jul 312011
 

A Herança dos Apóstolos

As perseguições de Domiciano (81-96) que se fazia chamar “Dominus ac Deus” (Senhor e Deus), teriam, por seu lado, levado São João Evangelista ao desterro na ilha de Patmos, onde, por volta do ano 90dC, escreveu seu Apocalipse (1). Neste livro está manifesto o empenho do Apóstolo de sustentar, na fé e na esperança, as jovens comunidades cristãs, duramente provadas pelas perseguições que se sucediam e cresciam em intensidade.

Martírio de São João Evangelista, Alsacia

Martírio de São João Evangelista, Alsacia

Entretanto, sob a tempestade, o cristianismo se expandia pelas vastidões do imenso império.

Em Antioquia, capital da Síria, graças ao apostolado de São Paulo, formou-se uma florescente comunidade, que irradiava sua influencia sobre todo o mundo helênico. Foi precisamente aí que os seguidores de  Jesus Cristo foram, por primeira vez, chamados cristãos.(2). Até então eram conhecidos como galileus ou nazarenos. O Apóstolo das Gentes fundou diversas outras importantes comunidades como a da rica e próspera Corinto, e a da idolátrica Éfeso, cujo culto à Ártemis fanatizava a população (3).

Na Gália, hoje França, estabeleceram-se comunidades pujantes. Informações pouco documentadas e muito contestadas nos dão conta de que lá teriam se estabelecido os irmãos Marta, Maria e Lázaro, tendo este último sido bispo de Marselha. Também Dionísio, convertido por São Paulo no Areópago de Atenas, teria evangelizado a Gália tornando-se bispo de Paris. O fato é que, tanto um quanto outro, são objeto de muita veneração em terras francesas.

Os Atos dos Apóstolos registram a presença de peregrinos romanos no dia de Pentecostes (4). Talvez estes, certamente judeus, tenham se convertido naquela ocasião, e regressando a Roma, capital do império, tenham pregado entre os judeus da diáspora (dispersão) e dado origem às primeiras comunidades cristãs naquela cidade. Foram estas, provavelmente, as que receberam os apóstolos Pedro e Paulo.

No norte da África desenvolveram-se florescentes comunidades cristãs, e muitas sedes episcopais foram ali estabelecidas. Os Padres atestam também a presença de comunidades cristãs na Espanha onde se acredita que esteve São Tiago Maior, e provavelmente São Paulo, na Britânia (hoje Inglaterra), e na Alemanha.

São Pedro e São Paulo, Mosteiro de Monserrat, Barcelona, Espanha

Apóstolos, Mosteiro de Monserrat, Barcelona, Espanha

No Egito, onde afirma-se que São Marcos fundou a sede episcopal de Alexandria e na Índia onde escritos apócrifos apontam São Tomé como evangelizador, desenvolveram-se também muitas comunidades e dioceses.

A Igreja nascente se espalhava por toda a terra, e não apenas no Oriente, isto é, na Palestina onde tinha nascido, na Síria, Egito, Ásia Menor e Grécia; mas também no Ocidente, Gália (França) Espanha, África, Germânia (Alemanha), Britânia (Inglaterra), e mesmo fora do Império como na Pérsia e na Índia.

Bibliografia

(1) cf. Ap 1, 9; (2) cf. At 11, 26; (3) cf. At 19, 23-40); (4) cf. At 2, 10;

jul 302011
 

Tipicamente brasileiro

Deus multiplicou as nações sobre a face da terra, para melhor espelharem suas qualidades infinitas. Sabendo admirar as qualidades de cada povo, amamos a Deus, seu criador.

José Antonio Dominguez

Um amigo paulista — professor catedrático de História — recebeu certa vez em sua casa um visitante francês. Era a primeira vez que este tomava contato com o Brasil. Como é natural, o anfitrião procurou ser o mais amável e acolhedor possível, de acordo com as leis da hospitalidade, que aqui não são escritas em papel, mas no coração. Não há quem visite o Brasil e não se sinta bem recebido; e, ao deixá-lo, não experimente uma pontinha daquele sentimento exclusivamente luso-brasileiro: as saudades…

Mariana, Minas Gerais

Igrejas em estilo barroco luso-brasileiro em Mariana, Minas Gerais

Meu amigo mostrou, pois, ao visitante sua residência. Pessoa de muita fé, cultura e requintado bom gosto, havia decorado primorosamente a casa. À medida que ia mostrando este ou aquele detalhe, fazia notar sua preferência pela cultura francesa, a fim de que seu visitante se sentisse mais à vontade.

De fato, um dos salões tinha móveis Luís XV, os de outro eram estilo Império, e algumas peças eram de artistas franceses. No final, saltou dos lábios do visitante, nos quais se desenhava um sorriso malicioso, a pergunta aguçada:

— Mas… professor, o senhor não fez um salão em estilo tipicamente brasileiro?

O nosso anfitrião compreendeu bem a perplexidade de seu visitante francês… tipicamente francês! E com um sorriso afável respondeu:

— Exatamente, uma das características do espírito tipicamente brasileiro consiste em admirar e assimilar as qualidades dos outros povos. Por isso, o senhor acaba de ver uma casa tipicamente brasileira.

Casas alemãs em Petrópolis, Rio de Janeiro

Casas tipicamente alemãs em Petrópolis, Rio de Janeiro

É que, para o brasileiro, que acolhe em seu país-continente filhos de quase todas as nações da terra, cada povo é como uma pedrinha colorida de um magnífico caleidoscópio (o conjunto das nações). Sabendo admirar as qualidades de cada povo, amamos a Deus, seu criador.

Por vezes, essas qualidades são antagônicas e seria quase impossível representá-las num só povo. Por isso, Deus multiplicou as nações sobre a face da terra, para melhor espelharem suas qualidades infinitas.

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Portal em estilo holandês da cidade de Holambra, São Paulo

jul 262011
 

Alcançada a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma Lei, a  fim de remir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos [como filhos] a sua adoção(Gl 4, 4-5).

Sagrada Família, Paróquia de Bilbao (Espanha)

Sagrada Família, Paróquia de Bilbao (Espanha)

Roma no tempo de Jesus e Maria tinha expandido seu domínio por quase todo o mundo conhecido de então. Era um só e imenso império. Pelas armas das famosas legiões romanas, os povos iam sendo, sucessivamente, submetidos ao poderio dos césares, e se estabelecia, deste modo, a famosa  Pax Romana (paz romana). Singular paz, imposta pela coação e pela força! O Mediterrâneo torna-se um mar romano, o Mare Nostrum (nosso mar). Três milhões de quilômetros quadrados e aproximadamente sessenta milhões de habitantes.

Ao nascer, a Igreja se encontrou dentro deste quadro político-social, e mais uma vez a Divina Providencia dispunha realidades temporais em benefício das espirituais; acontecimentos humanos em vista da edificação e missão da Igreja; meios contingentes e passageiros em função de fins eternos.

De fato, a Igreja, pequena semente de um “Reino que jamais será destruído” (1), de um “império” espiritual, uno e católico (universal) — incomparavelmente maior do que o império dos césares —, encontrou, preparado por Deus, um “canteiro”, também ele uno e universal, no qual deveria constituir-se, desenvolver-se e expandir sua missão.

Um grande pensador cristão dos primeiros tempos do cristianismo, Orígenes,  assim se exprimiu: “Deus preparou os povos e fez com que o Império Romano dominasse o mundo inteiro […] porque a existência de muitos reinos teria sido um obstáculo à propagação da doutrina de Deus sobre a terra” (2). E o famoso teólogo e pregador do século XVII, Bossuet, escreveu: “Deus que, no mesmo tempo, tinha resolvido reunir o povo novo [cristão] de todas as nações, reuniu primeiramente as terras e os mares sob um imenso império” (3).

