Continuamos nosso ensaio de História da Igreja escrita pelo Pe. José Glavan, EP.
Outra grande perturbação sacudiu a África cristã no incício do século IV. Sob a perseguição de Diocleciano (244-311) as comunidades africanas não foram as que deram maior exemplo de heroísmo. Ocorreu com freqüência que livros sagrados e vasos litúrgicos eram entregues aos pagãos, como estes o exigiam, sob ameaça de torturas ou morte. Tal gesto era considerado sinal da apostasia e negação da fé.
Passado o perigo, muitos oportunistas procuravam se eximir das culpas lançando sobre outros, a acusação de apóstatas e traidores. Deste modo formou-se um partido de radicais e violentos que se punham a condenar a atitude compassiva de muitos bispos. As pessoas mais visadas foram o primaz de Cartago Mensúrio e seu colega Segundo, bispo da Numídia, acusados de condescendência para com os apóstatas.
A Mensúrio, morto em 311, sucedeu seu íntimo colaborador, Ceciliano, logo acusado de cumplicidade com seu antecessor, atraindo assim o ódio do partido dos rigoristas.
Disso aproveitou-se um homem extremamente ambicioso, inteligente e hábil manipulador político, natural da Numídia, chamado Donato. De início manejava, por trás, os revoltosos até colocar-se, ele próprio, a frente do cisma.
Cisma sim porque até então era apenas uma ruptura com a autoridade e a disciplina da Igreja na África. Mas Donato tinha outras pretensões pois bem maiores eram suas ambições. Desejava ele constituir uma Igreja africana independente, tendo a ele, naturalmente, como fundador. Percebendo a vacuidade do cisma — que se alimentava unicamente de calúnias e intrigas — excogitou dar-lhe bases doutrinárias, e assim firmar definitivamente o seu partido.
Como o ponto de partida do cisma tinha sido intransigência para com os lapsi, Donato revolveu criar, a esse propósito, uma nova teologia, afirmando que a Igreja é constituída unicamente pelos justos, com a exclusão dos pecadores. Sustentava ainda que os pecadores, lapsi ou os traditores (traidores), deveriam ser submetidos a novo batismo. Pelo mesmo motivo, negavam a validade dos sacramentos ministrados por sacerdotes considerados pecadores. Negavam assim, frontalmente, todas as maravilhosas lições de misericórdia deixadas Nosso Senhor Jesus Cristo.
Agora não era mais simplesmente cisma, mas também heresia, pois à ruptura com a unidade disciplinar da Igreja somava-se a ruptura doutrinária. E assim, com este cisma-heresia, em plena ascensão, chegamos ao ano 313, em que Constantino promulga o Edito de Milão dando liberdade à Igreja.
Os hereges, astutamente, enviam petição à Constantinopla solicitando a intervenção do imperador. Cristão recentemente convertido, Constantino, não se sentindo em condições de dirimir questões doutrinárias, sem desconfiar o quanto exacerbaria os donatistas, toma a única medida sensata nesta matéria: entrega a questão nas mãos do papa Melcíades.
Reuniu-se então um concílio em Roma, em 2 de outubro de 313, ao qual tomaram parte também bispos africanos partidários de Donato. As razões apresentadas pelos hereges foram logo e facilmente desmontadas e, por unanimidade, Ceciliano foi confirmado em sua sede primacial. Um novo concílio foi reunido em Arles, no ano seguinte, e nele expressamente condenada a prática do “rebatismo”. Roma assim havia se pronunciado, mas os hereges não se submeteram. Donato e seus partidários continuaram a agitar a África cristã.
Mas a polêmica donatista não se encerra nesse episódio.
(Continua num próximo post)