca um novo Concílio Ecumênico para Éfeso. Concede, a presidência a Dióscoro, que recusa cedê-la aos representantes do Papa quando estes chegam, e ainda ousa impedir a leitura da carta de São Leão Magno que expunha a boa doutrina em face do Monofisismo de Eutiques. Este, portanto, não foi um Concílio mas sim um conciliábulo, e ficou conhecido na história com o nome de Latrocínio de Éfeso, porque reuniu os bispos sem o consentimento e a aprovação do Papa.

out 282011
 

No transcorrer dos seis primeiros séculos muitas outras heresias investiram contra a Santa Igreja, ora negando verdades sobre a Santíssima Trindade — como o Monarquianismo que negavam a distinção de pessoas em Deus. Ora  sobre Jesus Cristo, recusando, por vezes atribui-lhe verdadeira natureza divina— como o arianismo — outras vezes lhe negando a condição de verdadeiro homem — como o Monofisismo e o Monotelismo, que negavam, respectivamente duas naturezas e duas vontades em Jesus Cristo. Foram as chamadas heresias trinitárias e as segundas cristológicas. Não faltaram também as heresias que visavam o Divino Espírito Santo e a doutrina da graça como por exemplo o Pelagianismo. Entretanto, de todas elas a Igreja saiu gloriosamente vencedora, e nesta vitória foi assistida pela santidade, ortodoxia, cultura sabedoria e notáveis qualidades de escritores e polemistas, dos Santos Padres. A alguns destes — Santo Atanásio, São Jerônimo, Santo Agostinho entre outros — que se destacaram por sua excepcional ciência aliada à piedade. Entre os mais notáveis Padres, a Tradição coloca São Basílio, São Gregório de Nazianzo, São João Crisóstomo e Santo Atanásio, no que diz respeito ao Oriente, e Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho e São Gregório I, o Grande, quanto ao Ocidente.

Detalhe da Saint Chapelle, Paris

Detalhe da Saint Chapelle, Paris

No período patrístico que estamos considerando, a Igreja foi também enriquecida pela realização de diversos sínodos e concílios, tanto regionais quanto universais, e a estes últimos se dá o nome de “ecumênicos”. Era, muitas vezes, por ocasião desses encontros, principalmente os que se realizavam sob a a autoridade do Papa —  condição para serem considerados ecumênicos, pois o papa é o Pastor universal — que a Igreja definia e formulava verdades de fé contidas na Revelação, e as propunha como tais para todos os fiéis: os dogmas.

Muitos sínodos e concílios se realizaram neste período, por vezes até mais de um por ano, o que torna muito laboriosa a enumeração de todos. Limitemo-nos aos ecumênicos: Nicéia (355) no qual foi definido que Jesus Cristo é verdadeiro Deus consubstancial (homousios) com o Pai; o  1º de Constantinopla (381) que como o anterior estabeleceu as verdades de fé que constam do Símbolo Niceno-Constantinopolitano (o Creio grande); Éfeso (431) que definiu, entre outras coisas, a maternidade divina de Nossa Senhora: Maria é Teotókos (Mãe de Deus);  Calcedônia (451) que condenou o Monofisismo de Eutiques, e estabeleceu o Cânon das Sagradas Escrituras (lista completa dos livros que constituem a Bíblia) e, por fim, o 2º de Constantinopla (553) que, entre outras coisas, reafirmou as decisões de Caledônia.

Nesta rápida passagem pela história dos Padres da Igreja e de suas lutas contra as heresias, chegamos ao fim do sexto século e  com ele o que se convencionou chamar em sentido estrito, o período dos Santos Padres. Admite-se, num sentido amplo, Santos Padres até o fim do século VIII. Também com esta historia encerramos nosso primeiro capítulo, para retomar no próximo a caminhada da Igreja onde a deixamos: ornada com a glória dos mártires e prestes a enfrentar os desafios da liberdade.