“Se eles fazem isto ao lenho verde , que acontecerá ao seco?” (LC 23,31) – Primeiras perseguições

Jesus Cristo Nosso Senhor prevenira seus apóstolos de que não propagariam o Evangelho sem sofrerem perseguições (4), e estas lhes vieram abundantemente. De fato, ao se lançarem à tarefa da evangelização ordenada pelo Divino Mestre, seus discípulos, que de início se moviam quase exclusivamente nos meios do judaísmo, encontraram sob o reinado de Herodes Agripa e da parte do Sinédrio, saduceus e fariseus, e das sinagogas, as primeiras perseguições.

Pedro e João são levados ao cárcere (5), violência que se repete com os apóstolos quando chegam a ser açoitados (6), e só foram salvos da morte pela intervenção do famoso rabino Gamaliel (7). O diácono Estevão é também objeto do ódio do Sinédrio. Supliciado pelo apedrejamento, recebeu a glória de ser o primeiro mártir cristão (8). Não tendo ainda a idade exigida pelas leis judaicas para participar de um apedrejamento, um jovem e fogoso fariseu, discípulo de Gamaliel, favorecia e estimulava os executores daquela iníqua sentença de morte, guardando-lhes os mantos. Chamava-se Saulo (9).

Martírio de São Paulo (Museu do Prado, Madrid)

Martírio de São Paulo (Museu do Prado, Madrid)

Pelos caminhos deste jovem fariseu, entretanto, passou Cristo Jesus, e de perseguidor que era fez-se fervoroso anunciador do Evangelho, de Saulo tornou-se  Paulo, o grande Apóstolo das Gentes.

Não demorou para que o Império percebesse o poder de expansão da Igreja nascente, e pressentisse que as poderosas estruturas do paganismo viriam a estremecer em face da extraordinária atração que o Ressuscitado exercia sobre os povos, até então pacificamente submetidos aos falsos deuses.

Corria o ano 54dC, e sobre o trono imperial, sucedendo a Calígula que se fizera adorar como deus erigindo estátua em sua honra no próprio templo de Jerusalém, sentava-se Nero (54-68). No mês de julho de 64dC ocorreu o famoso incêndio de Roma:  por seis dias e seis noites a cidade ardeu em chamas. Muito difundida foi, na ocasião — hipótese que não se pode descartar — a versão de que o próprio imperador, desejoso de alterar o urbanismo da cidade, não encontrou melhor modo do que destruí-la pelo fogo para depois reconstruí-la em padrões novos, alexandrinos. O sinistro espetáculo, o desespero de uma população com milhares de mortos, não era um “divertimento” indiferente ao imperador que passou para a História como lunático e sanguinário.

Crescia na opinião pública a convicção de que Nero era o causador do incêndio, o que fez com que este não recuasse diante da idéia de atribuir aos cristãos a autoria do crime. Para isso determinou a prisão em massa de seguidores de Jesus Cristo, que eram submetidos a atrozes torturas a fim de lhes arrancar falsas confissões. Alguns fraquejaram e se submeteram às imposições dos carrascos, e a partir disso desenvolveu-se uma das mais pavorosas carnificinas que o mundo tenha conhecido: os prisioneiros foram vestidos com peles de animais, conduzidos aos jardins imperiais, e submetidos a uma sinistra caçada, na qual muitos acabavam dilacerados pelos cães.

Ainda não satisfeito com essa barbárie, Nero dispôs que os corpos dos cristãos, vivos,  mortos ou agonizantes, fossem transformados em archotes humanos para iluminar as alamedas de seus jardins, as quais, ele próprio, vestido de cocheiro e conduzindo seu carro, se divertia em percorrer. São Clemente Romano, futuro Papa, foi testemunha ocular desses tenebrosos acontecimentos (10). Segundo o historiador Tácito, foi levada à morte, nesta ocasião, uma multitudo ingens (enorme multidão) (1).

Conta a Tradição que, pelo ano 67dC, os apóstolos São Pedro e São Paulo, padeceram também sob Nero, sofrendo o martírio, sendo o primeiro crucificado de cabeça para baixo, e o segundo, decapitado pela espada, privilégio dos cidadãos romanos.

Pe. Arnobio José Glavam, EP

Bibliografia

(1) cf. Dn 2, 44; (2) cf. Origenes, in Contra Celso, II, 30); (3) Bossuet, Discours sur l’Histoire Universel, Flammarion, Paris, 1963, p.304); (4) cf. Jo 15, 1-20); (5) cf. At 4, 1-22; (6) cf. At 5, 17-42); (7) At 5, 34-39; (8) At 7, 54-60; (9) At 7, 58; 8, 1; )  (10) (cf .Daniel- Rops,  A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires, Loyola, 4ª edição, p.183; (11) Tácito, Annales, 15, 44.

jul 252011
 

Santiago de Compostela

O cabo Finisterre, situado no litoral da Galiza, era o lugar no qual, para os antigos, terminava a terra conhecida e começava o misterioso e insondável Oceano Atlântico. Muito perto dali, encontra-se um dos centros de peregrinação mais visitados da Cristandade.

Santiago de Compostela é um dos raros exemplos de cidade que nasceu graças à devoção de dezenas de milhões de peregrinos. De fato, sua história confunde-se com a das peregrinações, desde que no Campus Stellae (Campo da Estrela), como é chamado o local, foi encontrado milagrosamente o sepulcro do Apóstolo São Tiago.
A vida do santo, uma das mais belas da hagiografia cristã, seria suficiente para explicar por si mesma a imensa atração que suas relíquias têm exercido sobre o mundo católico.

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Segundo a tradição, depois de Pentecostes os primeiros discípulos se dispersaram para pregar o Evangelho. São Tiago o Maior, primo de Nosso Senhor e irmão de São João, era chamado por Jesus de o “filho do trovão”, devido a seu temperamento fogoso. Talvez por isso lhe correspondera evangelizar a Península Ibérica, uma das regiões mais remotas do mundo daquele tempo.

Após conturbada travessia marítima, o apóstolo desembarcou na Ria de Arousa e passou sete anos levando a palavra do Divino Mestre àquelas regiões. No ano 44, voltou a Jerusalém, onde foi preso por ordem de Herodes, que mandou matá-lo à espada, tornando-se assim o primeiro mártir entre os apóstolos. Assim o narra o capítulo 12 dos Atos.

Logo após o glorioso martírio, o corpo do santo foi levado para a Espanha e colocado em um túmulo de mármore, no qual foi venerado até o século III. Posteriormente, com as invasões dos bárbaros no século IV, seguidas pelas dos árabes no século VIII, os habitantes do lugar acabaram perdendo a noção de onde se encontrava o sepulcro do Apóstolo.

Por volta de 820, ocorreu um fato milagroso que marcou o reinício da história que São Tiago continuaria a escrever da Eternidade. Nessa época, uma misteriosa estrela começou a aparecer acima de um campo por várias noites consecutivas. Um ermitão de nome Pelayo, habitante das redondezas, convencido do caráter sobrenatural do fenômeno, informou o bispo Teodomiro acerca do estranho acontecimento. Este dirigiu-se ao local com todos os seus fiéis e, seguindo o caminho indicado pela estrela, achou o sepulcro de mármore com os restos do Apóstolo. Sobre esse precioso tesouro, Afonso II o Casto, rei das Astúrias, edificou uma igreja e um mosteiro. A partir de então, a devoção ao santo e o culto a suas relíquias se propagou pelo país.

Porém, foi necessário outro acontecimento milagroso para que o Apóstolo se transformasse em padroeiro de toda a Espanha.
Conta a tradição que durante a batalha de Clavijo, em 844, o rei de Leão, Ramiro I, à frente de um punhado de cristãos, mantinha um combate desesperado contra 70 mil muçulmanos. De repente, apareceu um cavaleiro montado num cavalo branco, portando um estandarte com  uma cruz vermelha e, misturando-se aos combatentes, arrasou o inimigo. Todos o reconheceram. A partir dai, “São Tiago!” passou a ser o brado de guerra na grande luta da Reconquista, a qual recebeu um novo ímpeto espiritual, sob a proteção do insigne Apóstolo.

A fama de São Tiago transpôs os Pirineus no momento em que as nações da Europa rumavam para uma profunda unidade religiosa e cultural. A partir do século XI, devido especialmente ao incentivo dos Papas e ao apostolado dos monges de Cluny, as peregrinações a Compostela passaram a atrair cada vez mais as populações da Península Ibérica e de outros países.

No início do século XII, o Papa Calixto II concedeu ao lugar um singular privilégio, confirmado em 1179 por Alejandro III na bula Regis aeterni: todos os anos em que o dia 25 de julho, festa do Apóstolo, coincidir em domingo, podem-se ganhar nessa igreja todas as graças do Jubileu. Nascia assim o Caminho de São Tiago ou “rota jacobéia”.1 A Cristandade ganhava, ao lado de Jerusalém e de Roma, um novo centro de devoção.

Partia-se em peregrinação para cumprir um voto, pedir uma graça, implorar uma cura ou obter o perdão das próprias faltas. Era uma empresa cheia de riscos: as feras, os bandidos, o longo caminho a percorrer, o cansaço. Os peregrinos agrupavam-se em enormes colunas para se protegerem mutuamente. No decorrer do tempo, foram estabelecidas quatro vias principais, com hospedarias, hospitais, pontes, calçadas, cruzes e igrejas espaçosas — tudo quanto era necessário para o cuidado dos corpos e das almas durante as peregrinações. Cada ponto do percurso dava ao peregrino a oportunidade não só de descansar, mas de venerar uma relíquia, rezar diante de uma imagem, conhecer o relato de algum milagre, antes de ser acolhido por São Tiago, em Compostela.

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Naquela época, a Igreja, ao estender sua mão pacificadora e cheia de doçura no Caminho de São Tiago, povoou a Europa de maravilhas, erigindo edifícios com as belezas austeras da arte românica e a luminosidade radiante do gótico. O fervor religioso, servindo de ponto de contato espiritual entre os povos europeus, fez com que todos se sentissem solidários na mesma Fé.

Hoje, transcorridos vários séculos, peregrinos do mundo inteiro enchem cada verão as rotas jacobéias. E, chegados à imponente Basílica, acorrem logo a rezar ante as relíquias do Santo e a dar o tradicional “abraço” à imagem que se venera no altar-mor. N

1) O nome do Apóstolo em hebraico é Ya’akov  (Jacob). Na Idade Média, a forma latina Iacobus transformou-se em Jacomus. Desse vocábulo surgiram o italiano Giacomo, o francês Jacques, o espanhol Jaime e o catalão Jaume. Mas, na parte ocidental da Península, Jacomus deu origem a Yago ou Yagüe, de onde nasceria, posteriormente, o nome espanhol Santiago. O vocábulo que hoje usamos em português para nos referirmos ao santo tem origem num falso corte da expressão medieval Sant’Yago , que ficou convertida em São Tiago.


Mariana Arráiz de Morazzani. Revista Arautos do Evangelho. n.11. Novembro de 2002


jul 242011
 

Os Quarenta
Mártires do Brasil

Inácio de Azevedo, com a sua jovem falange, alimentava o ardente desejo de ver um Brasil florescente de virtudes. Entretanto, Deus o chamou, como se dissesse: “Inácio, não verás mais o Brasil. Vem a Mim!”

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Pe. Santiago Ignacio Morazzani Arráiz, EP

Corria a segunda metade do século XVI. A imensa vastidão do Novo Mundo, com seus milhões de almas à espera da luz do Evangelho, desafiava a intrepidez dos missionários. E as ondas do Atlântico, ao acariciarem as praias e rochedos das duas nações ibéricas, pareciam chamar ao heroísmo os corações idealistas. As esquadras portuguesas, marcadas com a Cruz de Cristo, singravam continuamente o “Mar Oceano”, agora transformado em estrada de sol e de espuma. E os habitantes do Brasil viam, com freqüência, batinas e hábitos variegados desembarcando das naus que lançavam âncoras na Baía de Salvador, na Capitania de Pernambuco ou nas enseadas acolhedoras de São Vicente.

Porém, em breve, a dura realidade da nova evangelização apareceu em toda a sua crueza. A conversão dos indígenas estava longe de ser tarefa sossegada e não se vislumbravam esperanças de resultados duradouros para aquela geração de catecúmenos. O canibalismo, prática arraigada desde tempos imemoriais, resistia com feroz tenacidade às exortações dos pregadores e às ameaças dos governantes, inclusive entre os já batizados: tamoios, tapuias e tupinambás ainda se entre-devoravam em indescritíveis orgias, dignas do pior dos pesadelos. E o exemplo de vida dos colonizadores leigos, em meio àquele ambiente tropical e exuberante, com freqüência deixava a desejar… O desânimo começava a ganhar terreno nas almas dos missionários e os braços cansados muitas vezes lhes pendiam ao longo do corpo.

Era necessário o aparecimento de apóstolos da têmpera de um São Paulo! Homens incendiados pelas chamas do Espírito Santo, que não recuassem diante das maiores decepções ou derrotas. Trabalhadores e organizadores incansáveis, cientes da grandeza do plano providencial que realizavam, mas dispostos a entregar a tocha do fogo sagrado para as seguintes gerações, fechando os olhos para a vida sem verem realizados os seus desígnios mais santos.

Pois bem, esses varões realmente apareceram, e a eles o Brasil votará sempre uma gratidão enternecida, pela titânica empresa que assumiram sem hesitações, com o sacrifício integral de suas existências. Faziam eles parte de uma instituição recém-fundada por um homem verdadeiramente inspirado: a Companhia de Jesus. E os nomes de Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, entre outros, permanecerão para sempre no firmamento da História como os grandes impulsionadores e benfeitores da Terra de Santa Cruz.

Onda de conversões

Agitada e dilacerada pelas guerras de Religião, a Europa via as falanges de Inácio de Loyola multiplicarem-se rapidamente, de modo quase miraculoso. A passagem desses austeros pregadores desencadeava verdadeiras ondas de conversão e de reforma de vida, em ambientes muitas vezes dominados pela euforia renascentista da idolatria do prazer. As multidões se apinhavam nas igrejas e, à palavra dos discípulos do convertido de Manresa, as lágrimas escorriam pelas faces, as mãos golpeavam o peito e os bons propósitos floresciam com abundância. Em casos não raros, o colorido traje de corte quinhentista era definitivamente abandonado em prol da batina preta do noviço jesuíta. Assim, em 1547, um português de nobre linhagem, tocado a fundo pela pregação do padre Francisco Estrada, decidiu abandonar a vida mundana e ingressar nas fileiras da Companhia. Chamava-se Inácio de Azevedo.

Um sacerdote jesuíta

Nascido em 1526, a pouca distância do Porto, era ele filho de Dom Manuel de Azevedo e Dona Francisca de Abreu. Pouco conhecemos da sua infância, mas sabe-se que na mocidade serviu como pajem na corte do Rei Dom João III. A sua mudança de vida foi súbita e surpreendente: aconselhado por um amigo, assistiu às preleções do famoso jesuíta espanhol padre Francisco Estrada, em passagem pelo Porto, e imediatamente o desejo de tornar-se religioso aflorou em sua alma como decisão irrevogável. Apenas hesitou um tanto sobre a escolha, sentindo-se inicialmente levado a integrar a Ordem dos Dominicanos, “pela devoção que eles tinham a Nossa Senhora” 1, mas, após uma conversa com o padre Estrada, o jovem fidalgo não teve mais dúvidas: seria filho de Santo Inácio.

Em 1548, vemo-lo dedicando-se aos estudos na casa jesuíta de Coimbra, onde se destacava pela austeridade das penitências diárias e pelo empenho em exercer as funções mais humilhantes. Não era tido como pregador eloqüente, nem brilhava pelos dotes da oratória, mas mostrava-se incomparável na arte da conversa, a qual seria sempre “a sua grande arma”.2

Recebeu as sagradas Ordens em Braga, no ano de 1553, e assumiu o reitorado do novo colégio de Santo Antão de Lisboa, um dos primeiros estabelecimentos de ensino da Companhia, obra do famoso padre Jerônimo Nadal. Em seu novo ofício, demonstrou dedicação sem limites, encontrando ainda tempo para visitar os presos, leprosos e enfermos da cidade. Poucos anos depois, teve de exercer as funções de vice-provincial da Companhia em Portugal, fazendo-se conhecer pela sua caridade heróica junto às vítimas da terrível peste que assolara algumas cidades do reino e adquiriu então grande fama de apóstolo, médico e consolador junto à população necessitada.

Sua fidelidade ao Fundador refletia-se nas muitas cartas que escreveu. Nelas pedia insistentemente ao Geral que enviasse a Portugal um Visitador “segundo o padre Inácio” 3, para que tudo ficasse inteiramente de seu agrado. Em 1559, ao ser nomeado reitor do novo colégio jesuíta de Braga, a sua primeira preocupação foi preparar a dependência mais digna da casa para servir de capela do Santíssimo Sacramento, enquanto ele se hospedava em local incômodo e frio. Oito anos depois, em Coimbra, o padre Azevedo realizou afinal a profissão solene, nas mãos do Provincial Diogo Mirão.

Brasil: o grande sonho

Em meio à incessante ação apostólica, inúmeras vezes pediu ele ao Geral a graça de ser enviado às terras mais longínquas, onde a presença dos filhos de Inácio de Loyola se fazia mais necessária. O Brasil exercia sobre ele um misterioso atrativo, e o terceiro Geral da Companhia, Francisco de Borja, compreendeu o apelo à missão que fazia vibrar o coração desse seu súdito, a ponto de mencionar afetuosamente “o seu Brasil” 4 nas cartas dirigidas ao jesuíta lusitano. Em fevereiro de 1567, Inácio de Azevedo era nomeado Visitador da Terra de Santa Cruz. Assim, na armada que partia em maio do mesmo ano, viajou, radiante de júbilo, um novo missionário da Companhia.

Durante dois anos o Visitador palmilhou as vastidões do Brasil. Percorrendo todas as casas da Companhia, introduziu costumes, reavivou esperanças, ouviu queixas e sugestões, incentivou e organizou os estudos e ditou sábias regras para a perseverança daqueles que se embrenhavam pela floresta. José de Anchieta mencionou em suas cartas os enormes benefícios da visita de Azevedo 5 e, quando chegou a hora do retorno, tendo percorrido duas vezes o litoral brasileiro, todos os habitantes de Salvador compareceram à praia, “cheios de saudade e esperanças”6, celebrando-o como verdadeiro pai e suplicando-lhe insistentemente que não tardasse em regressar. Ele prometeu tudo quanto lhe pediam e rumou para Portugal, firmemente decidido a voltar ao “seu Brasil”.

Farol da Barra, Salvador, Brasil

Farol da Barra, Salvador, Brasil

A partida e a viagem

Apesar de seu empenho em retornar, ainda decorreram dois anos antes do novo embarque.  Desta vez, ele preparava uma verdadeira renovação espiritual e material da colônia. Insistindo sobre a necessidade de vocações especificamente destinadas à evangelização do Brasil, afirmava não ser preciso recrutar noviços de grande cultura, mas apenas aqueles que dessem garantias de perseverança e se esforçassem em aprender as línguas indígenas. “Com latim, tupi e virtude” 7 estariam aptos para a grande missão.

Francisco de Borja apoiou integralmente a iniciativa de Inácio e autorizou-o a recrutar voluntários em todas as casas da Companhia. O Papa São Pio V recebeu o jesuíta em audiência e concedeu-lhe substanciosos privilégios para a sua viagem, além da indulgência plenária para todos os que o acompanhassem. À passagem de Inácio se multiplicavam os candidatos a participar da epopéia, de tal modo que, às vésperas da partida, setenta valorosos jovens se reuniam sob a direção do missionário, agora nomeado Provincial do Brasil. Além de dois sacerdotes, quase todos eram irmãos ou noviços da Companhia, sendo alguns deles artesãos de diversos ofícios, como alfaiates, sapateiros, tecelões, carpinteiros, lavradores e um pastor que embarcaria com suas ovelhas.

Por fim, no dia 5 de junho de 1570, a armada de Dom Luís de Vasconcelos, novo Governador do Brasil, levantou âncora na foz do Tejo, levando o esquadrão de voluntários. O padre Inácio, com trinta e nove companheiros, viajava a bordo da nau mercante São Tiago.

Em poucos dias, aquela embarcação tornou-se cenário digno do melhor retiro inaciano. Os irmãos e noviços reuniam-se em torno do padre Inácio e passavam os dias em orações, conversas edificantes e leituras em conjunto, acompanhadas às vezes pelos belos acordes da polifonia sacra. Os próprios marinheiros, cujos costumes e linguagem não eram sempre dos mais recomendáveis, foram influenciados pelo ambiente geral e participavam alegremente de longos entretenimentos sobre as verdades da Fé. E o exame de consciência, ao pôr-do-sol, encerrava-se com o canto da Salve Rainha.

Poucos dias foram suficientes para aportar na Ilha da Madeira. Mas Dom Luís de Vasconcelos não parecia ter muita pressa em chegar ao Brasil e decidiu permanecer ali por várias semanas, motivando a impaciência do capitão da São Tiago, o qual pediu licença para navegar a sós até as Canárias. O padre Azevedo era contrário a tal temeridade e recordou aos seus súditos a possibilidade de serem atacados pelos corsários em alto-mar, deixando-lhes liberdade de escolher entre continuar na São Tiago ou aguardar junto à armada.

Um ímpeto de entusiasmo lhe respondeu: não queriam abandoná-lo! E a nau partiu sozinha, levando o seu pequeno exército de candidatos ao martírio e arribando felizmente ao pequeno porto de Terça-Corte, nas Canárias, onde foram carinhosamente recebidos e permaneceram por cinco dias, esperando bons ventos para acolher-se à cidade de Las Palmas. Tudo indicava que o padre Inácio recebera ali claros sinais do Céu sobre a sorte que os esperava, pois, a partir de então, suas palavras de encorajamento sempre versavam sobre a beleza do martírio e o serviço prestado a Deus por aqueles que entregam as suas vidas pela Fé Católica.

Entrementes, Dom Luís de Vasconcelos, ainda na Madeira, mandava as suas naus saírem precipitadamente da barra para perseguir alguns navios que despontavam ao largo. Tratava-se de Jacques Sória — corsário francês a serviço da rainha da Navarra, Joana d’Albret, e famoso por seu fanatismo anticatólico e sanguinário — que partira de La Rochelle, à caça dos jesuítas. Porém, o pirata não ousou enfrentar a esquadra portuguesa e retomou o alto-mar, aproximando-se de Las Palmas, exatamente quando os peregrinos, após deixarem Terça-Corte, avistavam o porto desejado. Foi nesse momento que o vigia da São Tiago deu o alarme: “Naus à vista!”.

O martírio

Tudo aconteceu rapidamente: enquanto os inimigos cercavam a sua presa, procurando a abordagem, os filhos de Santo Inácio reuniram-se junto ao mastro central da São Tiago, em torno do seu superior, o qual mantinha erguida uma imagem de Nossa Senhora, cópia fiel da famosa Salus Populi Romani que se venera na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma. Entoaram então a ladainha lauretana e ofereceram a Deus suas vidas em alta voz. O padre Azevedo designou um grupo para proclamar a Fé Católica durante a luta e socorrer os combatentes feridos, enquanto os outros permaneceriam rezando sem cessar. Ele próprio manteve-se até o fim ao pé do grande mastro, exposto ao furor da peleja. Teve início então um breve duelo de artilharia, cujo resultado era fácil de prever, dada a enorme desigualdade de forças.

O irmão Bento de Castro dirigia a oração dos noviços, mas, em certo momento, abraçou-os a todos, correu à proa onde fervia a batalha e, empunhando o crucifixo, permaneceu de pé na amurada, proclamando aos brados a sua Fé, até cair nas ondas atravessado de punhaladas. Foi o primeiro mártir.

Por fim, as embarcações do francês, apertando o cerco, despejaram a multidão dos atacantes no tombadilho da nau. As injúrias dos calvinistas contra os “papistas” eram dominadas pela voz de Inácio de Azevedo, o qual, com a imagem de Maria erguida junto ao peito, exortava os católicos a morrerem pela sua Fé e lembrava ao inimigo o risco da perdição eterna. A pequena tripulação já não conseguia conter a avalanche dos corsários, e um destes, aproximando-se afinal do padre Inácio, desferiu-lhe tremenda espadagada no crânio, mas o mártir, sem recuar um passo e recebendo novas estocadas, proclamou ao cair: “Todos me sejam testemunhas de que morro pela Fé Católica e pela Santa Igreja Romana!”.8

O padre Francisco Álvares ministrou-lhe a última absolvição e então os irmãos e noviços acorreram, debruçando-se sobre o pai querido e abraçando-o entre lágrimas, enquanto ele os animava: “Filhos, não temais! Eu vou adiante, aparelhar-vos as moradas”.9

O capitão da São Tiago caiu varado de cutiladas e assim os piratas dominaram inteiramente o tombadilho, atirando-se ferozmente contra os religiosos e fazendo entre eles horrível chacina. O irmão Manuel Álvares, que em Portugal recebera a revelação do seu próprio martírio, permaneceu rufando um tambor em meio ao combate e bradando aos inimigos tudo quanto pensava sobre a sua impiedade. Teve seus membros quebrados às coronhadas, sem soltar um gemido. O corpo do padre Azevedo, com os braços em cruz, também foi repousar no mar, sob o olhar dos seus súditos. E o noviço Francisco de Magalhães, de vinte anos, ostentava na face, com ufania, o sangue do seu santo superior, a quem abraçara enternecido. O irmão Aleixo Delgado, pequeno e franzino, teve a sua cabeça apertada com tanta força, que o sangue lhe jorrava abundante pelo nariz enquanto dava grandes risadas, feliz por receber os primeiros golpes que o levariam ao martírio.

Jacques Sória ordenou peremptoriamente que todos os jesuítas deveriam ser mortos, com exceção do cozinheiro, João Sanches, o qual seria reservado para prestar seus serviços como escravo. E assim foi consumada aquela jornada: atravessados por punhais ou talhados por espadas, os últimos filhos de Santo Inácio foram arremessados ao oceano sem piedade. O  sobrinho do capitão, apelidado de “São Joaninho”, tinha recebido do padre Azevedo a promessa de ser admitido na Companhia antes de aportar no Brasil. Ofereceu-se então para morrer em lugar do cozinheiro e completou assim o número de quarenta. Por longo tempo se ouviram as preces dos mártires sobre as águas tranqüilas, enquanto os discretos esplendores do entardecer iluminavam o corpo do padre Inácio, ainda flutuando com os braços em cruz junto ao sagrado quadro de Nossa Senhora. E na longínqua Espanha, a grande Santa Teresa de Ávila recebia naquele momento a visão de tudo quanto acontecera na nau São Tiago e do triunfo daqueles gloriosos mártires.10

A doação total

Misteriosos são os desígnios de Deus em relação às almas. Quantos, ao longo da História da Igreja, sentiram-se chamados pela Divina Providência a determinadas missões e, depois de se devotarem a elas com todo empenho, morreram sem verem cumpridos os seus nobres anseios! Entretanto, enganar-se-ia quem concluísse haver nesses casos um equívoco da parte daqueles que apenas obtiveram como fruto aparente, a decepção e o fracasso. Quando Deus acende algum desejo no coração de um apóstolo, mais do que a realização da obra iniciada, deseja Ele a oferenda generosa de uma alma que decidiu entregar-se sem laivos de egoísmo ou auto-realização. Em uma palavra, Ele não quer tanto aquilo, mas aquele.

Inácio de Azevedo, com a sua jovem falange, alimentava ardentemente o desejo de ver um Brasil florescente de virtudes, cuja nova civilização fosse toda alicerçada na Fé Católica. Entretanto, em meio àquela navegação rumo à realização do seu ideal, Deus o chamou, como se lhe dissesse: “Inácio, não verás mais o Brasil. Vem a Mim!” E ele soube responder ao convite com inteira paz de alma. De Inácio, Deus queria, sobretudo, o próprio Inácio, mais do que o Brasil.

Mártires brasileiros

E quem sabe se, para a grandeza deste País, Deus queria daqueles quarenta heróis a conquista misteriosa e sobrenatural de grandes glórias num porvir que eles nem sequer suspeitavam? Ao contemplar as praias do nosso litoral, onde as ondas afáveis e graciosas parecem oscular a areia e retirar-se com saudades, somos levados a pensar naquele esquadrão de jovens mártires. E, cheios de emoção, ao lembrar que essa espuma luminosa vem irrigada por sangue tão fecundo, gota d’água no cálice do Preciosíssimo Sangue do Redentor, cantamos com a sagrada Liturgia: “Alegram-se nos Céus as almas dos Santos que seguiram os passos de Cristo e que, por seu amor, derramaram o seu sangue. Com Ele exultam eternamente!” ²

1 M. Gonçalves da Costa, Inácio de Azevedo, o homem e sua época, Livraria Cruz, Braga, 1957, p. 42.

2 Idem, p. 57.

3 Idem, p. 117.

4 Idem, p. 227.

5 Cf. Cartas do Padre José de Anchieta in Cartas Jesuíticas, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1933, p. 257.

6 M. Gonçalves da Costa, Inácio de Azevedo, o homem e sua época, Livraria Cruz, Braga, 1957, p. 278.

7 Idem, p. 290.

8 Idem, p. 415.

9 Idem, p. 416.

10 Cf. Rocha Pita, História da América Latina Portuguesa, Itatiaia, Belo Horizonte, 1976, p. 90.

jul 232011
 

Das cinquenta cidades mais populosas da América, o Brasil possui 13. Estados Unidos e México seguem o Brasil no rank com 9 cidades, Colombia com 4, Argentina e Venezuela com 3 das 50 mais populosas do continente.

São Paulo, a cidade mais populosa da América

São Paulo, a cidade mais populosa da América

Rank

Cidade

País

População

Em latim

1

São Paulo

Brasil

11,244,369

Sanctus Paulus

2

Cidade do México

México

8,851,080

Méxicopolis

3

New York City

United States

8,175,133

Novum Eboracum

4

Lima

Peru

7,605,742

Lima

5

Bogotá

Colombia

7,467,804

Bogota

6

Rio de Janeiro

Brasil

6,323,037

Fluvius Ianuarii

7

Santiago

Chile

5,040,028

Sanctus Iacobus

8

Los Angeles

United States

3,792,621

Angelopolis

9

Buenos Aires

Argentina

2,891,082

Bona Aerea

10

Chicago

United States

2,695,598

Sicagum

11

Salvador

Brasil

2,676,606

Soteropolis

12

Brasília

Brasil

2,562,963

Brasiliapolis

13

Toronto

Canada

2,503,281

Torontum

14

Fortaleza

Brasil

2,447,409

Urbs Fortalexiensis

15

Belo Horizonte

Brasil

2,375,444

Urbs Pulchri Horizontis

16

Guayaquil

Ecuador

2,366,902

Guaiaquilum

17

Medellín

Colombia

2,343,049

Medellín

18

Santiago de Cali

Colombia

2,219,714

Sanctus Iacobus Calensis

19

Havana

Cuba

2,135,498

Havana

20

Caracas

Venezuela

2,103,404

Caracae

21

Houston

United States

2,099,451

Hustonia

22

Manaus

Brasil

1,802,525

Manaue

23

Curitiba

Brasil

1,746,896

Curityba

24

Ecatepec City

México

1,655,015

Ecatepec Civitas

25

Quito

Ecuador

1,640,478

Quitum

26

Montréal

Canada

1,620,693

Mons Regius

27

Recife

Brasil

1,536,934

Urbs Recifensis

28

Philadelphia

United States

1,526,006

Philadelphia

29

Guadalajara

México

1,495,182

Guadalaxara

30

Maracaibo

Venezuela

1,473,007

Maracaibum

31

Phoenix

United States

1,445,632

Phoenix

32

Puebla

México

1,434,062

Angelopolis

33

Porto Alegre

Brasil

1,409,939

Portus Aelecer

34

Belém

Brasil

1,392,031

Bethlehem

35

Santa Cruz

Bolivia

1,384,067

Sancta Crux

36

Montevideo

Uruguay

1,336,878

Mons videns

37

Córdoba

Argentina

1,330,023

Cordoba

38

San Antonio

United States

1,327,407

Sanctus Antonius

39

Ciudad Juárez

México

1,321,004

Civitas Iuarez

40

San Diego

United States

1,307,402

Didacopolis

41

Goiânia

Brasil

1,301,892

Goyania

42

Tijuana

México

1,300,983

Tixuana

43

León

México

1,238,962

Leo

44

Guarulhos

Brasil

1,222,357

Guarulia

45

Rosario

Argentina

1,198,528

Rosarium

46

Dallas

United States

1,197,816

Dallasium

47

Barranquilla

Colombia

1,186,640

Barranquilla

48

Zapopan

México

1,142,483

Zapopan

49

Monterrey

México

1,135,512

Mons Regis

50

Valencia

Venezuela

1,084,472

Valentia

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jul 222011
 

Os benefícios da leitura

Guy de Ridder

Ler envolve “o prazer de se desligar do mundo”, declara à agência Deutsche Welle Thomas Anz, professor de Psicologia na Universidade de Marburg, Alemanha, e autor de um livro sobre a leitura.
Mais ainda, podemos acrescentar que o hábito de ler enobrece nosso espírito e nos eleva a panoramas culturais mais universais.
A leitura é também a descoberta de afinidades intelectuais. “É como o prazer de jogar, mas neste caso se expressa através da relação que o leitor estabelece com o autor”, diz o Prof. Anz.

Seminario_seminaristas_Arautos_Vida_cotidiana_Leitura_Hábitos

No entanto, se ela é tão prazerosa, por que as pessoas lêem tão pouco? Responde o psicólogo: “Como os jogos, a leitura precisa ser treinada. Muitos desistem na fase de treinamento e não adquirem o verdadeiro prazer que ela proporciona”.
Aqui vai, então, um conselho para quem está na “fase do treinamento”: comece por temas que lhe interessem bastante, e não se preocupe em ler página por página. Se um trecho estiver muito árido, passe adiante. Faça como o beija-flor: de cada planta ele retira apenas o que lhe apetece. O importante é lançar-se na água… Logo, logo, virá o gosto dos grandes panoramas intelectuais, mais atraentes do que muitas viagens turísticas.
A leitura de um livro é um turismo feito, não com as pernas, mas com o espírito.
O hábito da leitura implica também um afastamento temporário dos problemas cotidianos. Um conhecido meu, grande intelectual e homem de ação, fazia questão de ler algum livro de História antes de se deitar, para “descansar a mente da vulgaridade do dia-a-dia”. Passeava, assim, um pouco por outros povos, outros costumes, outras concepções de vida.

Leitura e conversa

Dizia-se, em épocas passadas, que uma dia sem leitura equivalia a dois dias sem tema de conversa.
Eis outro assunto bem atual: sobre o que se conversa hoje? Há conversa em família? Quem lê, habitualmente tem algo interessante a contar. Sua mente vive povoada de fatos dignos de nota, gestos que deram celebridade a grandes homens ou ditos cheios de espírito que nunca perdem a atualidade.
Outra grande vantagem aufere quem tem o hábito da leitura: saber ortografia. A dificuldade de tantos jovens — e alguns já não tão jovens assim… — nessa matéria é conseqüência da absorção produzida pela TV hoje. Muitas vezes sabem o significado correto da palavra e a empregam adequadamente, mas desconhecem sua grafia por a terem ouvido centenas de vezes, e lido apenas em poucas oportunidades.
Por fim, vale ressaltar quanto a leitura auxilia no enriquecimento do vocabulário. Como este está hoje reduzido à sua mínima expressão, muitas pessoas encontram dificuldade em transmitir seus pensamentos ou sentimentos. Isto, por sua vez, gera insegurança e mal-estar interior. Assim como a abundância de tintas proporciona ao pintor a possibilidade de dar à sua obra a tonalidade desejada, a variedade de palavras com sentidos semelhantes, porém cada qual com o seu matiz próprio, fornece ao orador o instrumento adequado para exprimir o que deseja.
Quão salutar seria se nossas escolas estimulassem, como outrora, os exercícios de descrição, de narração e de redação que se praticavam desde os primeiros anos do ensino fundamental! Teríamos crianças mais desenvolvidas intelectualmente, mais seguras de si e, portanto, mais alegres e joviais.

jul 212011
 

Latim básico: o caso acusativo e as cores em latim

O caso acusativo é o caso do objeto direto.

Para identificar o objeto direto em uma frase deve-se colocar depois do verbo, as interrogativas quem? O que?

Ex: Pedro encontrou teu irmão

Pergunta: Encontrou (quem)?

Resposta: teu irmão (acusativo, objeto direto)

Em português o objeto direto localiza-se na frase após o verbo, mas em latim, como a ordem das palavras não estabelece a função sintática do vocábulo, as palavras sofrem uma alteração em sua desinência.

Museus Capitolinos, Roma

Museus Capitolinos, Roma (Itália)

Palavra em português

Nominativo singular

Acusativo singular

Nominativo plural

Acusativo plural

Marinheiro

Nauta

Nautam

Nautae

Nautas

Filho

Filius

Filium

Filii

Filios

Água

Aqua

Aquam

Aquae

Aquas

Flor

Flos

Florem

Flores

Flores

Mãe

Mater

Matrem

Matri

Matres

Curiosidade: Notou que o acusativo singular sempre termina em “m” e que o acusativo plural sempre termina em “s”. Nossa língua portuguesa é conhecida pelos linguistas como uma língua românica acusativa, pois as palavras lusas derivam em sua maioria do caso acusativo latino.

Singular e plural

Em português acrescentamos geralmente o “s” ao final das palavras para colocá-la no plural. Em latim isto ocorre de modo geral no caso acusativo, mas no caso nominativo, ocorre uma mudança na vogal final da palavra.

Nauta (marinheiro) no plural nominativo torna-se nautae.

Filius (Filho) no plural nominativo torna-se filii.

Veja a tabela abaixo da 1ª e 2ª classe de substantivos nos dois casos já estudados.

Nominativo singular

Nominativo plural

Acusativo singular

Acusativo plural

Lupus (lobo)

Lupi

Lupum

Lupos

Pluma (pluma)

Plumae

Plumam

Lupum

Atendendo o pedido de um de nossos leitores oferecemos lista das cores em latim

As cores em latim

Branco

Albus, a, um

Branco brilhante

Candidus, a, um

Vermelho

Ruber, rubra, rubrum

Vermelho brilhante

Purpureus, a, um

Negro

Niger, nigra, nigrum

Sombra

Ater, atra, atrum

Roxo

Rufus, a, um

Azul

Caerúleus, a, um

Louro

Flavus, a, um

Claro

Clarus, a, um

Brilhante

Fulgens, entis

Transparente

Pellúcidus, a, um

Verde

Viridis, is, e

Marrom-amarelado

Fulvus, a, um

Escuro

Obscurus, a, um

Pálido

Pállidus, a, um  (pallens, entis)

Opaco

Opacus, a, um

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jul 182011
 

Quelques étudiants Brésiliens font un site en latin

Attirés par la beauté et la précision de la langue latine, quelques étudiants brésiliens de l’institut théologique São Tomás de Aquino (ITTA) situé à Sao Paulo, ont pris l’initiative de faire un site en latin, ce qui est inédit au Brésil.

Pendant plusieurs siècles le latin a été la langue mondiale. Il est originaire de Lacio, une province d’Italie,et c’est la langue du peuple soumis de cette contrée qui fut adoptée par leurs conquéreurs romains. Le latin se propagea rapidement avec l’expansion de l’empire Romain dans presque toute l’Europe, le nord de l’Afrique et dans une partie du Moyen Orient.

Saint_agustin_Santo_agostinho_San_Agustin

Après la chute de l’Empire des Césars et la défaite des provinces romaines face aux invasions barbares, le latin fut conservé comme une langue culturelle. Les abbayes cultivaient cette belle langue de Cicéron non seulement dans leurs offices liturgiques, mais aussi dans la transmission des sciences humaines. Tout au long du Moyen Âge et durant une bonne période de l’époque moderne, le latin fut usité comme la langue des professeurs universitaires, c’est pourquoi les grands penseurs écrivaient en latin des traités de médicine, de physique, de théologie et de droit.

Avec l’avènement de la modernité, tous les peuples occidentaux sous l’influencedes mouvements nationalistes ont adopté leurs propres langues pour l’enseignement et l’administration de l’État. On aurait dit que cela suffirait pour mettre fin au long pèlerinage discrédité de l’existence du latin, pourtant, il résista dans les chaires universitaires et comme langue officielle de l’Hongrie.

Aujourd’hui, le latin non seulement est la langue officielle de l’État du Vatican, mais son alphabet est employé par la moitié de la population mondiale. D’ailleurs, il n’y a pas un continent sans que l’on trouve un pays qui utilise l’une des langues romanes – l’espagnol, le portugais ou le français etc. – comme étant sa propre langue.

En outre,puisque l’internet facilite la diffusion du latin,les finlandais, les allemands, les italiens, les américains, les chiliens et les polonais font leur possible pour le conserver vivant.

Quelques professeurs et étudiants membres de l’institut théologique Sao Tomas de Aquino (ITTA)visent diffuser dans le réseaux mondial d’articles, de nouvelles et d’écrits, la langue des Pères de l’Église Latine, en s’unissant avec les efforts de tous les amateurs de la langue de Cicéron, d’Horace et de Virgile.

jul 152011
 

A misteriosa origem da vida consagrada

Marcos Eduardo Melo dos Santos

Seriam os religiosos herdeiros dos profetas do Antigo Testamento? Seriam eles continuadores da missão de Santo Elias? Não será Santo Elias o fundador da Vida Consagrada?

O profetismo se sintetiza na emblemática figura de Santo Elias. Um homem capaz de dominar as chuvas, de ressuscitar mortos, de produzir milagrosamente durante três anos trigo e azeite, de fazer chover fogo do céu, etc.

Elias é o profeta. De tal maneira ele sintetiza a missão profética que foi escolhido pelo Senhor Transfigurado para representar o profetismo no monte Tabor.

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A palavra profeta deriva do grego, πρoφήτης, prophétes. É aplicada uma à pessoa imbuída de inspiração divina, capaz de pronunciar um oráculo, ou ainda, a um indivíduo apto a predizer acontecimentos futuros. (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005).

O Antigo Testamento, denomina-os primeiramente como videntes (I Sm 9,9). Ao profeta, Deus não apenas revelava os acontecimentos futuros, por meios de sonhos, visões ou aparições, mas o constituia como conselheiro e instrutor acerca da Lei de Deus. Gozava assim de enorme influência sobre as consciências de Israel.

A expressão “filhos dos profetas”, designava todos aqueles que se tornavam discípulos ou auxiliares dos profetas, os quais se constituiam em verdadeira comunidades (CANALS CASAS, 1994, p. 31).

De acordo com o texto bíblico, tais conglomerados surgiram em Israel já na época de Samuel (Cf. 1Sm 10,5-6.10-13; 19,20-24), seu apogeu se deu nos tempos de Santo Elias e Santo Eliseu (1 Rs 18,4.13.19-40; 2 Rs 2,13-16; 4,1.38-44; 6,1-7; 9,1); e parecem ter desaparecido na época do exílio (Zc 7,3; Ne 6,10-14). Seu carisma primava pelo caráter cultual, sua vida está vinculada aos santuários da época, como Ramá, Betel, Jericó e o Monte Carmelo (CANALS CASAS, 1994, p. 31).

Os filhos dos profetas viviam sobretudo no seguimento do Profeta, o qual portava uma graça ou um carisma semelhante aos fundadores na Nova Lei. Do profeta os discípulos auriam a doutrina, o espírito e o modo de viver.

Santo Elias é o herdeiro das antigas comunidades proféticas pré-exílicas. É considerado pelos Padres da Igreja como “fundador da vida consagrada” (SMET, 1987, p. 12). Santo Atanásio declara que “a vida ascética tem um modelo no qual pode refletir-se, como se fosse um espelho: o exemplo do grande Santo Elias” (ATHANASIUS. Vita Antonii, 7, PG, 854). Por sua vez, São Jerônimo não hesita em afirmar:

Cada modo de vida tem seu guia. Os bispos e sacerdotes têm aos apóstolos e aos homens apostólicos como modelos, aos que devem imitar para poder assim participar da dignidade deles. Nós esforçamo-nos em imitar a nossos Paulos, Antonios, Julianos, Macarios, e – se temos de recorrer à autoridade das Escrituras – nosso chefe é Elias, nosso é Eliseu, nossos são os filhos dos Profetas, que viveram nos campos e lugares solitários e plantam suas tendas nas margens do Jordão (SÃO JERÔNIMO. Epistula 58 ad Paulinum. PL 22, 583).

Outras comunidades religiosas se autodenominam herdeiros espirituais do carisma eliático, como os Hassidim e os Essênios, assim como no cristianismo com a ordem carmelitana.

Tal como os levitas, Santo Elias estava voltado ao serviço exclusivo de Deus; à repulsa de qualquer culto idolátrico; a seguir a voz de Deus conforme as inspirações e visões. O filhos dos profetas, por sua vez, deveriam seguir o profeta, servindo-o e obedecendo-o, hariundo no convívio com Mestre seu espírito e doutrina.

Jonadabe e os Recabitas

Segundo o livro de Jeremias (35,1ss), os recabitas eram descendentes de Jonadabe, filho de Recab, o queneu, o qual viveu por volta do nono século antes de Cristo. Ensinou a seus descendentes a se absterem de vinho, bem como não edificarem casas em cidades e praticarem a agricultura (COLOMBÁS, 2004, p. 28).

Os recabitas formavam um autêntico clã, algo semelhante a uma ordem religiosa nômade (cf. 2Rs10,15-33). Não lhes era próprio habitar em cidades, mas sim em tendas no deserto. Só se retiraram à Jerusalém por ocasião das invasões sírias e caldéias. Até a época da narrativa de Jeremias permaneciam fieis ao estilo de vida implantado pelo fundador Jonadabe. Em 250 anos de fidelidade os recabitas se constituíram numa comunidade ascética cuja existência e o mérito são referidos pelo profeta Jeremias (Cf. Jr 34,6-7ss; 2Rs 10,15-17; CANALS CASAS, 1994, p. 33). Na teologia dos fundadores, os recabitas são exemplo de como o carisma do fundador dado aos discípulos é dotado de uma potência capaz de transpor os séculos mesmo em épocas tão antigas.

Assideus

O nome assideu deriva do hebraico hassidim, e significa misericordioso (Sl 30:5 [A. V. 4], 31:24 [23], 37:28). No entanto, no primeiro livro dos Macabeus (1Mc 2,29.42-43), o termo se refere a um determinado grupo de pessoas no sentido de mártires. Os assideus caracterizam-se por um profundo amor a lei; pela busca da perfeição; como pessoas generosas no perdão, mas intransigentes diante da transgressão da lei; e que durante certas festas judaicas costumavam recolher-se por determinado tempo à oração e à abstinência (CANALS CASAS, 1994, p. 33).

Em épocas ulteriores, os ‘Hassidim são contados como um ideal do judaísmo, tornando-se inclusive um título de respeito no trato corrente. Devido a sua integridade gozaram de grande influência sobre o povo judeu, tornando-se símbolo da independência de Israel contra o domínio estrangeiro (2 Mac 16,6).

Com a consolidação do poderio romano na Palestina é provável que se tenham tornado uma associação de doutores da lei ou um partido político-religoso como os saduceus, mas para muitos autores a origem e o fim dos assideus permanecem ainda obscura. Há ainda outra corrente de exegetas e historiadores que os identificam com os essênios devido à aproximação linguística do radical das duas palavras tanto na língua hebraica como na grega. Ambos termos significam “piedosos” ou “santos”.

Essênios e Qumrã

Os Essênios (Issi’im) constituíam um grupo judaico ascético que teve existência entre 150 a.C. e 70 d.C. São comumente relacionados com outros grupos religioso-políticos, como os saduceus (COLOMBÁS, 2004, p. 21).

O nome essênio provém do termo sírio asaya, e do aramaico essaya ou essenoí, todos com o significado de médico, no grego therapeutés, e, finalmente, por esseni no latim. Não se sabe ao certo donde deriva este nome. Baseado em Filón de Alexandria e Flávio Josefo é provável que o vocábulo derive de hesén-hasaya, que significa “santo-venerável”. Se autodenominavam como “filhos do novo pacto”. São considerados herdeiros das comunidades proféticas e de Santo Elias (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005).

Na Bíblia não há qualquer menção sobre eles. Tudo que se sabe a seu respeito colhe-se do historiador judeu Flávio Josefo e do filósofo, também judeu, Filón de Alexandria. Outra fonte para o conhecimento da vida desta comunidade religiosa são os manuscritos de Qumrã. Todavia, os especialistas constatam que os essênios de Qumrã não são exatamente os mesmos daqueles descritos por Josefo e Filón, devido o fato evidente de que os dois escritores judeus possam idealizá-los em suas descrições. Entretanto, os essênios são de fato o grupo que oferece mais elementos da vida ascética veterotestamentária (SCHÜRER, 1985).

A História desde grupo religoso parece iniciar-se durante o domínio da Dinastia Hasmonéia, quando foram perseguidos e por esta razão refugiados nos desertos, vivendo em comunidades sob o estrito cumprimento da lei. Este isolamento os fez diferenciar-se do judaísmo comum que aliás estava corroído pela helenização. Acredita-se que a crise que desencadeou esse isolamento do judaísmo ocorreu quando os príncipes Macabeus, Jonathan e Simão, usurparam o ofício do Sumo Sacerdote dando-o a um ramo secundário da tribo de Levi, consternando os judeus conservadores. Alguns, entre os quais os essênios, não puderam tolerar a situação e denunciaram a Roma os novos governantes. Josefo refere, na ocasião, a existência de cerca de 4000 essênios, espalhados por aldeias e povoações rurais.

Gianfranco Ravasi afirma que o esenismo era “a forma mais original do judaismo desta época da História de Israel” (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005). Por tal motivo, os autores judeus demonstram a admiração ao seu estilo de vida como se evidencia no relato de Plinio, o Velho:

Ao oeste (do mar Morto) os essênios ocupam alguns lugares da costa, embora sejam agrestes. É um povo único em seu gênero e digno de admiração no mundo inteiro acima de todos os demais: não se casam, pois renunciam inteiramente o amor conjugal, não possuem dinheiro, são amigos das palmeiras. A cada dia crescem em igual número, graças à multidão de novos aderentes. Com efeito, acodem em grande número aqueles que, cansados das vicissitudes da fortuna, orientam a vida adaptando-a a sues costumes. Assim, durante séculos, ainda que pareça inacreditável, há um povo eterno do qual não nasce ninguém (Plinio el Viejo, Natur.histr. V, 15, 73, tradução minha).

Dentre as comunidades, tornou-se conhecida a de Qumran, pelos manuscritos em pergaminhos que levam seu nome. Os manuscritos do Mar Morto parecem ser anteriores a 68 d.C., os quais oferecem informações de diversos gêneros, com especial enfoque na vida religiosa especialmente nos documentos denominados como Regra da Comunidade (= 1QS), Regra da Guerra (= 1QM) ou ainda nos Hinos (= 1QH). Neles se verifica o gênero de vida, singularmente elevado e distinto desta comunidade (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005).

Os essênios eram uma verdadeira comunidade monástica. Dividiam-se em grupos de 12 com um encarregado da disciplina denominado “mestre da justiça”. A jornada se iniciava ao amanhecer com uma oração voltada ao oriente e se dividia entre trabalho manual – pois não possuiam amos nem escravos – e atividades espirituais, como orações, leituras e comentários da lei e de outros textos considerados sagrados; pela noite, divididos por turnos vigiavam em oração e estudo; vestiam-se sempre de branco; acreditavam em milagres e bençãos com as mãos, por esta razão eram chamados de terapeutas; sem propriedade privada partilhavam tudo em comum; vegetarianos e celibatários, aceitavam por períodos restritos o ingresso de pessoas casadas; cultivavam a higiene, tomando banhos antes das refeições sempre sujeitas a rígidas regras de purificação; primavam pela vida comunitária com a obrigação de comer, orar e deliberar os rumos da comunidade em conjunto; eram chamados de nazarenos por causa do voto nazarita; sua hierarquia se estabelecia de acordo com graus de pureza espiritual dos irmãos; suas doutrinas eram secretas; e nenhum estranho podia se unir a eles sem um complexo e cuidadoso processo de admissão. Um dos manuscritos apresenta a seguinte recomendação: “se for capaz de disciplina, o introduzirás no pacto…” (1QS VI, 14) (ROSSANO; RAVASI; GIRLANDA, 2005).

Seriam o carmelitas os diretos herdeiros de Santo Elias e da misteriosa comunidade de Qumrã? Este é mais um dos enigmas da História ainda não comprovados por historiadores e exegetas. No entanto, como afirmava São Jerônimo, Santo Elias pode ser considerado ainda hoje a remota origem e o perfeito modelo da vida consagrada.

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  • Bibliografia

    COLOMBÁS, Garcia M. El Monacato Primitivo. 2 ed. Madrid: Bac, 2004. 785 p.

    COLOMBÁS et alia. San Bento, su vida y su regla. Madrid: Bac, 1954. 730 p.

    ROSSANO, P; RAVASI, G; GIRLANDA, A. Nuevo diccionario de Teología Bíblica. 2. ed.San Pablo. Centro Iberoamericano de Editores Paulinos (CIDEP). In Biblia Clerus. CD-ROM. Congregatio pro clericis. 2005.

    SASTRE SANTOS, Eutimio. La vita Religiosa nella storia della Chiesa e della società. Milano: Ancora, 1997. 1061 p.

    SCHÜRER, Emil. Historia del pueble judio en tiempos de Jesús. T. II, 1985.

    SMET, Joaquim. Los carmelitas. História de La Orden Del Carmen. T. 1. Madrid: Bac, 1987. 400 p.